A proposta da PEC fura-teto da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode elevar a dívida pública brasileira para 80,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem.
É o que prevê um relatório do Banco Inter, enviado nesta semana a clientes e investidores, sobre a deterioração das contas públicas caso a licença para gastar seja aprovada pelo Congresso (veja o relatório completo aqui).
A PEC não é a única fonte de pressão sobre as contas públicas no ano que vem, observa a instituição. A manutenção do corte de impostos sobre combustíveis e a interrupção das privatizações no próximo governo também tendem a piorar as finanças do governo.
A projeção do banco para a dívida bruta ao fim de 2022 é de 75,3% do PIB. Ou seja, a expectativa é de que o aumento dos gastos públicos fará a dívida subir 5,3 pontos porcentuais em um ano. No cenário principal do Inter, a dívida continua em alta nos anos seguintes, chegando a 94% do PIB em 2031.
Os economistas do Banco Inter apontam que as despesas do governo devem crescer 5% acima da inflação no ano que vem com um gasto extrateto de R$ 190 bilhões. A equipe de transição que quer retirar do teto de gastos todo o Auxílio Brasil/Bolsa Família (de R$ 600 por família, com adicional de R$ 150 por criança de até seis anos) e outras despesas.
Isso fará com que os gastos públicos alcancem algo próximo de 19% do PIB, o maior valor desde 2019, segundo o relatório, cenário agravado pela desaceleração da economia mundial que já vem sendo prevista por entidades internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Rafaela Vitório, economista-chefe do Banco Inter, explica que após seis anos de tendência de queda na relação entre despesas e PIB (com um ponto fora da curva em 2020, por causa dos gastos de combate à pandamia), a nova proposta deve trazer de volta o crescimento real dos gastos públicos.
"Entre 2016 e 2022 [governos Michel Temer, MDB, e Jair Bolsonaro, PL], a despesa cresceu 1% em termos reais, bem abaixo da média de 6% observada entre 2003 e 2016 [governos Lula e Dilma Rousseff, PT]. A volta do crescimento real de gastos acima do PIB é um alerta para a potencial deterioração do déficit primário", indica a economista.
O banco prevê que o resultado primário das contas públicas sairá de um superávit de 1,2% do PIB em 2022 para um déficit de 0,8% do PIB em 2023.
Gastos podem ser maiores do que o esperado
No documento enviado aos clientes e investidores, os economistas projetam também um cenário ainda mais complicado, apontando que os gastos acima do limite do teto podem chegar a R$ 245 bilhões em 2023.
Esse é um valor “bem acima dos R$ 115 bilhões [extrateto] de 2022, ano marcado por aumentos excepcionais relacionados às eleições", diz o relatório. Em 2021, o gasto além do teto ficou em R$ 128 bilhões, e em 2020, com a pandemia, a parcela além do limite de despesas beirou os R$ 500 bilhões.
Outros setores da economia pretendem apresentar pedidos à equipe de transição para recursos além dos benefícios sociais. Ruralistas da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) indicaram que devem conversar com Lula sobre suas próprias demandas para o orçamento de 2023.
“Independente do resultado da eleição, da opinião política, partidária, ideológica de cada um dos colegas parlamentares, a nossa FPA é temática e temos que cuidar do nosso setor”, disse o deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), presidente da frente, durante um encontro de lideranças no começo desta semana.
Desonerações e parada nas privatizações complicam recuperação das contas
As desonerações de impostos implantadas ao longo do ano pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), como o corte do ICMS dos combustíveis, PIS e Cofins, e a ausência de planos de privatizar estatais no novo governo Lula podem prejudicar as contas públicas a partir de 2023, segundo os economistas do Banco Inter.
O relatório aponta que o ano de 2022 deve encerrar com uma alta de 13% na arrecadação de impostos e uma somatória de R$ 330 bilhões de receitas com privatizações de estatais ao longo de quatro anos da gestão Bolsonaro, o equivalente a 1,3% do PIB.
Rafaela Vitória aponta que, para 2023, não somente as receitas com essa rubrica tendem a ser menores. Segundo ela, a desaceleração do crescimento da economia, devido ao cenário externo desafiador, também deve afetar as receitas do governo.
"Caso o governo mantenha as desonerações do PIS/Confins dos combustíveis, estimamos uma queda real das receitas em cerca de 4% no próximo ano", escreve a economista. A tendência é mesmo de manutenção da desonerações: é o que a equipe econômica de Jair Bolsonaro (PL) propôs no Orçamento de 2023, e não há qualquer indicação de que o governo eleito pretenda mudar isso.
A equipe de transição já pediu à Petrobras que paralise os processos de privatização que poderiam ser concluídos ainda neste ano, entre eles o da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG).
O relatório do Banco Inter aponta ainda que, mantido o pedido de quase R$ 200 bilhões da PEC fura-teto, esse patamar de despesas sem uma contrapartida traz de volta um cenário de crescimento da dívida que vai se refletir diretamente nas já elevadas taxas de juros do mercado.
Atualmente, a taxa básica de juros (Selic) está em 13,75% ao ano. Tanto a PEC quanto declarações de Lula pioraram as expectativas para o ano que vem. Economistas já preveem que o Banco Central deve demorar mais a cortar os juros, e há quem não descarte aumentos na Selic em caso de percepção de descontrole fiscal.
Estouro menor do teto daria mais segurança ao mercado e às contas públicas
O relatório do Banco Inter aponta que o aumento no programa Bolsa Família para a manutenção do pagamento de R$ 600 requer R$ 50 bilhões em gastos adicionais. A recomposição de outros programas sociais que tiveram cortes maiores poderia ser atendida com cerca de R$ 20 bilhões, totalizando R$ 70 bilhões de estouro do orçamento.
É um valor semelhante ao indicado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-RS) em uma proposta alternativa à PEC fura-teto, que permitiria o estouro de “apenas” R$ 70 bilhões para o pagamento emergencial dos benefícios sociais em 2023 com a condicionante de se votar uma nova âncora fiscal na metade do ano que vem.
“Ademais, o orçamento também pode ser revisto com o remanejamento de despesas, sem a necessidade do crescimento linear de gastos”, completa a economista-chefe do Banco Inter.
Além de Vieira, também apresentaram propostas mais "econômicas" para o estouro do teto os senadores tucanos Tasso Jereissati (CE) e José Serra (SP).
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