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O governo apresentou nesta semana a primeira fase da sua reforma tributária, mas deixou a parte mais polêmica por último: a criação de um imposto sobre transações comerciais digitais, um tributo semelhante à extinta CPMF. O objetivo é ganhar tempo antes de enviar essa proposta ao Congresso, enquanto a equipe econômica tenta diminuir as resistências ao tema, atrelando a necessidade de criar o novo imposto para bancar a geração de emprego (através da desoneração da folha) e o programa de renda mínima.
A equipe econômica alega que a desoneração da folha de pagamentos só será possível com a criação de um tributo de base ampla, caso do imposto sobre transações. A desoneração da folha será a quarta parte da reforma tributária que o governo pretende enviar ao Congresso ainda neste ano. As outras duas fases englobam mudanças no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Renda (IR) de pessoas físicas e jurídicas.
A desoneração é considerada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, fundamental para geração de postos formais de trabalho. O ministro considera que os encargos que incidem sobre a folha são como uma “arma” de destruição “em massa” de empregos. Ele sempre defendeu o fim desses impostos.
Só que para acabar – mesmo que parcialmente com os tributos sobre a folha –, o governo precisa encontrar uma outra fonte de receita que compense a perda de arrecadação, para não desfalcar a Previdência. Essa fonte seria esse imposto sobre transações, que deve ter uma alíquota entre 0,2% e 0,4%.
A antiga CPMF, que incidia sobre todas as movimentações, teve alíquotas de 0,2% e 0,38%, antes de ser extinta pelo Congresso em 2007. Ainda não está claro se a CPMF do governo Bolsonaro vai incidir somente sobre as vendas digitais ou sobre qualquer transação digital.
A desoneração da folha também deve ser parcial, restrita à parcela de um ou dois salários mínimos. Para desonerar completamente a folha, que era o objetivo inicial de Guedes, o governo precisaria de um imposto com alíquota em torno de 1,1%, de acordo com os cálculos de Josué Pellegrini, da IFI, o que seria inviável politicamente.
Renda Brasil
Além de atrelar a CMPF à geração de empregos, o governo também deve usar o novo imposto para cobrir partes dos gastos com o seu programa de renda mínima, o Renda Brasil. O programa vai substituir o Bolsa Família e algumas outras políticas públicas consideradas ineficientes. Estão na mira para redução ou extinção o abono salarial, o Farmácia Popular, o seguro-defeso e o salário-família.
O público-alvo do Renda Brasil serão os beneficiários do Bolsa Família (BF) mais a parcela de baixa renda da população que hoje recebe o auxílio emergencial. O programa deverá ter um custo superior a R$ 50 bilhões por ano e pagar um benefício mensal maior que os R$ 190 pagos em média às famílias do BF.
A avaliação da equipe econômica é que, mesmo com a redução ou extinção de alguns programas sociais, o dinheiro que sobrará será insuficiente para bancar o Renda Brasil. Então, a “nova CPMF” poderia entrar para ajudar essa despesa. Também seria uma forma de reduzir as resistências à criação desse tributo.
Ideia de "nova CPMF" funcionou internamente
Internamente, a ideia vem funcionando. O presidente da República, Jair Bolsonaro, era totalmente contra a criação de uma “nova CPMF”. Tanto que no ano passado, quando vieram à tona os estudos do governo sobre o tema, o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, foi demitido.
Neste ano, Bolsonaro mudou o tom. “O que o Paulo Guedes está propondo não é a CPMF não, é uma proposta de tributação digital. Não é apenas para financiar o grande programa [social, o Renda Brasil]. É para desonerar também a folha de pagamentos. É uma compensação, eliminar um montão de encargo em troca de outro. Mas se a sociedade não quiser, não tem problema nenhum”, disse o presidente no último sábado (18).
Um dia antes, em entrevista à Rádio Gaúcha, o vice-presidente Hamilton Mourão também saiu em defesa da ideia de Guedes, mostrando pela primeira vez um alinhamento do Executivo no discurso sobre o novo imposto.
“O ministro Paulo Guedes coloca como um substituto da desoneração da folha. Ao desonerar a folha, haveria uma oportunidade muito maior da criação de empregos formais. Eu ainda vejo mais além: um imposto dessa natureza pode ser também utilizado para reforçar o programa de renda mínima, o Renda Brasil, que vem sendo montado pelo governo”, declarou.
Mourão reforçou que não se trata da simples criação de um novo imposto, e sim da substituição de parte dos impostos da folha. “Eu acho que tem que ficar muito claro e não simplesmente criar um imposto por criar um imposto. Então, eu vejo que hoje a discussão está centrada em cima da desoneração da folha, então eu acho justo. Não abrangeria todos os tipos de transações. Hoje, nós temos uma série de transações eletrônicas que são feitas e que não pagam tributo nenhum. Nós temos que arrumar um jeito de tributar isso aí.”
E sinalizou que o governo deve sim levar a proposta para o debate no Congresso: “Se o Congresso aceitar, significa que a sociedade brasileira aceita. Se não aceitar, paciência”. A equipe econômica não informou se a criação do imposto – que é a quarta fase da reforma tributária – será apresentada ainda em agosto, junto com a segunda e terceira partes.
Guedes busca apoio do Centrão à nova CPMF
No Congresso, as resistências ao tema também vão aos poucos diminuindo. O deputado Arthur Lira, líder do PP na Câmara e um dos principais caciques do Centrão, declarou que aceita discutir o tema. Ele é apontado como um dos principais candidatos à presidência da Câmara para o biênio 2021-2022.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico neste mês, Lira disse que a ideia de Guedes tem chances de prosperar se tiver uma alíquota baixa, limite de isenção e se for direcionada para bancar benefícios sociais.
“A CPMF lá atrás foi de 0,38%, talvez algo em 0,2%, 0,25% e isentava quem ganha até dois salários mínimos e meio. E direcionava isso para algum fim. Qual o problema que se criticava tanto a CPMF? Era porque era para saúde e ninguém via a saúde melhorar”, lembrou.
“Mas se falamos de criar um imposto que não seja só virtual, mas também sobre operações financeiras de 0,2%, 0,1%, especialmente para esse fim social, quem iria ficar contra? A esquerda, a direita, o centro, o presidente da Câmara, o presidente do Congresso? E o ministro iria ter uma saída para iniciar a discussão”, sugeriu.
Guedes tem buscado desde junho o apoio do Centrão para sua agenda econômica. Parte do bloco informal passou a compor a base governista. Além de Lira, o ministro tem pedido ajuda a importantes líderes do bloco, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e os deputados Diego Andrade (PSD-MG) e Wellington Roberto (PL-PB).
A principal resistência à criação do novo imposto continua sendo de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Ele afirmou, por meio das suas redes sociais, que não pautará nenhum imposto “disfarçado de CPMF” até o fim do seu mandato, em fevereiro de 2021.