Congresso adia votação de manobra fiscal
Folhapress
Com resistência da oposição e de setores da base aliada, o Palácio do Planalto não conseguiu colocar em votação ontem, no plenário do Congresso, a manobra fiscal que recorreu para fechar as contas do ano. O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou no início da noite que a proposta não será apreciada.
O peemedebista ainda vai negociar uma nova data, mas a expectativa é de que haja um novo esforço hoje para discutir o projeto de lei que autoriza o governo a descumprir a meta de economia para pagamento de juros da dívida pública em 2014, o chamado superávit primário.
Ministros da área econômica esperavam que a votação da proposta fosse encerrada ontem para trazer alívio ao governo. A programação esbarrou nas ações regimentais da oposição que dificultaram a análise dos 38 vetos presidenciais que tinham preferência de votação na sessão do Congresso.
Corpo mole
Outro ingrediente foi uma espécie de corpo mole de partidos da base aliada que pretendem prolongar a discussão da matéria para pressionar o governo num momento em que há discussão para a montagem da equipe ministerial do novo mandato da presidente Dilma Rousseff.
Opinião
Eles ganham bem, mas trabalham muito mal
Fernando Jasper, repórter de Economia
Guido Mantega e Miriam Belchior, ex-ministros em atividade da Fazenda e do Planejamento, ganham bem. Com contracheques inflados por jetons dos conselhos de Petrobras e BR Distribuidora, ele recebe quase R$ 40 mil por mês e ela, R$ 47 mil. Mais que o dobro do salário da presidente Dilma.
Mas Mantega e Miriam não merecem tudo isso. À parte o que deixaram acontecer na Petrobras, eles não cuidam bem do dinheiro do contribuinte e manipulam grosseiramente o Orçamento da União. Não é porque se convencionou que "o Orçamento é uma peça de ficção" que seus roteiristas mereçam condescendência.
Aí vai um pequeno exemplo do que andaram aprontando. Em março, o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, avisou que a previsão de déficit da Previdência citada no Orçamento, um rombo de uns R$ 40 bilhões, era irreal. Simples: o déficit de 2013 foi de R$ 50 bilhões, e tudo indicava que o buraco deste ano seria, no mínimo, igual.
Mas os ficcionistas do Orçamento que não ouviram os técnicos da Previdência ao elaborar a peça enquadraram Garibaldi Alves, que voltou atrás. A diferença de R$ 10 bilhões, afinal, faria falta na fantasiosa meta de superávit.
Pois na semana passada, a 40 dias do fim do ano, o Planejamento revisou a previsão do déficit previdenciário para R$ 49,2 bilhões. Motivo: "atualização dos parâmetros macroeconômicos". Ou seria má-fé? Ou incompetência?
O governo promete anunciar amanhã sua nova equipe econômica, que, segundo os rumores, terá Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa no Planejamento e Alexandre Tombini no Banco Central. A suposta escolha de Levy entusiasmou o mercado financeiro, que o considera capaz de pôr fim aos improvisos na condução da economia e evitar que o país perca o "grau de investimento". Uma missão difícil, ainda mais porque não se sabe se ele terá autonomia para fazer o que julgar necessário.
INFOGRÁFICO: Confira as principais tarefas do novo ministro da Fazenda
Levy foi secretário do Tesouro no início do governo Lula, auxiliando o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no ajuste das contas públicas. Um processo que, embora tenha preparado terreno para o crescimento econômico dos anos seguintes, contrariou boa parte do PT e a própria Dilma Rousseff, na época ministra de Minas e Energia. A saída de Palocci, substituído por Guido Mantega, marcou a ascensão no governo dos "desenvolvimentistas", economistas mais preocupados com crescimento e emprego que com inflação e finanças públicas.
É de se perguntar, então, se a hipotética nomeação de Levy serviu apenas de aceno ao mercado e às agências de classificação de risco ou se a presidente vai mesmo tolerar "ideias novas" na política econômica, lembrando o slogan da campanha presidencial.
Sinais confusos
Os sinais que o governo envia são contraditórios. Escalado para defender Levy de seus colegas de PT, o líder do partido no Senado, Humberto Costa, disse que o novo ministro será "guardião do modelo de desenvolvimento" do governo ou seja, seria um nome novo para tocar as ideias de sempre.
Incertezas assim vão dificultar o trabalho da nova equipe. Em especial porque, dentre as tarefas que terá pela frente (veja quadro), uma das essenciais é restaurar a confiança na economia, avalia Luiz Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica. O economista Paulo Rabello de Castro, presidente da agência de classificação de risco SR Rating, duvida que qualquer ministro consiga, neste governo, reverter o quadro atual. "Não há como fazer um mero ajuste num transatlântico que ruma ao Pacífico Sul, para o meio do nada, quando deveria estar indo para Roterdã [no Atlântico Norte]", diz. "Seria preciso uma reconsideração completa. E o governo não quer isso, até porque não tem consciência do que está fazendo."
Por onde começar
Na hipótese de que Dilma conceda alguma autonomia, a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, crê que a primeira medida de Levy será "ver o tamanho da encrenca". "É preciso saber com certeza quais são, por exemplo, os pagamentos atrasados do governo, as pedaladas. Hoje ninguém sabe. E, sem isso, nem o Levy será capaz de coordenar as expectativas."
O coordenador do curso de Economia da Universidade Positivo, Lucas Dezordi, enumera três tarefas para a nova equipe econômica: comprometer-se com um programa de superávit primário de pelo menos dois anos; sinalizar que busca uma inflação de 4,5% ou menor; e melhorar o ambiente de investimentos. "Há que se melhorar a governança e a transparência das estatais e de todas as empresas que captam dinheiro no mercado de capitais, para evitar a repetição de casos como os das empresas de Eike Batista."
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