Foi-se o tempo em que emprestar dinheiro era privilégio de bancos e seus consortes, e pessoas comuns que se atreviam por essa seara o faziam sob o manto da ilegalidade. Em meio à onda das fintechs (startups financeiras), alguns sites já permitem a internautas conceder empréstimos a empresas e receber de volta juros muito acima dos ganhos obtidos em aplicações tradicionais; outros proporcionam a chance de injetar capital em companhias nascentes e se tornar sócio do negócio, mesmo que a partir de um pequeno investimento. Tudo dentro da lei, ainda que com o pré-requisito de um estômago tolerante a risco e a possibilidade real de perder todo o dinheiro empenhado.
São duas as plataformas on-line de empréstimo colaborativo (o chamado peer-to-peer lending, ou P2P) a empresas, ambas funcionando há menos de um ano e meio. A Biva já tem uma carteira de crédito de R$ 18 milhões, enquanto a Nexoos já emprestou R$ 4 milhões. No outro modelo, o equity crowdfunding, a Broota permitiu que diversas companhias captassem cerca de R$ 15 milhões com 1.500 internautas, e a carioca Eqseed levantou R$ 1,1 milhão de 200 pessoas.
Retorno acima do CDI
No empréstimo colaborativo, o maior argumento para seduzir os investidores é a rentabilidade: as plataformas oferecem a possibilidade de lucrar de 17,5% até 28% ao ano — muito acima da taxa de referência do mercado, o CDI, que foi de 13,8% nos últimos 12 meses e cairá daqui para frente com a redução dos juros. Outro diferencial é receber o dinheiro de volta em parcelas mensais, acrescidas de juros.
Segundo as plataformas, elas conseguem oferecer uma rentabilidade alta porque sua estrutura digital é muito menos custosa do que a de um banco, reduzindo o spread de crédito, a diferença entre os juros pagos para captar o dinheiro e a taxa cobrada de quem pega o dinheiro emprestado. Além disso, os sites se associam a instituições financeiras de portes pequeno e médio — para formalizar a operação, como manda a legislação —, que precisam trabalhar com taxas mais agressivas do que grandes bancos.
“Não somos remunerados nem pelas pessoas nem pelas empresas que tomam empréstimo. Ganhamos com o banco parceiro”, contou Jorge Vargas Neto, fundador da Biva, que tem como parceiras as financeiras Socinal, Sorocred e Barigui.
O que os sites fazem é conectar pequenas e médias empresas que estão precisando de crédito a taxas menores que as cobradas pelos bancos — de 35,4% ao ano em linhas de capital de giro, em média, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac) — a pessoas que buscam rentabilidade maior para o seu dinheiro.
Nas duas plataformas em operação, o internauta se cadastra e tem acesso a um portfólio de companhias que estão precisando de empréstimo e podem escolher a quem emprestar. Na Biva, o investidor empresta para um grupo de várias firmas; na Nexoos, o investidor escolhe cada empresa tomadora.
“Nosso diferencial é oferecer uma gama muito grande de informações financeiras sobre as empresas para que o investidor escolha por conta própria”, disse Daniel Murrer, da Nexoos, que recebeu aporte da aceleradora Oxigênio, ligada à Porto Seguro.
Na Biva, pode-se aplicar a partir de R$ 3 mil. Na Nexoos, o mínimo é de R$ 10 mil. O prazo mínimo é de um mês na Nexoos e de três meses na Biva, podendo chegar a 24 meses em ambos os casos. O empréstimo é considerado colaborativo porque vários internautas emprestam para uma empresa.
O administrador Rodrigo Leske, de 31 anos, já investiu em 14 companhias por meio da Nexoos. Ele, que trabalha na área de finanças, vasculhou os dados das empresas para buscar as que não tivessem problemas de fluxos de caixa.
“Busco rentabilidade. E acho interessante investir numa empresa pequena. Essas plataformas conseguem trazer o mercado de capitais a essa pequena escala”, disse Leske.
Carlos Rimoldi, da empresa de alimentos saudáveis Light and Joy, obteve R$ 60 mil de 17 usuários da Nexoos pagando 22,85% ao ano para capital de giro e quitar outras dívidas. “Foi uma diferença brutal em relação ao que estava conseguindo nos bancos. Procurei no BNDES, mas a linha não estava disponível no momento.”
Atenção na hora de selecionar empresas
Renato Ximenes, advogado do Mattos Filho, alerta que o investidor deve estar ciente de que está aplicando em um negócio arriscado, que não tem o aval de uma grande instituição financeira. O principal risco é de calote da empresa tomadora. As plataformas afirmam que realizam seleções rigorosas das companhias (na Nexoos, menos de 3% das empresa são aprovadas) e que a taxa de inadimplência é abaixo de 3%. Mas os investidores devem ter noção de que há o risco de perder todo o dinheiro.
Há também o risco de o banco parceiro quebrar, mas há a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Ximenes explica que não existe norma específica para empréstimo colaborativo. Por isso, é usado um mecanismo que exige que uma financeira participe da operação e emita um CDB ou similar paralelamente. O FGC garante os papéis, até R$ 250 mil.
Greg Kelly, da Eqseed, explica que, no equity crowdfunding, o objetivo é de longo prazo, de no mínimo quatro anos. “ O foco são start-ups com potencial de expansão acelerado nos próximos anos. O ganho pode ser muito acima da renda fixa. Mas o investidor pode, sim, perder o dinheiro investido.”