Carpe diem, a ideia presente na obra do poeta romano Horácio e popularmente traduzida como “aproveite o dia”, não serve para a vida financeira. Embora o desenvolvimento tecnológico reforce a impressão de que a humanidade está cada vez mais pressionada pelo futuro, sendo forçada a mudar hábitos constantemente e a pensar lá na frente em termos de trabalho e vida pessoal, na relação delas com o dinheiro, a história é outra. Pesquisas de economia comportamental conduzidas principalmente a partir dos anos 1990 e 2000, e com diferentes abordagens, já provaram que as pessoas, em maior ou menor grau, ainda agem por impulso em relação ao dinheiro e tendem a valorizar mais os eventos presentes que os futuros.
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Isso quer dizer, por exemplo, que a maioria das pessoas tende a gastar mais no início do mês, logo depois de receberem o salário, e depois passam o restante dos dias tentando se controlar para não extrapolar o orçamento – ou extrapolam e fazem dívidas.
Algumas das pesquisas de economia comportamental mediram inclusive a satisfação das pessoas com esse comportamento, atribuindo a um determinado ritmo de gastos uma pontuação de felicidade. E não houve muitas surpresas. Durante os dez primeiros dias do mês, por exemplo, quando a pessoa gasta mais comendo naquele restaurante que adora, indo duas ou três vezes ao cinema e ou adquirindo as novidades da loja preferida, ela estava mais feliz do que nos 20 dias seguintes em que teve de abrir mão dos pequenos prazeres.
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Não é nenhum fim do mundo não pode ir ao cinema, mas há meios de reprogramar esse comportamento aparentemente natural de gastar pensando apenas no presente. Uma das alternativas é concentrar as despesas fixas nos dez primeiros dias do mês, perto do recebimento do salário. Assim, a pessoa evitaria gastar demais antes de pagar contas essenciais. Outra dica é fragmentar o orçamento: tirado o pedaço para as despesas fixas e também o dinheirinho da poupança, o que sobra e dividido por semana.
Veja as recomendações do fundador da Academia do Dinheiro, Mauro Calil, e da economista e professora da UniBrasil, Franciele Lourenço, sobre o assunto:
1) Coloque seus gastos e rendimentos no papel ou na tela do computador
Sem a velha planilha ou outro método para organizar receitas e despesas fica difícil colocar o orçamento doméstico nos eixos. “E não há aplicativo que resolva se você não alimentá-lo, não tiver consciência”, lembra Mauro Calil.
“Projetos de vida também têm de entrar na planilha, com objetivos de curto, médio e longo prazo. Com essa separação a agente consegue entender os gastos e a reduzi-los. É provável que apenas fazendo isso a pessoa já reduza de 20% a 30% dos gastos”, afirma Franciele Lourenço.
2) Concentre gastos fixos perto do dia de recebimento
É difícil mudar a natureza humana. “Se você remontar à época da caverna, vai achar a resposta para isso. Se, de repente, o homem encontrava uma arvora cheia de frutas ele sabia que precisava comer tudo naquele momento porque no dia seguinte ou na semana seguinte os outros animais poderiam ter comido tudo. É assim que o homem funciona. Quando encontra a bonança, naturalmente, se farta”, observa Mauro.
Se a saída é simplesmente aceitar isso, então a chave está reduzir os riscos de autosabotagem. “Colocar as contas fixas essenciais [não só água e luz, mas também supermercado, gastos com o carro ou ônibus e refeições fora de casa durante a semana], coincidindo com o período de recebimento. Ou seja, concentrar todos os gastos fixos do dia 1.º ao dia 10. A partir daí é só administrar [o que sobrou].”
E atenção: segundo Franciele, os gastos fixos devem representar 50% da renda total. “Se passar disso é porque é preciso rever as despesas [ou não será possível ter aquela reserva ou traçar um plano para aquele sonho]”.
3) Se possível, divida o orçamento em períodos menores, como semanas
Se você já fez a lição de casa, já tem no papel e na cabeça o quanto gasta por mês, pode ser que consiga fragmentar ainda mais esse conhecimento, ou seja, passar a pensar em períodos menores, como semanas. “Se você conseguir fixar bem as datas das despesas fixas, é possível”, lembra Franciele.
Essa dica vale principalmente para o dinheiro que sobra depois das despesas fixas e da poupança. Se o que sobra é R$ 1 mil, em você terá cerca de R$ 200 por semana para ir ao cinema, àquele restaurante especial ou ainda para presentear um amigo querido. Se acabar gastando além do limite numa semana, já sabe, conscientemente, que terá de se segurar um pouco na próxima, mas que na terceira semana poderá voltar ao padrão da primeira.
Mas alguns especialistas, como Mauro Calil, não acreditam nessa abordagem. Ele lembra que, ao contrário dos norte-americanos, os brasileiros não recebem por semana, mas por mês. “Aqui tudo é mensal. Então esse é grande problema. Se você fizer um planejamento semanal, mas o recebimento continua sendo mensal é provável que o seu impulso [de gastar mais logo após o recebimento do salário] vai ser o mesmo.”
4) Não se esqueça de fazer uma reserva estratégica
Depois que separar o dinheiro para as contas fixas, não se esqueça de considerar também aquela reserva estratégica. Segundo Mauro Calil, é preciso ter pelo menos “três meses da sua vida” guardados e almejar chegar a um ano todo do que ele chama de “colchão financeiro”. E o ideal é deixar boa parte em investimentos seguros e que rendem mais que a poupança, como os fundos DI (aqueles com rendimento acima de 90% do CDI são os mais indicados) e os títulos do Tesouro Selic (que devem ter um ganho real de mais de 6% em 2017).