O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) se tornou o pilar de sustentação das políticas de estímulo à economia do governo federal. O fundo, formado por recursos que pertencem aos trabalhadores do mercado formal, responde, por exemplo, por 59% do pacote de estímulo de R$ 83 bilhões anunciado em janeiro. Os R$ 49 bilhões do FGTS são destinados a obras de infraestrutura, ao financiamento da construção civil e à garantia de crédito pessoal consignado. Além disso, o governo ainda conta com mais R$ 73 bilhões para financiamentos imobiliários.
A regulamentação da medida provisória que permite aos trabalhadores usarem o FGTS como garantia para empréstimos consignados – que foi publicada no dia 29 de março – é a mais recente demonstração dessa dependência que as ações de estímulo à economia do governo federal têm do FGTS. Com a nova norma, a expectativa do Ministério da Fazenda é viabilizar a realização de operações de crédito no montante total de até R$ 17 bilhões.
A medida permite a realização de crédito consignado para trabalhadores do setor privado, tendo como garantia até 10% do saldo da conta do trabalhador no FGTS e até 100% do valor da multa rescisória por dispensa sem justa causa. O governo espera que com essa garantia as instituições financeiras diminuam as taxas de juros que são cobradas dos trabalhadores do setor privado nesta modalidade de empréstimo.
Para Mário Avelino, presidente do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador, a nova lei representa riscos aos trabalhadores e ao fundo. “Esse tipo de empréstimo com o FGTS como garantia não é um bom negócio para o trabalhador. Caso ele seja demitido, isto vai comprometer sua segurança financeira”, afirma. Na outra ponta, Avelino avalia que o fundo de garantia também pode correr riscos. “Em 2015, mais de 1,5 milhão de brasileiros foram demitidos. A expectativa é que este cenário piore neste ano, o que representa menos contribuição e mais retirada de recursos do fundo”, diz.
Pedalada fiscal
Nos últimos anos, o FGTS desembolsava 100% dos subsídios ao MCMV para que o Tesouro pagasse a sua parte depois. Esta ação foi qualificada pelo Tribunal de Contas da União como uma “pedalada fiscal”. Até o fim de 2015, o Ministério da Fazenda transferiu R$ 22,6 bilhões para quitar essa dívida com o fundo de garantia.
Infraestrutura
Outra medida de estímulo anunciada pelo governo foi a liberação de R$ 22 bilhões do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) para financiar obras de infraestrutura, prioritariamente em rodovias, portos, hidrovias, ferrovias, energia e saneamento.
O risco da operação está nos projetos escolhidos. Recentemente, o FI-FGTS anunciou uma perda de R$ 1 bilhão em decorrência de prejuízos com a Sete Brasil, criada para construir e administrar as sondas do pré-sal. No fim de 2015, o fundo tinha R$ 275 milhões no Fundo de Investimento em Participações Sondas, que controla 95% da Sete e, além disso, tinha investimentos de R$ 2,8 bilhões em debêntures da empresa.
Além da Sete Brasil, o FI-FGTS tem recursos investidos também em outras empresas envolvidas na operação Lava Jato. Pelo menos R$ 2,3 bilhões estão em ações da Odebrecht Transport; R$ 1,1 bilhão na Odebrecht Ambiental e mais R$ 88 milhões na OAS Óleo e Gás.
Com esse cenário, é esperado que o rendimento do FI-FGTS seja o menor desde sua criação, em 2008, ficando abaixo dos 5%. Carlos Abijaodi, representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que presidiu o comitê de investimentos do Fundo até o último dia 6, diz que não apenas a derrocada da Sete Brasil foi responsável pela baixa rentabilidade do fundo em 2015, mas também o comportamento das companhias das quais o fundo é sócio. “O cenário econômico afetou a geração de receitas e, por consequência, o valor de todos os ativos”, analisa.
Habitação
O FGTS é nos últimos anos o pilar da política habitacional do governo. No pacote anunciado em janeiro, foram destinados R$ 10 bilhões do fundo para a compra de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). O objetivo é disponibilizar novos recursos para o financiamento imobiliário e estimular o setor da construção civil.
No mesmo setor, o FGTS destinará mais R$ 73,7 bilhões para programas de financiamento imobiliário, incluindo o Minha Casa Minha Vida (MCMV). O fundo, que antes financiava 82,5% das moradias das faixas 2 e 3 do programa, vai ficar responsável por uma parcela de 89% em 2016. Neste ano, o orçamento do FGTS para subsídios ao MCMV é de R$ 8,9 bilhões.
Esta grande quantidade de recursos para crédito imobiliário foi viabilizada pelo pagamento das “pedaladas fiscais” do governo. Em fevereiro, o Conselho Curador do FGTS ampliou em mais R$ 21,7 bilhões os recursos disponíveis para financiar a compra da casa própria. “Os recursos destinados pelo FGTS vêm em um momento oportuno para incentivar a economia, orientadas por uma agenda de ampliação de crédito e investimento para estimular o crescimento econômico do país”, disse o ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto.
Liberação extra
Durante palestra em São Paulo no início do mês, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que o governo conta com uma nova liberação do FGTS para financiar investimentos. Com os R$ 11 bilhões citados pelo ministro, o pacote anunciado pelo governo em janeiro sobe para R$ 94 bilhões.
Ações que questionam rendimentos do FGTS estão paradas no STJ e no STF
Ao mesmo tempo em que sustenta a política econômica do governo, o FGTS remunera o capital dos trabalhadores com rendimentos abaixo da inflação. O rendimento do depósito é de 3% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). Essa correção abaixo da inflação é alvo de questionamento na justiça. Em 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que os processos sobre o tema fiquem parados até que o tribunal resolva a controvérsia sobre o assunto. Desde então, o processo que servirá para balizar as decisões das mais de 50 mil ações que estão sendo movidas no país aguarda julgamento sob a relatoria do ministro Benedito Gonçalves.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também avalia pedidos de correção do FGTS pelos índices inflacionários. Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sob relatoria do ministro Luis Roberto Barroso. A Procuradoria-Geral da República já se manifestou sobre o assunto e recomendou que o STF não aceite o pedido, mantendo a correção do FGTS da forma como vem sendo feita.
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