Gabriel Zucman, economista francês, propõe imposto global de 2% sobre o patrimônio de bilionários. Ideia foi encampada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.| Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
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Por trás do ambicioso projeto de taxação global de super-ricos, encampado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está um economista francês de 37 anos conhecido por seus estudos sobre paraísos fiscais. 

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Professor associado da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Estados Unidos, Gabriel Zucman defende a medida como uma forma de reduzir desigualdades de renda em nível global. Os recursos, segundo sua proposta, seriam destinados a projetos de combate à pobreza e às mudanças climáticas. 

A ideia inicial é instituir um imposto anual de 2% sobre patrimônios superiores a US$ 1 bilhão, o que atingiria cerca de 3 mil pessoas, que somam uma fortuna de aproximadamente US$ 15 trilhões. A medida geraria uma arrecadação de pelo menos US$ 250 bilhões por ano. 

Com o Brasil atualmente na presidência do G20, Haddad tornou-se uma espécie de porta-voz da proposta do economista e a tem levado a diversos fóruns de discussão em âmbito internacional. 

Em abril, o ministro brasileiro recebeu apoio do senador norte-americano Bernie Sanders, ícone do Partido Democrata. À época, ele disse esperar chegar a um acordo até novembro. Segundo ele, países como França, Espanha, Colômbia, Bélgica Áfica do Sul e a União Africana já manifestaram endosso à medida. Na semana passada, Haddad expôs a ideia ao papa Francisco, durante encontro no Vaticano.

“Estamos falando de algo que vai afetar milhares para favorecer bilhões. Me parece uma proposta decente, nesse ponto de vista social, econômico e político”, disse o ministro, em entrevista em Roma.

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Economista atribui a Haddad e Lula disseminação de proposta entre países

Em fevereiro, Zucman esteve no Brasil pela primeira vez, a convite do titular da Fazenda, para participar de uma reunião com ministros do G20 realizada em São Paulo. “Os bilionários do mundo continuam evadindo nossos sistemas tributários por meio de uma série de estratégias”, disse Haddad no evento

“O mais recente relatório do EU Tax Observatory [Observatório Fiscal da União Europeia] sobre evasão fiscal demonstrou que bilionários pagam uma alíquota efetiva de impostos equivalente a entre 0% e 0,5% de sua riqueza. Colegas, eu sinceramente me pergunto como nós, ministros da Fazenda do G20, permitimos que uma situação como essa continue”, provocou. 

Zucman defendeu o modelo taxação coordenada internacionalmente como a melhor maneira de lidar com a dificuldade de se tributar a renda de super-ricos. “Isso porque o principal obstáculo para tributar os muito ricos, na prática, é o risco de eles se mudarem para locais com impostos baixos”, disse, em discurso. 

Representando o Observatório Fiscal da União Europeia, um think tank do qual é fundador e diretor, ele assinou, na época, um acordo de cooperação técnica com a Receita Federal que tem como objeto o “desenvolvimento de pesquisa conjunta sobre política tributária no Brasil”. 

Segundo o órgão, o foco do trabalho será na avaliação da progressividade e da desigualdade no recolhimento de impostos no país. O economista ainda voltou ao Brasil há algumas semanas para participar do Simpósio de Tributação Internacional do G20, em Brasília, e estará novamente no país para participar de evento de ministros do grupo no Rio. 

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Em maio, o francês atribuiu “à incrível liderança” de Haddad e a Lula o fato de a questão começar “a ser seriamente discutida internacionalmente, e a um crescente número de países estarem anunciando seu apoio” às ideias.

“Alguns anos atrás, parecia impossível estabelecer a taxação de empresas multinacionais. O trabalho não está concluído ainda, mas tivemos progresso. E o fizemos por meio de cooperação internacional”, escreveu no X. “Chegou a hora de aplicar a mesma lógica para os super-ricos.” 

“Sob a presidência do Brasil no G20, há uma oportunidade histórica para chegar a um acordo no próximo G20 Summit, no Rio de Janeiro, presidido por Lula”, acrescentou o economista. “Isso pode dar início a uma nova era de multilateralismo, focalizada em erradicar as desigualdades que podem corroer democracias.” 

Conclusões de Gabriel Zucman são consideradas exageradas por críticos

Discípulo do controverso economista Thomas Piketty, Zucman recebeu no ano passado o prêmio John Bates Clark, uma honraria concedida pela American Economic Association a pesquisadores da área com menos de 40 anos. 

No comunicado de anúncio da premiação, a entidade diz que Zucman é reconhecido como “um dos maiores especialistas do mundo em sonegação fiscal” e importante contribuidor para a literatura sobre mensuração e explicação do aumento da desigualdade econômica. 

Autor dos livros “The Triumph os Injustice” (O Triunfo da Injustiça), com Emmanuel Saez, e “The Hidden Wealth of Nations” (A Riqueza Oculta das Nações), o francês colaborou com a divulgação dos chamados “Panama Papers”, que, em 2016 revelaram como pessoas ricas em todo o mundo criaram offshores para esconder propriedades, empresas, ativos e lucros, fugir de impostos ou lavar dinheiro. 

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Em 2020, ele assessorou a senadora americana Elizabeth Warren em um projeto de imposto sobre a riqueza para sua pré-campanha presidencial nos Estados Unidos pelo Partido Democrata. 

As principais críticas a Zucman dizem respeito à metodologia empregada em seus trabalhos. Entre os argumentos contrários à sua tese, há quem diga que o economista faz suposições em seu modelo, de modo a superestimar o crescimento da desigualdade nas últimas décadas e a subestimar a reação de indivíduos ao aumento de impostos. Isso faria com que altas taxações pareçam ter um resultado melhor do que a prática realmente mostraria. 

“As estimativas de Zucman sobre o aumento da desigualdade tendem a estar no limite superior do intervalo encontrado na literatura”, diz trecho de matéria da revista britânica “The Economist”, publicada em maio de 2023. 

“No outro extremo, um artigo de Gerald Auten, do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, e David Splinter, do Comitê Conjunto de Tributação do Congresso, conclui que, desde a década de 1960, a parcela da renda pós-impostos comandada pelo 1% mais rico dos americanos tem sido em grande parte estável, em vez de subir acentuadamente, como Zucman e seus coautores concluíram”, menciona o texto. 

Ao “The Guardian”, ele disse estar preparado para “uma forte resistência” às suas propostas. “Eu não quero ser ingênuo. Eu sei que os super-ricos lutarão”, afirmou. “Eles têm um ódio de impostos sobre a riqueza. Farão lobby junto aos governos. Usarão a mídia que possuem.”

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