Família tranca a faculdade particular
A técnica de enfermagem Marcia Teixeira Leite, de 45 anos, ainda não sabe como vai fazer para continuar a pagar o curso de engenharia mecânica da filha Mayara, de 23 anos, que terminaria a faculdade neste ano. "Trocamos a faculdade, que custava R$ 1,9 mil, por outra que custava R$ 1,2 mil, mas não tinha qualidade. Decidimos trancar essa última e vamos tentar fazer com que ela volte para a anterior ou consiga uma vaga em uma pública, mas está difícil. Não sabemos como vamos conseguir pagar", diz ela. Marcia trabalha em dois empregos e, junto com o marido, desembolsa cerca de R$ 3 mil por mês com educação.
Com quatro filhos, Marcia tem, além de Mayara, mais dois estudando um de 22 anos que vai começar o curso de tecnólogo e uma menina de dez anos, ambos em instituições particulares. "Quando a Mayara entrou na faculdade eu conseguia pagar a mensalidade com um dos meus dois salários. No segundo ano, eu passei a usar também parte do segundo salário e assim foi. A renda não acompanhou o aumento das mensalidades. Já gastamos, desde o início do curso, cerca de R$ 70 mil", calcula.
De acordo com Marcia, educação é prioridade na família, mas está complicado conciliar esses gastos. "A escola particular está cara. Muitas famílias estão optando por deixar os filhos em ensino público para conseguir uma vaga das cotas na universidade pública.", diz. Enquanto não consegue resolver a situação, Mayara vai ficar um semestre sem estudar. "A minha filha gosta da área em que estuda, é boa aluna e faz estágio, mas está difícil", lamenta.
Pé no freio
Ensino privado crescerá menos em 2013; alta é de 3% a 5%
Na reta final das matrículas nas escolas, a projeção do Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe) é de um crescimento de 3% a 5% nas matrículas na educação básica em 2013. Se confirmado, será um avanço abaixo da média dos últimos anos de 6% e 6,5%. Segundo o presidente do Sinepe, Jacir Venturi, pelo menos dois fatores ajudam a explicar esse movimento. "As famílias, no geral, estão comprometendo 22% da sua renda com dívidas, o que pressiona as contas. Por outro lado há uma redução da natalidade, o que vem reduzindo o número de novos alunos nas escolas", diz.
Inadimplência
Segundo Venturi, não há relatos, por parte das escolas, de uma alta da inadimplência. Mas a média anual de mensalidades atrasadas na educação básica está em 8%. "Nas instituições de ensino superior, esse número é bem maior", diz.
Os brasileiros vão gastar o volume recorde de R$ 75 bilhões com educação em 2013, 6% mais do que em 2012. Mas essas despesas vão pesar mesmo é no bolso da classe média, que vai desembolsar 11% mais do que no ano passado com matrículas, mensalidades e material escolar: R$ 25 bilhões.
O aumento está sendo puxado principalmente pela substituição da escola pública pela particular e pelos cursos adicionais, como de idiomas, pós-graduação e especializações, que entraram no orçamento dessas famílias. Somente com matrículas e mensalidades, a classe média vai pagar R$ 19,4 bilhões em 2013.
O cálculo, elaborado pelo instituto Data Popular a pedido da Gazeta do Povo, mostra que nas demais faixas de renda, o avanço dos gastos será menor. A classe alta embora ainda represente a maior fatia do bolo vai incrementar seus gastos em 3,6%, para R$ 46,4 bilhões, e a classe baixa em 6,25%, para R$ 3,4 bilhões.
A educação entrou no radar principalmente das famílias que aumentaram sua renda e que, pela primeira vez, passaram a ter a chance de buscar mais qualidade de ensino e a apostar em mais anos de estudo. Porém, manter o filho na escola ou na faculdade particular ainda é um desafio para as famílias (leia mais ao lado). Pressionadas pelos aumentos dos custos com mensalidades, despesas com outros itens de consumo e com financiamentos, as famílias de classe média estão tendo mais dificuldade para manter os gastos com educação no orçamento.
Tradicionalmente a educação pesa mais no bolso da classe média do que nos demais extratos sociais. Estima-se que 25% da renda dessas famílias seja destinada para essas despesas.
"Depois de muito consumir, o brasileiro passou por um momento de freio o ano passado, que na verdade foi uma oportunidade para tomar um fôlego e colocar as despesas em dia, quitar os carnês e cartões de crédito", disse Renato Meirelles, diretor do Data Popular, em entrevista por e-mail.
No bolso
Mas os gastos aumentam não apenas porque mais brasileiros estão estudando em escola particular. Os preços dos serviços de educação subiram, no ano passado, acima da inflação e vêm pesando mais nas contas das famílias. No ano passado, os gastos com educação aumentaram 7,78%, acima da média medida pelo IPCA, de 5,84% nos doze meses encerrados em dezembro.
Desde 2002, as despesas com educação dos brasileiros aumentaram quase cinco vezes. Há dez anos, as famílias destinavam R$ 3,27 bilhões a materiais escolares e livros e R$ 9,07 bilhões a matrículas e mensalidades.
Para o professor de economia Christian Luiz da Silva, da UTFPR, apesar de mais cara, a educação costuma ser um dos últimos itens a serem cortados do orçamento das famílias. "Trata-se de um serviço que é insensível a preço. As famílias optam por conter outros gastos a cortar a escola dos filhos", diz.
Sul concentra 15% dos gastos
As famílias do sul do país devem desembolsar 15% do total dos gastos com educação R$ 11, 25 bilhões. Os gastos com educação estão concentrados no Sudeste, com 53%, que é seguido pelo Nordeste, com 18%, Sul (15%) e Norte com 5%. No ano passado, o Sul representou 14% do total.
O levantamento do Data Popular foi feito sobre os números da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A partir de 2013, os dados passaram a utilizar o critério de classificação socioeconômica da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, o que exigiu o recálculo dos números do ano passado.
Segundo o levantamento, quanto maior a renda, maior a participação dos gastos com mensalidades e matrículas. Entre os mais ricos, o porcentual é de 85%. Nas classes D e E, por exemplo, que acessam mais a escola pública, a fração destinada a mensalidades e matrículas é de 53% (CR)
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