Thierry Bollore (E), que deve assumir interinamente o comando da Renault, con Carlos Ghosn, em fevereiro| Foto: Christophe Morin/Bloomberg

A queda do presidente da Nissan, Carlos Ghosn, reverberou pelo segundo dia consecutivo quando políticos e executivos se esforçaram para preencher o vácuo no topo da maior aliança de carros do mundo, em meio a novas informações sobre supostas irregularidades financeiras.

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O conselho da Renault se reuniu nesta terça em Paris para discutir o futuro da aliança de carros Renault-Nissan. Se bem que o governo francês, que possui 15% da Renault, não está exigindo a demissão formal de Ghosn, ele não está mais em posição de comandar a montadora, disse o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, à rede de televisão France Info. 

Le Maire pediu o estabelecimento de uma estrutura interina de governança na Renault, enquanto são investigadas as denúncias. O governo francês começou a investigar as atividades financeiras do executivo na França. “Não temos provas que ele tenha cometido delitos financeiros na França.” 

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Segundo a Bloomberg, o diretor de operações da Renault, Thierry Bollore, ganhou o apoio do governo francês para se tornar diretor executivo interino após a prisão de Carlos Ghosn, segundo uma pessoa a par do assunto. 

A França também deve apoiar o diretor do conselho de administração, Philippe Lagayette, para exercer o cargo de presidente não executivo para ocupar o cargo de Ghosn, disseram duas pessoas, que pediram para não serem identificadas porque as deliberações não são públicas. 

A medida promoveria Bollore, que já era visto como o herdeiro de Ghosn desde fevereiro, quando foi promovido a diretor de operações e permitiu que ele assumisse o comando do dia-a-dia da Renault. 

Em um memorando enviado aos funcionários na segunda-feira, Bollore expressou total apoio a Ghosn, chamando a aliança de "joia industrial que deve ser protegida e alimentada". A Renault confirmou o conteúdo da carta, que foi citada na íntegra pelo Financial Times. 

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Compromisso afirmado 

Os governos francês e japonês reafirmaram em um comunicado conjunto, seu "importante respaldo" à aliança entre os fabricantes de automóveis Renault e Nissan. Le Maire, e o ministro da Economia japonês, Hiroshige Seko, conversaram por telefone, segundo o comunicado divulgado. 

Nesta terça, o presidente-executivo da Mitsubishi, Osamu Masuko, chegou a dizer que a aliança entre as empresas será difícil de administrar sem Ghosn. 

Antes de ser detido, Ghosn trabalhava para que a aliança Renault-Nissan, que fabrica dez milhões de carros anuais, fosse "irreversível", comentou em nota Kentaro Harada, analista da SMBC Nikko Securities. 

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"Não podemos excluir a possibilidade de que a aliança se veja debilitada (...) Sobretudo, a questão principal é ver se isso alterará o equilíbrio do poder" entre as partes francesa e japonesa, acrescentou o analista. 

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A parceria Renault-Nissan-Mitsubishi é, hoje, uma construção de equilíbrios complexos, constituída de distintas empresas ligadas por participações cruzadas não majoritárias. 

A Renault detém 43% da Nissan, que possui 15% do grupo, enquanto a Nissan possui 34% de seu compatriota Mitsubishi Motors. Rumores de fusão vazaram recentemente. 

Falta de clareza 

Mais detalhes das supostas transgressões de Ghosn começaram a aparecer no Japão. A Nissan disse que a prisão se deveu às informações obtidas por meio de um informante. 

As informações divulgadas na mídia japonesa pintam a imagem de um executivo que abusou de recursos da empresa para financiar um estilo de vida luxuoso, com residências de luxo em todo o mundo a dinheiro investido em despesas e fundos de investimento. 

Se bem que há pouca dúvida de que a trajetória de Ghosn no topo da indústria automobilística mundial tenha parado rapidamente, há menos clareza sobre a natureza de suas transgressões. A emissora japonesa NHK disse na terça-feira que a Nissan pagou "enormes quantias" para as residências de Ghosn espalhadas pelo mundo. 

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As propriedades no Rio de Janeiro, Beirute, Paris e Amsterdã não tinham "razão comercial legítima" e Ghosn não estava pagando, pelo menos, parte do aluguel segundo a reportagem. 

O jornal Nikkei informou que teriam sido direcionados US$ 18 milhões de uma subsidiária holandesa da Nissan para o executivo comprar um condomínio de luxo à beira-mar em Copacabana e uma casa de luxo em Beirute, capital do Libano. 

