
Todo fim de mês, um grupo de vendedores autônomos monta um bazar de roupas e bugigangas no pátio do Hospital Oswaldo Cruz, no Alto da Glória, em Curitiba. O dia da feira é o mesmo em que o contracheque é entregue aos funcionários do hospital e de outras instituições públicas dos arredores, como o Laboratório Central do Estado, o Centro Psiquiátrico Metropolitano e o Hemepar. E, se o médico achar a calça muito cara ou a enfermeira estiver indecisa quanto ao brinco, o vendedor não se incomoda em parcelar o pagamento ele sabe que, dali a um mês, quando cair na conta o salário seguinte, os mesmos servidores vão "bater cartão" no bazar.
Essa fé também move o rapaz que vende pães caseiros, a moça das joias, a senhora dos bombons e tantos outros comerciantes informais que habitualmente percorrem repartições públicas de todo o país. Com base nessa mesma ideia, do emprego público como sinônimo de estabilidade e consumo garantido, alguns economistas creem que tombo da economia nacional não será tão grande neste ano. A consultoria paulista LCA, por exemplo, vai na contramão do mercado ao prever um aumento de 0,9% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2009 em média, os bancos e consultorias consultados pelo BC já apostam em uma queda de 0,5%.
A partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a LCA chegou à conclusão de que servidores públicos, juntamente com pessoas aposentadas e pensionistas, respondem por 35% da "massa de rendimentos" do país. Ou seja, quase um terço da renda nacional seria "imune" ao movimento de demissões e reduções de salário observado no setor privado desde o estouro da crise. "Grande parte da renda não depende do mercado. Por isso, emprego público, aposentadorias e pensões amortecem a queda do consumo", argumenta o economista Francisco Pessoa, da LCA. "Esses amortecedores, e outros fatores positivos, como a desaceleração da inflação, não estão sendo considerados nas projeções mais pessimistas."
O agente administrativo Wilson Piasecki, de 50 anos, é um exemplo do poder de compra assegurado pelo emprego estável. Ele trabalhava como representante comercial até setembro, quando, dois anos após o concurso público, foi convocado pela Fundação de Ação Social (FAS) da prefeitura de Curitiba. Em novembro, já estava comprando um notebook, parcelado em dez vezes. "A crise não está pegando a gente. Não precisei deixar de comprar e, quando vou em alguma loja, os vendedores sempre liberam crédito, pois sabem que o pagamento é garantido", conta.
O Brasil tem pouco mais de 10 milhões de funcionários públicos e 22 milhões de aposentados e pensionistas. Trata-se de um "exército anticrise" que corresponde a 17% da população e, pelo menos no caso dos servidores, geralmente ganha mais que a média nacional. Nas seis maiores regiões metropolitanas do país, os empregados no setor público receberam salário médio de R$ 2.083 em fevereiro passado, 76% a mais que o vencimento médio de todos os ocupados, segundo o IBGE.
Por sinal, o serviço público federal, que tem 1,1 milhão de servidores ativos nos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, deve dar empurrão extra ao consumo neste ano. Enquanto estados e municípios penam para pagar as contas, a União reservou no Orçamento R$ 169 bilhões (quase 6% de todas as riquezas geradas pelo país) para pagar pessoal e encargos sociais, verba 20% maior que a de 2008, segundo a organização não-governamental Contas Abertas. Desde o início do ano, o governo federal já desembolsou R$ 40,9 bilhões, 27% a mais que nos primeiros três meses de 2008, em razão de reajustes e novas contratações.
Colaborou Melanie Zettel



