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Excesso de poder

Fundador do Facebook faz campanha para quebrar monopólio que ajudou a criar

Mark Zuckerberg, do Facebook.
O crítico Chris Hughes concebeu o Facebook junto de Mark Zuckerberg, CEO da companhia. (Foto: Saul Loeb/AFP) (Foto: )

O cofundador do Facebook Chris Hughes se transformou numa das maiores dores de cabeça da empresa. O homem que deixou a rede social em 2007 e embolsou quase US$ 500 milhões na venda de suas ações, tem feito romarias em Washington, visitando uma dúzia de parlamentares e autoridades do Departamento de Justiça, da Comissão Federal do Comércio e de outras agências, todos interessados em saber se o Facebook já acumulou poder demais.

Nesses encontros, Hughes tem compartilhado um “Power Point” de 39 slides em que destrincha, ponto a ponto, as razões para quebrar o monopólio da companhia, com base na jurisprudência de décadas de lei antitruste.

O ponto crucial é que o Facebook teria utilizado dinheiro e poder, unidos a uma enorme base de usuários, para estabelecer seu monopólio. E eventuais rivais são adquiridos para esmagar qualquer concorrência. Pelo menos uma vez por mês, mais de 2,7 bilhões de pessoas utilizam o Facebook ou algumas de suas plataformas, que incluem o Instagram e o WhatsApp – segundo informações da própria empresa de Zuckerberg.

“Espero que minhas manifestações contribuam para que outras pessoas, sejam empregados antigos ou atuais, expressem perplexidade e preocupação com que está acontecendo”, disse Hughes. “E acredito que há muita coisa com que devemos nos preocupar”, acrescentou.

Hughes, que concebeu a gigante das redes sociais com Mark Zuckerberg num dormitório da Universidade de Harvard, se tornou uma arma poderosa numa guerra que só aumenta de tamanho. Em jogo, a possibilidade de leis regulatórias mais duras e até o desmembramento de gigantes da tecnologia como Amazon, Apple e Google. Na semana passada, o Departamento de Justiça anunciou uma investigação mais ampla tendo como alvo “plataformas online líderes de mercado”. Quase simultaneamente, o Facebook revelou que se defendia num processo antitruste conduzido pela Comissão Federal do Comércio.

Hughes é um adversário formidável: um ex-sócio que acredita ter criado algo que faz mal à sociedade. O Facebook não quis comentar as acusações. A ofensiva investigatória sobre o papel das grandes corporações na vida dos consumidores, e seu efeito na competição, é uma das raras causas suprapartidárias atuais, apoiada por legisladores e políticos por todo o país – e inflamada por queixas de varejistas e empresas rivais que se dizem asfixiados por essas megaempresas.

Em sua defesa, o Facebook tem argumentado veementemente que não exerce monopólio e, portanto, não deve ser obrigado a diminuir de tamanho. Ao testemunhar perante o Congresso em abril do ano passado, Zuckerberg disse que o americano médio utiliza cerca de oito aplicativos diferentes para se comunicar com os amigos. “Não me parece ser o caso (de monopólio)”, respondeu aos parlamentares.

Depois de sair do Facebook e de trabalhar como voluntário para o presidente Barack Obama, Hughes atuou por vários anos em ONGs e instituições políticas, além de conduzir por quatro anos a revista New Republic. Em 2016, ele ajudou a fundar um think tank com foco no estudo da desigualdade, tópico sobre o qual já tinha escrito um livro um ano antes. A pesquisa o levou a apontar os perigos do excesso de concentração de poder no mundo corporativo.

“Reconheço, no campo pessoal, que não tem como eu falar de qualquer coisa contra monopólios sem lutar com meu próprio passado”, declarou recentemente. “O enorme monopólio de poder é o que explica o dinheiro que acumulei até hoje”.

Num artigo publicado no New York Times, Hughes defendeu que é chegada a hora de desmontar a companhia que ele ajudou a fundar. A decisão de falar isso abertamente, sublinhou, foi bastante difícil.

""O filme A Rede Social, de 2010, retratou o surgimento do Facebook num dormitório da Universidade de Harvard. (Foto: Divulgação /Sony Pictures)

“Sei que posso perder alguns amigos no processo. Mas tudo bem, algumas coisas realmente têm essa importância. Mas também é legal, por outro lado, poder expressar minha opinião e falar abertamente sobre o que penso e acredito”.

A resposta ao artigo de Hughes foi dada alguns dias depois pelo vice-presidente do Facebook, Nick Clegg, também em artigo. “O que importa não é o tamanho da empresa, mas os direitos e interesses dos consumidores e nossa responsabilidade perante o governo e os parlamentares que supervisionam o comércio e a comunicação”, argumentou.

Violação descarada da lei antitruste

Pouco depois, Hughes foi procurado por dois estudiosos da legislação antitruste, Scott Hemphill, da Escola de Direito da Universidade de Nova York, e Tim Wu, da Escola de Direito de Columbia. Os professores vinham colecionando argumentos para propor o desmembramento do Facebook. Para eles, as aquisições do Instagram e do Whatsapp configuraram “uma violação descarada da lei antitruste e só não vê quem não quer”. Os três começaram a trabalhar juntos no contato com parlamentares e advogados.

