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O governo brasileiro, por meio do Ministério da Fazenda, começa a discutir nesta quinta-feira (29) na Trilha de Finanças do G20 uma proposta de taxação global sobre “super-ricos” apresentada na quarta-feira (28) pelo titular da pasta, Fernando Haddad. O evento reúne nesta semana ministros e presidentes de bancos centrais das 20 maiores economias do planeta na cidade de São Paulo.
Em discurso no encontro do G20 nesta manhã, Haddad afirmou que "os bilionários do mundo continuam evadindo nossos sistemas tributários por meio de uma série de estratégias".
"O mais recente relatório do EU Tax Observatory sobre evasão fiscal demonstrou que bilionários pagam uma alíquota efetiva de impostos equivalente a entre 0 e 0,5% de sua riqueza. Colegas, eu sinceramente me pergunto como nós, Ministros da Fazenda do G20, permitimos que uma situação como essa continue", disse o ministro.
"Por isso, convidei o professor Gabriel Zucman, um dos maiores especialistas do tema no mundo, para nos apresentar uma proposta de tributação dos super-ricos. Sei que há diferentes visões sobre o tema na sala, mas espero que a apresentação seja informativa e abra caminho para futuras discussões baseadas em evidência", prosseguiu.
Governo quer "acabar com privilégios e corrigir distorções", diz secretário da Fazenda
“A proposta que a gente vem trabalhando no Brasil, que é acabar com privilégios e corrigir algumas distorções na legislação, nós estamos levando para o âmbito global”, explicou o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, na saída do encontro na quarta.
Segundo ele, a ideia levada ao fórum internacional seria complementar ao debate sobre tributação global que ocorre no âmbito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A entidade trabalha em duas possibilidades nesse contexto: a distribuição de direitos de tributação sobre lucros de multinacionais entre os países e uma taxação mínima global para grandes empresas, como big techs.
“A gente sabe que a OCDE toca dois pilares de discussão sobre tributação global: um que envolve empresas de big tech e outro que envolve corporações, empresas. É possível pensar em um terceiro pilar, com uma governança complexa – que vai exigir quem vai liberar isso, em que momento, com o tempo –, que olhe para a renda, para o ganho de capital, para a herança”, explicou.
Ainda de acordo com o secretário, a sugestão levada à reunião não inclui um porcentual a ser cobrado. “Não tem ainda uma proposta de alíquota efetiva. A dinâmica dos fóruns internacionais demanda um tempo maior, então é preciso galvanizar um apoio na ideia, no conceito, e a partir daí fazer estudos de impacto para ver o que é possível ser aceito politicamente pelos vários países”, explicou.
A arrecadação, segundo Durigan, serviria para ações de caráter global. “O mundo vai viver essa necessidade. Viveu na pandemia, pode viver outras. A gente tem visto que as mudanças climáticas vão nos impor mecanismos de reação, de resposta, e o mundo precisa se coordenar. Um dos mecanismos que nasce de um consenso: o mundo vai precisar se financiar de mais formas, de variadas formas”, afirmou.
Para ele, é esperada reação contrária por parte de alguns representantes. Em tratativas bilaterais organizadas até agora à parte do fórum ampliado, no entanto, já haveria adesão de um grupo de economias, como a de “países europeus”.
“O G20 é um fórum complexo, a gente tem diversas perspectivas, países com diversos interesses. A gente sabe disso, mas gente não pode se furtar de propor um instrumento.”
Em conversa com jornalistas, o ministro francês Bruno Le Maire defendeu a proposta de taxação global de “super-ricos” como uma forma de se evitar a evasão fiscal.
“Estamos totalmente comprometidos em acelerar o processo para implementar a nível internacional no nível da OCDE, no nível do G20, e espero que também tenhamos todos os países europeus, uma tributação mínima sobre indivíduos para combater qualquer tipo de otimização fiscal ao redor do mundo”, disse.
Em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, o ministro de Finanças da Noruega, Trygve Veduym, elogiou a proposta brasileira. “Para nós, como um país que tem um imposto sobre a riqueza, claro que apoiamos o objetivo político do seu governo”, disse.
Ele lembrou que ao se implantar a taxação sobre grandes fortunas, houve fuga de capital do país. “Na Noruega, alguns bilionários foram embora. Muitas pessoas foram para a Suíça, é verdade. Essa é a principal razão também para trabalhar por essa tributação global”, argumentou. “Com uma taxação global, seria menos atrativo se mudar por causa do imposto da riqueza.”