Todos os anos, no mês de março, um dia de trabalho de qualquer empregado no Brasil é descontado do salário e destinado ao sindicato da categoria a que ele pertence, seja esse trabalhador associado ou não. As empresas também não ficam de fora, com algumas particularidades, também precisam contribuir anualmente para os sindicatos, sendo elas sócias ou não dessas instituições. Nesse caso, o valor depende do capital social registrado. Esse sistema pode ser completamente alterado na reforma trabalhista. Embora não esteja no texto original, o relator da matéria, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), estuda inserir o dispositivo no texto que apresentará aos parlamentares.
Esse é o chamado imposto, ou contribuição, sindical e está em vigor desde a década de 1940, assegurado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A cobrança tem o objetivo de custear o sindicato, que, em contrapartida, além de representar os trabalhadores e patrões nas negociações, deveria oferecer serviços assistenciais, como assessoria jurídica, assistências médica e odontológica, bibliotecas, agências de colocação, prevenção de acidentes, atividades desportivas e sociais. Na prática, porém, nem todas as entidades cumprem com esse papel, e, por isso o imposto sindical pode estar com os dias contados. A efetividade da cobrança vem sendo amplamente debatida e, atualmente, existe a possibilidade de ser incluída na reforma trabalhista proposta pelo governo federal.
Essas discussões sobre o fim do imposto não são exatamente novidade e historicamente dividem até quem, na teoria, estaria do mesmo lado. Por exemplo, grande parte das principais centrais sindicais do Brasil acreditam que esse fim seria um passo atrás na representatividade. Do outro lado, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que reúne o maior número dos sindicatos no país, encabeça há tempos o grupo que acredita no oposto. Para a entidade, o fim da cobrança compulsória fortaleceria a representação dos trabalhadores no país.
De acordo com o presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, a obrigatoriedade do pagamento estimula a criação de sindicatos de fachada, que recebem o dinheiro, mas não atuam de verdade. “É um retrocesso contra o qual lutamos desde que a CUT foi criada, em 1983”, destaca. “O trabalhador tem de avaliar se quer ser sócio e ele só se associará se o sindicato tiver representatividade”, completa Freitas.
Esse é também o entendimento do relator da reforma trabalhista, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), que tem colocado novamente a discussão na mesa. Para o relator, essa medida resultaria em uma melhora, pois sindicatos atuantes teriam associados e, consequentemente, continuariam recebendo recursos. Marinho diz que a inclusão do fim da cobrança no projeto da reforma ainda não está definida, mas existe a possibilidade de acontecer.
“Estamos ainda discutindo com todos os setores, vendo prós e contras, mas hoje o sentimento é que a questão da compulsoriedade, da obrigação em contribuir, me parece antidemocrática”, destaca Marinho.
No outro braço da balança estão, principalmente, as outras centrais sindicais. A Força Nacional, Nova Central (NCST) e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), por exemplo, são alguns dos opositores. “Sem esses recursos o sindicato não pode pagar advogado, economista e carros de som, isso tudo enfraquece a defesa das pautas, como reajustes salariais”, explica João Carlos Juruna, secretário geral da Força.
Para a CSB, os sindicatos têm desempenhado um papel histórico e importante e, por isso, o imposto deve ser mantido. “Não existe nenhuma lei que garante o reajuste salarial, por exemplo, isso precisa ser negociado. No fim, mesmo quem não é associado se beneficia da conquista, por isso a gente entende ser justa essa cobrança”, detalha Juvenal Pedro Cim, secretário nacional de finanças e coordenador regional da CSB no Paraná.
Miriam Cipriani, mestre em direito e cidadania e professora de direito do trabalho e sindical da Unicuritiba, acredita que, com o fim da cobrança, o trabalhador, que hoje não é obrigado a ser sócio de um sindicato, “terá um estímulo para se associar na medida em que sua entidade oferecer os serviços demandados pela categoria”.
Fim da unicidade
As centrais que defendem a manutenção da cobrança compulsória do imposto sindical acreditam que o fim dela também significa o fim da unicidade de representação e, consequentemente, o enfraquecimento. “Você está deixando espaço para aparecer outro sindicato para a mesma categoria, e isso deixa o ambiente completamente fragmentado e enfraquecido”, destaca Juruna.
Hélio Gomes, advogado especialista em direito do trabalho e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que o índice de sindicalização no Brasil é extremamente baixo e isso pode ser um sintoma de que os trabalhadores não se sentem representados pelo sistema de que alia unicidade sindical e imposto. De acordo com Gomes, é preciso repensar, “olhando para a frente”, a estrutura sindical do país, que remonta ainda da década de 1940.
“O melhor caminho seria a quebra do monopólio da representação, ou seja a livre concorrência. Esse fim pode contribuir para que os sindicatos atuantes consigam, de fato, mais associados”, explica o professor. Como a reforma trabalhista vai dar mais peso para as negociações entre empresas e trabalhadores, a baixa representatividade sindical pode ser um obstáculo para o bom funcionamento desse novo sistema.
Miriam também vê a unicidade e a cobrança compulsória como alguns dos motivos para a baixa adesão, pois esse sistema possibilita que “entidades tenham uma receita garantida independentemente de desempenho nas negociações coletivas ou da oferta de serviços importantes”, ou seja, nesses casos, as pessoas não se sentem representadas e por isso não participam da organização.