E-mail de Carloz Zarlenga, presidente da GM Mercosul, sobre permanência no Brasil em risco foi considerado infeliz por especialistas.| Foto: Divulgação GM/

A General Motors, dona da marca Chevrolet, não está em crise no Brasil. Não no sentido mais comum da palavra. Em 2018, segundo ano de recuperação para o setor, liderou as vendas de automóveis e veículos comerciais leves pelo quarto ano seguido, com quase 434 mil unidades comercializadas. Mesmo assim, a GM fala em prejuízo nos últimos três anos, capacidade ociosa nas plantas e na dificuldade de tocar novos investimentos sem o “sacrifício de funcionários” e da ajuda do governo (algo que o estado de São Paulo já sinalizou que dará à montadora).

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Em mensagem classificada como infeliz por especialistas, na última sexta-feira (18), o presidente da General Motors Mercosul, Carlos Zarlenga, deixou claro aos funcionários que a permanência da marca no Brasil depende da “volta da lucratividade”, o que irritou os sindicatos, já cansados do terrorismo do “vai ou não vai” do setor automotivo – e, convenhamos, usados historicamente pelo setor para barganhar incentivos fiscais e outros favorecimentos. No texto, ele disse que a empresa vive um momento crítico “que vai exigir importantes sacrifícios de todos” e que aprovação de um plano apresentado à matriz requer o apoio do governo, concessionários, empregados, sindicatos e fornecedores.

Mas além do contexto nacional, de recuperação da crise econômica e de exigência do consumidor brasileiro por produtos de maior valor agregado, há também o contexto global do setor, que passa pela maior revolução tecnológica de sua história. E esses dois contextos é que ajudam a explicar que a ameaça implícita na mensagem do presidente da GM Mercosul não faz sentido: a montadora não deixará o Brasil.

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“A marca ir embora do Brasil não faz o menor sentido. A GM no mundo, assim como Ford, Volkswagen e outras, está passando por uma reestruturação e buscando recursos para atender a maior revolução tecnológica pela qual o automóvel já passou”, avalia o diretor de estratégia da consultoria Bright, Paulo Cardamone. “O problema é intrínseco ao setor, de gestão interna, e deve ser endereçado como tal. Se será preciso mandar pessoas embora, reestruturar, será feito. Mas sair do país, a GM não vai”, ressalta o consultor.

Zarlenga teve de se explicar a funcionários, sindicatos e prefeitos nesta terça-feira (22). À Folhapress, o prefeito de São José dos Campos, Felicio Ramuth, disse que a conversa foi “franca e clara”. “O momento que a GM passa é delicado. Acompanhamos os últimos movimentos da GM global, com fechamento de fábricas. No Brasil, existe a oportunidade de investimento, mas São José dos Campos, São Caetano e o Brasil têm que fazer a lição de casa”, afirmou Ramuth, numa sinalização clara de que os municípios paulistas farão o que for preciso para manter as plantas da marca.

A GM não falou com a imprensa no local. Também nesta terça (22), o secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, disse que o governo estadual estuda socorrer a GM com antecipação de créditos de ICMS sobre os quais a empresa tem direito. "É uma questão, em tese, viável, do ponto de vista de manutenção de emprego, renda e arrecadação futura de imposto", afirma. As empresas fabricantes de veículos e autopeças acumulam um saldo de crédito de imposto ICMS devido à diferença de alíquota entre estados ou ainda nas operações de exportações que são isentos de tributação.

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O entrave, explicou Meirelles, é que qualquer tipo de renúncia de receita precisa, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, de uma contrapartida: a criação de receita compensatória. "Estamos estudando. De fato, esse é o desafio: como criar receita compensatória sem necessariamente transferir custos para outros setores da economia”. A equipe econômica do governo do estado deve se reunir em 31 de janeiro para discutir a situação da GM. Até lá, diz Meirelles, o objetivo é trabalhar no que pode ser feito do ponto de vista fiscal.

Pela ótica dos sindicatos, a ameaça da GM também não faz sentido. Além de São Caetano do Sul e São José dos Campos, a GM tem um complexo industrial em Gravataí (RS) e unidades fabris em Joinville (SC) , Mogi das Cruzes (SP) e Indaiatuba (SP). Entre 2017 e 2018, a GM anunciou e executou três grandes investimentos no país: R$ 1,2 bilhão para construir uma nova área de produção e capacidade ( de 250 mil para mais de 330 mil veículos por ano) na unidade de São Caetano do Sul; R$ 1,9 bilhão para a produção de novos motores e ampliação da capacidade (de 120 mil para 420 mil veículos por ano) da planta de Joinville (SC); e R$ R$ 1,4 bilhão para produzir da nova família Onix e Prisma na planta de Gravataí (RS). Esses investimentos, de R$ 4,5 bilhões, por sua vez, fariam parte de um total de R$ 13 bilhões anunciados pela montadora ainda em 2014 para o país.

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Em conjunto, esses investimentos trazem para as linhas de produção da marca o conceito de indústria 4.0, com soldas a laser e outras novidades construídas em conjunto com fornecedores. É como se a empresa estivesse pedindo ajuda justamente no momento em que está pronta para aproveitar a retomada do setor prevista para 2019. A assessoria de investimentos TCP Latam estima que as vendas de veículos possam crescer até 14% neste ano no país, um dado bem mais otimista que o da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) que projeta uma alta de pouco mais de 10%. O ano de 2018, como já mencionado, foi o segundo ano de recuperação do setor. Foram 2,5 milhões de unidades foram vendidas, 14,5% a mais do que em 2017.

Para Ricardo Jacomassi, ex economista-chefe do Sindipeças e sócio da TCP Latam, no entanto, para aproveitar essa retomada – que, em dois ou três anos, pode repor o que o setor deixou de ganhar durante a crise – é preciso que as montadoras entendam como o consumidor brasileiro mudou. “No contexto internacional [o desafio] é o investimento pesado em novas tecnologias, e isso será desenvolvido lá fora, não no Brasil. No contexto local há o aumento da concorrência, da regulação e da exigência do consumidor brasileiro , que quer automóveis de maior valor agregado”, avalia Jacomassi, que lembra que até a década passada, GM, Ford, Volks e Fiat dominavam cerca de 70% do mercado nacional. “Esse controle sobre o ciclo de inovação e investimentos acabou”, complementa o consultor Paulo Cardamone.

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