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Em uma conferência de imprensa tarde da noite em Tóquio na segunda-feira, o executivo-chefe da Nissan, Hiroto Saikawa, se recusou a dar detalhes sobre as acusações, dizendo apenas que Ghosn afirmava que seus rendimentos eram menores e havia usado mal os recursos da empresa, incluindo despesas e fundos de investimento. 

Ao todo, Ghosn não declarou cerca de US$ 44 milhões de seus rendimentos nos relatórios oficiais da Nissan apresentados ao longo de cinco anos a partir de 2011, disseram promotores em Tóquio na segunda-feira. De acordo com a lei japonesa, Ghosn pode ser mantido sob custódia por até 23 dias sem ser acusado. 

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Ghosn ganhou muitos fãs ao longo da sua longa carreira como um dos principais executivos da indústria automobilística no mundo. O corte de custos sem dó e o foco na produção de veículos elétricos e de baixo custo ajudaram a resgatar a Renault e a Nissan. Mas os altos salários e a postura dele também atraíram muitos críticos. 

Especialistas apontam que uma das razões pelas quais pode ter feito com que Ghosn informasse rendimentos menores seria para evitar mais críticas: o governo francês se opôs durante muito tempo ao pacote de benefícios do executivo e em 2016, a proposta salarial para ele foi recusada pelos acionistas da Renault. 

Em junho passado, ao ser reconduzido ao posto de número 1 da empresa francesa, ele aceitou um corte de 30% em seu salário e a nomeação de um número 2, Bolloré. 

Negativa de “golpe de estado” 

Saikawa, negou que houve um "golpe de estado" na Nissan, mas falou abertamente sobre sua "indignação" com o suposto comportamento de Ghosn, sugerindo que seu longo reinado e concentração de poder minou a governança das empresas. 

Sob pressão do governo francês, Ghosn vinha explorando uma união ainda mais estreita entre a Renault e a Nissan, algo que provocara arrepios na empresa japonesa. Na segunda-feira, o executivo-chefe da Nissan disse que questões estruturais, incluindo o fato de 43% da Nissan ser detida pela Renault e de que Ghosn detinha papéis-chave em ambas as empresas, eram "um dos fatores ou impulsionadores" dos problemas de governança. 

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Hiroto Saikawa, CEO da Nissan, nega a existência de um “golpe de estado” na montadora 

No entanto, especialistas da indústria automobilística dizem que a aliança provou ser tão valiosa para ambas as empresas que é improvável que ela se desfaça. 

Enquanto isso, no Japão, havia dúvidas sobre se Ghosn estava sendo tratado da mesma maneira que um executivo japonês poderia ser tratado em circunstâncias semelhantes. 

Os promotores japoneses foram criticados no passado por negligenciar políticos e executivos de empresas acusados de irregularidades - por exemplo, não apresentar acusações contra executivos da Toshiba acusados de fraude financeira em 2016 -, mas parece que não havia apetite para poupar Ghosn. 

Nobuo Gohara, chefe de uma firma de advocacia especializada em compliance, disse que não tinha ouvido falar de um caso anterior em que uma declaração falsa sobre a remuneração dos diretores em um relatório de valores mobiliários resultou em tal punição. "Há uma questão se este caso deve ser acusado como criminal", escreveu Gohara em um post em um blog. 

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Susto no mercado 

A queda repentina do executivo maior que a vida assustou os investidores. As ações da Nissan caóram até 6,5% em Tóquio na terça-feira, enquanto a Renault manteve a tendência de queda, caindo até 4,8% em Paris. Na segunda-feira, as ações francesas caíram para o menor nível desde janeiro de 2015. 

A classificação de crédito da Nissan também está em risco como resultado. A Standard & Poor's colocou seu rating de longo prazo A em alerta para um possível rebaixamento, afirmando que a rentabilidade pode enfraquecer substancialmente nos próximos anos se a suposta má conduta prejudicar a imagem da marca o suficiente para deprimir seriamente as vendas da unidade ou prejudicar a aliança. 

Ao longo de quase duas décadas, a Nissan tornou-se o maior dos dois principais parceiros em entregas e vendas - mas tem menos voz. A Renault possui pouco mais de 43% da Nissan, em comparação com a participação de 15% da empresa japonesa no parceiro francês. Também possui direitos totais de voto na aliança, enquanto a Nissan não possui nenhum. Essa estrutura desequilibrada sempre foi um ponto de discórdia entre o lado francês e o japonês, e Ghosn foi em grande parte responsável por preservar a paz entre os dois lados. 

“O problema é quem vai controlar a aliança e Saikawa claramente pos suas cartas sobre a mesa”, disse Kenneth Courtis, presidente da Starfort Investments, um grupo de investimentos, private equity e commodities.