Estudiosos do tema dizem que Hughes tem sido muito útil ao explicar as motivações e pontos de vista de pessoas-chaves no Facebook, incluindo Zuckerberg, apesar de o próprio Hughes negar que tenha informações intramuros. Hughes tem revelado algumas práticas do Vale do Silício que passam ao largo do que imaginavam os legisladores ao escrever leis antitruste décadas atrás, pensando em companhias petrolíferas e ferroviárias.

Quando deputados começaram a investigar o Facebook e outros gigantes tecnológicos em junho, uma das primeiras pessoas ouvidas foi Chris Hughes. Ele visitou a comissão parlamentar no início deste mês, encontrou-se com parlamentares e assistentes para dar detalhes dos pontos levantados no artigo para o New York Times. O presidente da comissão, deputado David Cicilline, disse que Hugues apresentou os pontos de vista de alguém que conhece a organização por dentro, o que deu mais peso aos argumentos. “É incrível e significativo, para mim e meus colegas, que alguém com um papel tão vital na criação da companhia tem a capacidade e a coragem de vir e dizer: ‘temos desafios e algumas coisas que precisam ser repensadas’”.

A coleção de argumentos jurídicos de Hughes e seus colegas gira em torno do Sherman Act, legislação-base para orientar investigações e penalizar práticas anticompetitivas. O Congresso aprovou a lei em 1890, numa época de rápida consolidação das gigantes do ramo petrolífero e ferroviário que acabaram sendo classificadas, mais tarde, como monopólios.

Concorrente que ameaça vira concorrente comprado

A lei e regulamentações posteriores proibiram a aquisição de outra companhia com o propósito de se livrar de um concorrente, real ou potencial. E o Facebook estava fazendo exatamente isso quando comprou o Instagram, em 2012, e o WhatsApp, em 2014 – argumentam os críticos. Quando o Instagram ainda era diminuto, Zuckerberg identificou seu crescimento explosivo nos smartphones como uma óbvia ameaça ao Facebook, muito utilizado à época nos desktops. Os celulares eram tidos, claramente, como um ponto fraco do Facebook quando a empresa fez sua oferta de ações, em 2012.

Segundo Hemphill, da Universidade de Nova York, a conversa com Hughes ajudou a formatar melhor os argumentos contra o Facebook. Os professores compreenderam que, para os executivos do Vale do Silício, falar de competição tem mais a ver com o crescimento viral do que com o tamanho do concorrente.

E apesar de o Instagram ser pequeno à época, a plataforma estava crescendo rapidamente. “Deve ter sido algo aterrador para o Facebook”, disse Hemphill. “Foi uma ameaça forte, observável e intensa”.

A motivação pode ser um fator determinante para conduzir com sucesso um caso antitruste contra uma corporação gigante, disse Hemphill. Por exemplo, um memorando de Bill Gates, sugerindo que a rival Netscape estava liderando uma "maré na Internet", ajudou a explicar, na época, por que a Microsoft tentava proteger seu sistema operacional. Outro ponto que chama atenção é a receita bilionária do Facebook e a enorme base de usuários, algo que impressionou os parlamentares na conversa com Hughes.

“É preciso destacar que ele apontou para o faturamento do Facebook como uma medida real de seu papel no mercado”, diz Cicilline. “O Facebook engole mais de 80% de todas as receitas globais das redes sociais e controla 58% desse mercado nos Estados Unidos. Isso é muito significativo!”.

A senadora republican Marsha Blackburn procurou Hughes para uma conversa em particular, no início deste mês, para falar sobre competição. A legisladora lançou recentemente uma força-tarefa especial para estudar o tema e, eventualmente, endossar projetos legislativos que tratem do assunto. Blackburn tem atuado por anos buscando criar leis para limitar a maneira como as gigantes da tecnologia coletam e monetizam em cima das informações dos usuários. O Facebook faz lobby contrário a esses projetos de lei no Congresso. Ela disse que Hughes está “muito familiarizado” com o tema e, durante a conversa, encorajou a senadora em seus esforços para “começar a estabelecer algumas diretrizes e guardrails pelo caminho”.

Os parlamentares têm se reunido também com outros especialistas antitruste, como Barry Lynn, do Instituto Open Markets, e Gene Kimmelman, antigo executivo do Departamento de Justiça que até recentemente conduzia o Public Knowledge, organização de advogados que faz lobby por uma regulamentação mais forte contra monopólios na área de tecnologia. Hughes conversou com o Public Knowledg em junho, depois de encontrar-se com Kimmelman num evento.

“Acho que ele está extremamente motivado por uma questão filosófica mais ampla”, comentou Kimmelman. “Está muito preocupado com a concentração de dinheiro e poder na sociedade”.

Desde que publicou seu artigo no jornal, Hughes disse que não teve mais notícias de seu velho amigo e cofundador do Facebook, Marck Zuckerberg.

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