O mercado nacional de veículos vive uma situação tão positiva que está colocando o Brasil na desconfortável posição de ser um grande produtor global de etanol sem conseguir ter o bastante para atender a própria demanda.
Enquanto as vendas de veículos bicombustível cresceram 21,7 por cento entre 2008 e 2010, a produção de etanol no Brasil entre a safra 2008/09 e a atual (2011/12) deverá cair mais de 12 por cento, com a recente revisão da safra no centro-sul brasileiro, devido a problemas climáticos e baixos investimentos na renovação dos canaviais.
A Unica, que representa a indústria sucroalcooleira, anunciou na semana passada corte de 11,4 por cento na estimativa de produção de etanol do centro-sul nesta safra, para 22,5 bilhões de litros. A região representa cerca de 90 por cento da safra de cana do Brasil.
O impacto do gargalo criado por uma frota de veículos bicombustível que crescerá em perto de 3 milhões de unidades apenas este ano também deve colocar mais pressão no governo para conter a inflação, que está próxima do teto definido pelo Banco Central.
"Se com a elevação de vendas (de carros) que tivemos este ano a inflação já sofreu, eu acredito que vai elevar bem mais (a inflação), porque vai faltar álcool", afirmou a diretora da consultoria MB Associados, Tereza Maria Fernandez.
Segundo a analista Renata Marconato, da MB Agro, o descompasso entre oferta e demanda de etanol deve persistir até pelo menos 2015. "Para a próxima safra, praticamente não tem nada de usina nova entrando --e quando a usina começa a produzir, ela não entra com capacidade total no primeiro ano", afirmou ela. "Mesmo se as vendas de carros não crescessem, ainda assim ficaria apertado."
PREÇOS
A situação de oferta apertada gerou forte oscilação de preços este ano. Os valores do etanol anidro (usado na mistura de 25 por cento com gasolina) dispararam 127,5 por cento em abril ante o nível de dezembro de 2010, enquanto os do etanol hidratado (usado em substituição à gasolina) saltaram 55 por cento, afirmou o presidente-executivo do Sindicato Nacional dos Distribuidores de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), Alisio Vaz.
A projeção dos distribuidores, segundo Vaz, é que a demanda de gasolina no Brasil crescerá 12 por cento em 2011, após ter subido 17,5 por cento em 2010, enquanto a por etanol hidratado deve cair 11 por cento, em meio à alta de preços do álcool que faz consumidores recorrerem mais à gasolina para abastecer a frota bicombustível.
A Petrobras aumentou este mês sua produção de gasolina em 12,5 por cento para tentar evitar nova importação do combustível diante do alto consumo interno.
"A principal medida neste momento é que as distribuidoras estão contratando os volumes que conseguem contratar de etanol para assegurar a oferta de longo prazo do produto. À medida em que se percebe uma safra mais curta, é natural que se busque com mais intensidade a segurança do abastecimento", disse Vaz.
O setor sucroalcooleiro vem se reunindo quinzenalmente com governo e usineiros para sentir melhor o pulso do mercado.
O Sindicom calcula em cerca de 12 milhões a frota de veículos bicombustível do país. Com isso, o consumo potencial total de etanol por esses carros seria de 21 bilhões de litros anuais, considerando a média de consumo por veículo entre 2005 a 2010, de 1.756 litros, calculada pela MBAgro.
Incluindo mais 2,76 milhões de automóveis que serão adicionados à frota este ano, de acordo com previsão da associação de concessionários, Fenabrave, o total pularia para 25,8 bilhões de litros.
R$170 BI ATÉ 2020
Para a Unica, a demanda de etanol para veículos em 2011 será de 23 bilhões de litros, considerando 14 bilhões de hidratado e 9 bilhões de anidro, queda de 11,5 por cento mantida a proporção de 25 por cento de mistura na gasolina. O governo, porém, avalia reduzir a mistura para 18 por cento.
"Ainda não tem decisão nenhuma, hoje não indica necessidade de fazer esse ajuste", afirmou o diretor técnico da Unica, Antônio de Padua Rodrigues.
"Agora, se amanhã houver um grande desequilíbrio, é claro que você não vai conseguir produzir mais, você vai mudar o produto, trocando o anidro pelo hidratado. Evidentemente, isso dificulta mais a questão para o país porque vai ter de importar mais gasolina", acrescentou.
Na última sexta-feira, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que até no máximo outubro o governo decidirá se vale a pena diminuir a mistura de etanol anidro na gasolina..
Na avaliação do diretor da Unica, o problema da oferta apertada de etanol não tem saída no curto prazo, diante da necessidade de investimentos para se duplicar a produção de cana do país de modo a atender uma venda anual de 6 milhões de veículos estimada para 2020 pela associação de montadoras, Anfavea.
"Em 2020 precisaremos ter dobrado o canavial, para 1,2 bilhão de toneladas de cana. Para isso, tem que ter investimento em mais 130 a 140 novas unidades produtoras. Chegamos a um cenário de 170 bilhões de reais em investimentos para podermos abastecer 60 por cento do consumo de combustível do veículo leve", disse ele, numa repetição do ciclo de investimentos de 2005-2009.
"É preciso políticas públicas para imaginar como será o mercado em 2020 para começar os investimentos e colher efeitos a partir de 2015", completou Rodrigues.