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Lagarde criticou “alfinetadas” entre democratas e republicanos | Timothy Aclary/AFP
Lagarde criticou “alfinetadas” entre democratas e republicanos| Foto: Timothy Aclary/AFP

Impasse puxa dólar para baixo

Agência Estado

O imbróglio político que não permite uma resolução rápida para um novo teto da dívida dos EUA tende a manter a pressão internacional de desvalorização do dólar nas próximas semanas, o que deve gerar uma força de apreciação do real ante aquela moeda, comentou o professor da PUC-SP Antônio Correa de Lacerda. "Caso o câmbio no Brasil continue na trajetória de fortalecimento ante a moeda norte-americana, será fundamental que o governo tome medidas imediatas para evitar que o patamar fique muito abaixo do atual, que ameaça ir para baixo da marca de R$ 1,50", afirmou.

Na avaliação de Lacerda, adicionais valorizações do câmbio num cenário de aumento da desconfiança de investidores com o dólar devem trazer um benefício muito pequeno ao controle da inflação no Brasil. Para ele, o câmbio ainda mais apreciado "ajuda um pouco" a alta dos preços, especialmente de alimentos e serviços, mas a cotação do real ante o dólar está tão vigorosa que dificilmente o governo vai permitir que fique muito mais robusta no curto prazo. De acordo com a série temporal do Banco Central, a moeda brasileira apresenta apreciação real de 37,49% ante a divisa dos EUA em comparação com o patamar registrado em junho de 1994.

Para o acadêmico, caso a cotação do câmbio tente ir para um nível inferior a R$ 1,50, o governo deveria tomar mais medidas emergenciais para conter o ingresso de capitais no Brasil, que, segundo ele, estão interessados em se beneficiar dos juros elevados pagos pelos papéis de renda fixa. "O Poder Executivo poderia combinar a alta da alíquota de IOF, além de determinar de forma explicita um período mínimo de permanência destes recursos no país", sugere.

Lacerda diz compreender os comentários da presidente Dilma Rousseff feitos a jornalistas na sexta-feira, nos quais indicou que o governo não pretende adotar medidas para conter a apreciação do câmbio no curto prazo, enquanto não ficarem claros os desfechos das crises fiscal nos EUA e soberana em países europeus. "Eu entendo as circunstâncias que levam o governo a ter esta posição. Mas compete ao Poder Executivo adotar medidas para alterar tais circunstâncias", disse. Para ele, é muito pior para o país permitir que o câmbio se valorize ainda mais, mesmo que isso ocorra basicamente devido a fatores externos. "Uma apreciação adicional do câmbio destrói empregos no Brasil e prejudica a capacidade produtiva e tecnológica da indústria nacional. E isso é ruim para a melhora das condições sociais da população", destaca.

"Terrível para os EUA, terrível para o mundo." Assim Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, definiu as consequências de um calote americano, no mesmo dia em que divergências sobre a dívida de Washington surgiram dentro dos partidos. Ontem, acabou o dinheiro do governo dos EUA. Se o Congresso não autorizar a Casa Branca a se endividar além dos US$ 14,3 trilhões que já contraiu em empréstimos – quase o PIB do país –, contas deixarão de ser pagas.

Em evento no Council on Foreign Relations ontem, Lagarde disse que enquanto "o relógio está chegando cada vez mais perto" do prazo, Congresso e Executivo norte-americanos se dedicam a "alfinetadas políticas". Ela alertou que um eventual calote, pior resultado da falta de acordo, contaminaria a economia global. "É óbvio que as consequências não vão parar na fronteira", avisou. As "alfinetadas", trocadas há semanas e levadas ao ápice no domingo com o duelo de discursos do presidente Barack Obama (democrata) e do líder da Câmara John Boehner (republicano), agora surgem dentro dos partidos. Legisladores republicanos ameaçam votar contra a proposta mais recente de Boehner, e democratas estudando votar a favor.

"A questão do teto da dívida tem de ser resolvida", disse Lagarde. "Mas a consolidação fiscal deve ser tratada pelo médio e longo prazo, pois nenhum país consegue crescimento sustentável com a base tão desequilibrada", acrescentou. Ela disse que, embora os EUA precisem elaborar rapidamente um plano para apertar seu orçamento e aumentar a receita com o objetivo de controlar as finanças, os legisladores devem tomar cuidado para não serem precipitados nos cortes futuros. Segundo Lagarde, isso é especialmente verdade dada a probabilidade de os EUA estarem enfrentando problemas no mercado de trabalho. Elaborar um plano confiável pode ter poucos efeitos adversos sobre a demanda e possivelmente até impactos positivos, disse a autoridade.

Europa

A Europa, por sua vez, precisa implementar rapidamente as medidas prometidas pelos líderes na semana passada para fortalecer a governança econômica na zona do euro. O acordo para a Grécia mostrou que os líderes estão comprometidos com a zona do euro, "mas a turbulência pode facilmente ressurgir", afirmou Lagarde.

A diretora do FMI declarou que a crise de dívida soberana da Europa "revelou os riscos impostos por uma união econômica e monetária incompleta". A equipe do FMI tem afirmado que a Europa precisa se mover na direção do federalismo fiscal, mesmo se isso significar a perda de parte da soberania por alguns membros.

Lagarde disse que o FMI precisa de mais recursos para combater a crise. "A questão é: nós ainda temos o nível de recursos que agora é necessário e apropriado para solucionar as crises?", questionou Lagarde. "No futuro não muito distante nós provavelmente teremos de revisitar esse assunto", acrescentou.

Proposta republicana deve ser votada hoje

O plano apresentado pelo porta-voz da Câmara, o republicano John Boehner, para aumentar o teto da dívida e equilibrar o orçamento deve ir a votação hoje. A ideia de Boehner é subir o teto da dívida em etapas. Na primeira, agora, o limite seria esticado até o início do ano, mediante cortes de gastos de US$ 1,2 trilhão. Depois, haveria nova votação para outra extensão de um ano, e novos cortes de US$ 1,8 trilhão. O plano não prevê retomar os impostos suspensos desde a presidência de George W. Bush, maior ponto de atrito entre os dois partidos. Ontem, Obama repetiu a ameaça de veto se a proposta de Boehner passar pelo Congresso.

A líder da minoria democrata da Câmara dos Represen­tantes, Nancy Pelosi, defendeu ontem outra proposta, apresentada pelo líder da maioria no Senado, o também democrata Harry Reid, que prevê o aumento do teto da dívida e a redução do déficit do país em um único movimento, em vez de forçar o Congresso a retomar o debate antes das eleições presidenciais de 2012.

Pelosi classificou como um "bom plano" a proposta de Reid para cortar US$ 2,7 trilhões do déficit na próxima década e elevar o teto da dívida, enfatizando que isso não levaria a mais um tenso debate no próximo ano. "O que eu mais gosto [no plano] é que ele nos leva até 2013, portanto a confiança que estamos tentando restaurar será restaurada por um período suficientemente longo e nós não teremos de passar por isso novamente em poucos meses", disse Pelosi.

Tanto Boehner quanto Reid têm sido criticados por colegas de partido: os republicanos afirmam que os cortes previstos por Boehner são insuficientes para equilibrar o Orçamento – estima-se que os EUA precisem cortar US$ 4 trilhões em dez anos –, e Reid também sofreu críticas internas ao sugerir um pacote sem aumento de impostos. Segundo a agência de notícias Reuters, o representante que tabula os votos do governo, Steny Hoyer, disse que "alguns democratas" podem votar com a oposição.

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