Depois de um silêncio que deixou muitos analistas perplexos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirma que quer liderar uma "ampla reforma" do sistema financeiro e estima que o pacote aprovado nos Estados Unidos deva ser apenas o primeiro passo para dar uma solução à crise. Para a entidade, que busca um novo papel diante de um mundo em plena crise, uma ação coordenada internacional ainda precisa ser estabelecida e alerta: o mercado não irá curar o mercado.
Nos últimos dias, a cúpula do Fundo vem mantendo contatos com governos e BCs dos demais países ricos para tentar convencê-los de que está na hora de seguir os passos adotados pelos Estados Unidos e até ir adiante: dar um mandato para que o FMI possa começar a pensar em uma reforma completa do sistema. Nos contatos, a entidade estaria reivindicando que esse mandato lhe seja dado, praticamente redefinindo os próprios objetivos originais do FMI.
O Fundo estaria disposto a negociar e estabelecer um novo marco regulatório para o sistema financeiro para evitar que crises como a que hoje afeta o mundo voltem a ocorrer. Até lá, uma ação internacional ainda será necessária para garantir a tranqüilidade dos mercados. Na Europa, os governos já deixaram claro que não estão dispostos a seguir esses passos.
Em entrevista publicada neste fim de semana no Journal de Dimanche, da França, o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, afirma que a crise pede que controles mais rígidos sejam criados sobre o mercado e deixa claro que isso seria um papel ideal para sua entidade. "Por enquanto, estamos apagando o incêndio, e é isso o que os americanos fizeram. Mas depois precisamos tirar as conseqüências do que ocorreu e, portanto, criar regras para as instituições e os mercados financeiros", afirmou. "Precisamos reformar o sistema", disse. "Um plano americano é necessário, mas ele precisa ser apenas o primeiro ato de ação política internacional", afirmou.
"Os políticos podem injetar dinheiro público para evitar que o edifício financeiro seja derrubado, pois é a estabilidade de nossas economias que está em jogo. Mas, logo, precisamos reformar. Caso contrário, a idéia que parecerá é de que se trata de um poço sem fundo, de estados que voam dar salvar administradores incompetentes e especuladores estúpidos", disse. "O mercado não irá curar o mercado", afirmou. Em sua avaliação, o controle dos ganhos financeiros é a chave.
No FMI, a estimativa é de que é a instituição que deve liderar o processo de reforma do sistema. "Fomos criados em 1944 como uma espécie de serviço público mundial. Em 1944, a ameaça era a anarquia monetária. Hoje, o que ameaça é a anarquia financeira: a falta de transparência, a irresponsabilidade de um sistema que se desenvolveu sem uma relação com a economia real. As finanças devem ser controladas", afirmou o francês.
"Estamos prontos a fazer essa reforma se um mandato nos for dado Essa é o nosso papel", disse Strauss-Kahn. "Podemos ter autoridades nacionais ou regionais, mas precisamos de fiador global. Uma instituição que verifique as normas", disse. Em sua avaliação, como o FMI reúne todos os países, seria capaz de definir regras de interesse de todos. "Isso é o que mundo mais precisa agora", disse. Para um funcionário do FMI, um eventual novo mandato significaria a "recriação do Fundo" para que seja relevante também para enfrentar as crises contemporâneas.
Nas crises que atingiram os países emergentes nos anos 80 e 90, o Fundo era o ponto focal de empréstimos e de elaboração de uma estratégia para superar a crise. Hoje, sem poder atuar com recursos diante do tamanho da crise, o FMI está em busca de um novo papel de articulador e de centro da reforma do sistema internacional.
Mas uma fonte da cúpula do FMI revelou ao jornal O Estado de S Paulo que a estratégia do FMI é a de mostrar que, até que uma reforma não ocorra, outros planos de contingência terão de ser criados em outros países.
A idéia é de que um pacote na Europa não seria para salvar apenas a economia européia, mas que faria parte de um plano internacional para de fato dar um fim ao problema e começar a retomada da confiança nos mercados. A idéia, portanto, é de que os europeus precisam deixar de pensar que o imposto de seus contribuintes será usado para salvar bancos locais, e sim que a finalidade é a de salvar a economia.
"Outras economias avançadas deveriam preparar planos de contingência, inclusive para lidar com a complexidade do colapso de instituições com ramificações que cruzam fronteiras", disse Strauss Khan.
Um dos pilares da estratégia está sendo o de tentar passar à opinião pública européia de que o pacote é necessário, e não apenas um luxo para salvar banqueiros irresponsáveis. A decisão de fazer uma ofensiva na opinião pública surgiu depois que o comissário de Economia da UE, Joaquin Almúnia, afirmou que "políticos socialistas (como ele) eram contra socializar os prejuízos dos bancos". Ele ainda afirmou que a Europa não precisava de um pacote. Angela Merkel, chanceler alemã, e outros líderes também haviam dado sinais de que não adotariam a mesma estratégia.
Um dos papeis que o FMI poderá assumir será o de iniciar uma negociação para a criação de novas regras financeiras. A idéia é de que o modelo tenha de fato de ser reformado.
Não por acaso, nos últimos dias, Strauss-Kahn multiplicou entrevistas nos principais jornais europeus para explicar a gravidade da crise. Ao Journal du Dimanche, alertou que a desaceleração da economia atingirá a Europa e que o pacote americano vai abrir caminho agora para um ação internacional. "Haverá uma desaceleração séria e prolongada da economia. E será difícil para a Europa e para certos países pobres", completou.
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