Nos dias de hoje, carros que dirigem sem motorista e aplicativos de carona como Uber e 99 parecem produtos óbvios em nossas vidas, mas em um primeiro momento, para muitos, foram considerados algo impensável. No Vale do Silício a expressão “um produto genial nos dias de hoje, ontem foram considerados uma loucura” é na verdade algo natural no dia a dia de empresas que buscam estar sempre na vanguarda de seus mercados.
A loucura visionária é um dos mantras que mais motivam novos fundadores a iniciarem suas startups. Nas grandes empresas como iFood e Uber, os principais fundadores já não estão mais por perto, por isso é crucial que elas invistam em profissionais inquietos, que não se conformam com o status quo e que buscam incessantemente transformar seus produtos e serviços, desafiando ideais pré concebidos e modelos de negócio ultrapassados. Eu carinhosamente os chamo de CTM ( do inglês chief trouble maker, ou o chefe causador de problema).
O “C” implica que ele deve ser literalmente bancado e apoiado pelo presidente da empresa ou correrá um risco enorme de desaparecer engolido pelo sistema muito comumente dominado pelos famosos anticorpos do negócio.
Com o “C” apoiado pelo topo da hierarquia institucional para a execução da missão, o “T” literalmente define o papel chave desta pessoa, que é o de pensar nas próximas ondas de crescimento, criticar os modelos atuais e garantir que o negócio tenha um roadmap de produtos audacioso e relevante, capaz de canibalizar os atuais.
Muitas empresas sucumbem ao fracasso ao insistirem, por muito tempo, em proteger seus produtos e serviços ultrapassados, esquecendo-se de que a galinha dos ovos de ouro têm vida curta. É parte de seu papel também criar uma cultura em que outros rebeldes corporativos tenham voz e sejam aceitos.
Mudar o sistema, a rota de atuação de um negócio e aposentar uma linha de produto requer uma verdadeira batalha contra o medo, provocações, inconveniências e incertezas no curto e médio prazo. Mas essa batalha deve empreendida na empresa. E ninguém melhor que o CTM para botar lenha nessa fogueira e executar o plano de transformação.
Muitas empresas hoje falam em diversidade —trazer mais pessoas de diferentes orientações sexuais, raças, origens distintas — e investem muito no tema, o que é uma idéia brilhante e notável, pois as diferenças propiciam um ambiente favorável a uma cultura de estímulo à constante inovação. No entanto é preciso também emplacar a inclusão como tema central da cultura, o que, na realidade, significa dar voz e empoderamento a qualquer um dotado da capacidade de grandes ideias transformadoras. Isso parece óbvio, mas o sistema organizacional de muitas empresas, lideradas por executivos cujas ações são permeadas pela arrogância corporativa, ainda inibe a ação de indivíduos com visão disruptiva, audaciosa e criativa. Análises criteriosas indicam ser isso a principal causa da derrocada de grandes empresas.
Já o M — maker ( do inglês produtor/executor ) orienta o foco a laser deste profissional disposto a ser um rebelde corporativo. Ele estimula o constante questionamento do sistema para se buscar o novo, ou mesmo fazer o velho de forma diferente, popularmente definido como inovação. Fazer o diferente, cruzar novas fronteiras e deixar um legado é a fonte principal de energia e motivação para estas pessoas muitas vezes vistas como desobedientes e até mesmo loucas. De DaVinci a Tesla, muitos “gênios oficiais” dos dias de hoje, outrora foram denominados com termos pertencentes ao universo semântico da loucura.
O mundo corporativo engessado e sem perspectivas não aceita gênios indomáveis que são cruciais para a manutenção de uma cultura de inovação. Para que a mesma possa existir, eles precisam ser incluídos e estimulados por todos os líderes, pois são eles o fator chave para que a empresa possa se descolar do sistema de produtos e modelos de negócios ultrapassados que não terão mais sentido no futuro, ainda que funcionem nos dias de hoje. Para isso é preciso aceitar que inovação não tem endereço certo para nascer.
Ela pode ocorrer em qualquer departamento da empresa. Caso a sua seja grande demais e a missão de encontrar onde residem as melhores oportunidades de inovação pareça impossível, o primeiro passo é investir no mais importante de todos os cargos para esta missão — o chief trouble maker. Se não achar um disponível no mercado, olhe para dentro da empresa e, com a devoção obsessiva de um pastor, converta a máxima quantidade possível de pessoas em um CTM e saia da frente deles.
Assim como os tigres — ameaçados de extinção pela caça — os CTMs são profissionais raros e constantemente na mira do mais implacável de todos os predadores, os executivos da velha guarda que se camuflam por trás de uma cultura fraca que não tolera o risco, superprotegem produtos e serviços antigos e rotulam de loucos aqueles que querem transformá-los.
Para a sobrevivência de sua empresa, preserve seus CTMs, e seja qual for sua religião, reze para que os predadores corporativos camuflados no escritório, sejam iluminados e não mais os ataquem. E não há melhor maneira de proteger os CTMs do que a de se contratar mais e mais deles. Ainda dá tempo, mas corra, pois eles estão em extinção.