Quando anunciou as medidas sobre o parcelamento obrigatório do rotativo do cartão de crédito em janeiro deste ano, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, garantiu que, com as novas regras, as taxas da modalidade cairão pela metade ainda no primeiro semestre de 2017, algo próximo de 150% ao ano. Perto dos mais de 486% ao ano registrados em janeiro, é realmente uma mudança grande e pode ajudar os consumidores a encarar o rotativo do cartão como a linha emergencial que ele é. Mas encarar as medidas anunciadas por Meirelles como um alívio no bolso dos brasileiros é uma ilusão.
Até o momento apenas o Banco de Brasil divulgou como cumprirá as novas regras. E a exemplo da própria instituição, os analistas advertem que, no geral, os bancos empregarão os mesmos juros que já oferecem hoje para o parcelamento da dívida do cartão e só manterão ou reduzirão essas taxas ou as do cartão de crédito em si se todo um conjunto de fatores colaborar, entre elas a inadimplência e o comportamento da Selic.
Para olhar além do discurso é preciso ver que, além de ser um meio de Meirelles pressionar os bancos, a promessa do ministro tem um fundo lógico. De acordo com o Banco Central, os bancos terão de financiar o parcelamento em até 24 meses e em condições mais vantajosas do que as do cartão do crédito.
“Se você pensar que os clientes serão obrigados a parcelar o saldo depois dos primeiros 30 dias de rotativo e que os juros do crédito parcelado hoje estão próximos da faixa dos 150% ao ano é lógico imaginar que isso resultará numa queda de juros ao consumidor”, explica Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de estudos e pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) que acompanha o comportamento do crédito no país há anos. “O cliente pagará 13% ou mais, dependendo do banco, no primeiro mês, quando empurrar o pagamento do saldo pela primeira vez, e depois, tendo de parcelar o montante, terá taxas menores, até próximas de 8% ao mês. Mas como a inadimplência, em tempos de desemprego, vai reagir a tudo isso, entre outros fatores, ainda é uma incógnita”, ressalta ele.
As instituições têm até o dia 3 de abril para anunciar como implementarão as novas regras do rotativo, que valerão para as faturas que vencerem a partir de 3 de maio. No BB, as taxas praticadas serão as mesmas que já são oferecidas aos clientes hoje para o parcelamento do saldo do cartão de crédito: entre 3,13% e 9,38% ao mês, dependendo do perfil do cliente e de seu relacionamento com a instituição. “Nessa taxa não tem nenhuma interferência do cenário que virá em maio, quando o comportamento do cliente vai mudar. (...) Hoje a gente tem um produto onde o cliente pode se valer do rotativo ad aeternum. Com a nova regra, é um desafio ver como o cliente vai enxergar isso(...)”, diz Elisa Machado, gerente executiva da diretoria de meios de pagamento do BB.
“O banco está focando a questão da comunicação. Em breve irá comunicar os clientes sobre o novo contrato [com a mudança no rotativo]. (...) Estando melhor informado, olhando para o que a taxa de juros representa, ele deve procurar a linha [de crédito] mais adequada para ele.”
Primeiro passo é saber se as famílias suportarão o parcelamento do rotativo
Essa cautela dos bancos em relação às regras do rotativo é normal. Oliveira explica que, em primeiro lugar, a medida do rotativo só dará certo se as famílias suportarem a quitação ou parcelamento dos cartões de crédito. “Da forma como elas usavam o rotativo antes, elas pagavam os juros, mas rolavam a dívida para frente. Desta vez terão de quitar o saldo ou parcela-lo, e pode ser que não consigam, o que vai colaborar para o aumento da inadimplência. Ou seja, se a população não responder bem à medida do rotativo os bancos não prosseguirão com a redução das taxas de juros do cartão de crédito”, explica o executivo.
Há ainda outros fatores a serem considerados para um cenário mais claro de queda de juros no cartão, entre eles a redução da Selic, a taxa básica de juros – que nesta quarta-feira (22) caiu mais 0,75 ponto porcentual , para 12,25%. Para que esse movimento em direção à redução dos juros tenha continuidade, Oliveira lembra que a inflação terá de continuar convergindo para a meta e que o cenário político também precisa colaborar – o que pode não acontecer, com as delações bombásticas da Odebrecht que devem ser divulgadas em breve dentro da Operação Lava Jato e todo o movimento de abafamento dessas denúncias em Brasília, além do comportamento do Congresso diante da votação de reformas como a da previdência.
Mesmo pela metade, queda de juros no cartão de crédito não mudará muita coisa
Na conjuntura atual, ainda que o país alcance uma taxa de 150% ao ano no cartão de crédito, isso apenas melhorará um pouco o nível de endividamento das famílias, que passarão menos dinheiro para o sistema financeiro. Hoje o montante de crédito rotativo é de R$ 37 bilhões, o que representa um parte pequena do total de R$ 700 bilhões ligado a cartões de crédito. Dentro do próprio Banco do Brasil, segundo Elisa, a carteira de clientes que usam o rotativo não é tão representativa assim.
A proporção faz sentido do ponto de vista dos bancos, que encaram o rotativo como uma linha emergencial e que, por isso, tem taxas elevadas. Mas do ponto de vista das famílias ainda é preciso uma boa dose de educação financeira. Conforme a Gazeta do Povo mostrou em janeiro, mesmo na crise e com os juros do cartão de crédito batendo recordes, a modalidade foi a que mais cresceu no Brasil nos últimos dois anos.
Do ponto de vista dos bancos também haverá um efeito positivo, uma taxa de juros mais “saudável” tende a ter boa influência sobre a inadimplência de forma geral. “Nós sabemos que é totalmente possível os bancos trabalharem com um patamar de juros de crédito parcelado no cartão de crédito, essa medida [do rotativo] só prova isso. Mas, na prática, não muda muita coisa na vida das famílias”, diz Oliveira. Em comparação com outros países o Brasil é campeão de juros no cartão de crédito. No último mês de setembro, quando a média das taxas da modalidade chegou a 436% ao ano por aqui, ficou em 43,3% na Argentina e 24,9% no Chile, segundo dados da associação de defesa do consumidor Proteste.