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Fim de vara do SFH deve expor mutuários à lentidão da Justiça

A advogada Lucíola Correa considera que a extinção da Vara Federal do SFH será um retrocesso nos direitos dos mutuários | Antônio More/ Gazeta do Povo
A advogada Lucíola Correa considera que a extinção da Vara Federal do SFH será um retrocesso nos direitos dos mutuários (Foto: Antônio More/ Gazeta do Povo)

Os processos envolvendo o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida no Paraná, que já começam a aparecer nos tribunais, vão enfrentar um gargalo no sistema judiciário. Casos que atualmente são resolvidos em até 60 dias com acordos de conciliação poderão demorar até dez anos tramitando pela Justiça comum. Isso porque, a partir de 1.º de setembro, Curitiba deixará de contar com uma vara federal especializada em processar e julgar exclusivamente causas ligadas ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

Uma resolução normativa publicada na última semana pela presidência do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) transforma a Vara Federal do SFH de Curitiba em 2.ª Vara do Juizado Especial Federal Cível, que passará a julgar processos de outras naturezas envolvendo a administração pública ou autarquias, com exceção de assuntos previdenciários (leia mais no quadro abaixo). A justificativa para essa perda de especialização é a queda no número de processos que ingressaram na Vara do SFH no último ano. Segundo a presidência do TRF4, entre junho de 2010 e maio de 2011 apenas 235 processos ingressaram no tribunal.

A juíza Anne Karina Stippe Amador Costa, titular da vara do SFH, considera que a medida afastará a Justiça do cidadão. "A casa própria tem uma importância que vai além da simples propriedade de um bem e envolve o direito constitucional à moradia. Desde que foi criada, em 2000, a vara facilitou o acesso a esse direito resolvendo grande parte dos processos por meio de acordos", garante. Ela relaciona a queda no número de novos processos à efetividade do trabalho especializado da vara, na qual ainda tramitam mais de 3 mil casos.

"Equívoco"

Lucíola Lopes Correa, advogada da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (Abmh), prevê que processos que hoje tramitam em até 60 dias podem demorar até dez anos para serem concluídos na Justiça comum. "A moradia no Brasil tem problemas desde a origem. A extinção das varas especializadas não é uma forma de se resolver a questão. O que foi feito é um pecado, um atraso e um retrocesso no acesso aos direitos. O que se levou dez anos para ser construído será perdido", lamenta.

A própria Caixa Econômica Federal (CEF), parte envolvida na maioria dos casos como ré, considera a decisão equivocada. O gerente da área jurídica da CEF no Paraná, Alaim Gionani Fortes Stefanello, explica que a vara trabalha focando nas tentativas de acordo antes mesmo da instauração dos processos. Segundo ele, isso acaba ajudando a desafogar o sistema judiciário e dando celeridade à resolução das demandas. "A Caixa naturalmente tem estrutura jurídica e vai se adaptar às mudanças. Mas entendemos que, para os mutuários e para a sociedade, a especialização é melhor, pois representa economia de tempo e de recursos, além de trazer estabilidade jurídica", afirma.

Minha Casa, Minha Vida

O advogado reconhece que a Caixa já começa a enfrentar os primeiros processos referentes ao Minha Casa, Minha Vida envolvendo vícios de construção e problemas de insolvência financeira dos mutuários. Stefanello aponta para o risco de um gargalo no Judiciário nos próximos anos. "As primeiras casas do programa estão sendo entregues agora; mesmo assim, já há um número muito grande de mutuários ingressando na Justiça. Isso de fato é uma realidade para nós. É meio imprevisível, mas que vai haver mais processos [no futuro], isso vai", avalia.

OAB vai pedir suspensão da medida

A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), classifica como "lamentável" a decisão do TRF4 e vai pleitear formalmente que a vara paranaense continue atuando de forma especializada nas questões ligadas ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH). "O tribunal não fez uma avaliação ampla. Com a perspectiva de problemas em decorrência do boom no mercado imobiliário, o conselho da Ordem vai enviar um requerimento exigindo a suspensão da medida até melhor estudo", afirma o presidente da OAB-PR, José Lucio Glomb.

Segundo ele, mesmo sem um grande volume de processos, a Vara Federal do SFH de Curitiba poderá manter sua especialização se for aplicado o princípio da competência residual. "Isso ocorre, por exemplo, com a Vara Federal Ambiental de Curitiba, que tem especialização para julgar processos ambientais e agrários, mas, quando o número de processos especializados diminui, ela passa a atender também a processos de outra natureza para aproveitar essa capacidade ociosa", explica.

Procurado para se manifestar sobre o assunto, o TRF4 afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a medida "visa melhorar a eficiência da Justiça para aproveitar melhor uma vara que não tinha tanta demanda". Ainda segundo a assessoria, a transformação da vara em um Juizado Especial Cível Federal vai possibilitar o atendimento a causas de até 60 salários mínimos, o que deve absorver parte das demandas antes julgadas pela Vara Especial do SFH.

A juíza titular da Vara do SFH em Curitiba, Anne Karina Stippe Amador Costa, discorda da análise. "O TRF4 entendeu mais pela questão do número de processos. Entretanto, todos os motivos que justificaram a criação da vara especial ainda persistem", avalia. "A especialização é muito positiva. A tramitação acaba ficando mais fácil, com soluções rápidas e organizadas. A partir do momento em que isso se dilui, cai a eficiência jurisdicional", argumenta a juíza. Segundo Anne Karina, os mutirões realizados pela vara chegam a realizar 50 audiências por dia, resolvendo mais de 30% dos casos na hora, por meio de acordos.

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