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A equipe econômica tenta costurar um acordo com o Congresso para evitar a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores até o fim de 2021. Esse benefício, que termina no fim de 2020, havia sido estendido por mais um ano pelos parlamentares ao aprovar a Medida Provisória 936, que originalmente trata da suspensão do contrato de trabalho e da redução de jornada e salário. O presidente, porém, vetou a extensão, atendendo pedido da equipe econômica.
Mas a decisão do governo desagradou o Congresso, que articula a derrubada do veto. Segundo levantamento feio pela consultoria Arko Advice, 377 deputados e 39 senadores são favoráveis à derrubada. Para que o veto caia, é preciso o voto de, pelo menos, 257 deputados e 41 senadores. Ou seja, já há na Câmara ampla maioria em favor da desoneração. O debate está no Senado.
E é justamente o Senado a esperança da equipe econômica. O ministro da Economia, Paulo Guedes, informou aos líderes do governo na Casa – senadores Eduardo Gomes (MDB-TO) e Fernando Bezerra (MDB-PE) – que quer enviar um projeto amplo de desoneração da folha de pagamentos, sem distinção dos setores da economia. Esse projeto poderia ser enviado à parte, ou dentro da proposta de reforma tributária do governo. Em troca, o ministro pediu a manutenção do veto.
O texto da reforma tributária, contudo, ainda não está pronto. Segundo apurou a Gazeta do Povo, a equipe econômica está estudando uma fonte de compensação para essa renúncia fiscal. Está em discussão a taxação de lucros e dividendos, que o ministro Paulo Guedes é favorável.
Mas, caso a opção seja mesmo a taxação, a desoneração não poderá ser ampla como gostaria o ministro. A desoneração ampla é um objetivo não só para atender a uma demanda dos setores da economia, mas também para o governo viabilizar seu novo programa de emprego. Guedes entende que somente reduzindo drasticamente os impostos sobre a folha o governo vai conseguir gerar milhões de vagas. Os impostos sobre a folha são considerados pelo ministro “armas de destruição em massa de empregos”.
O impasse é que, nas contas da equipe econômica, a desoneração mais ampla só poderia ser bancada com a criação de um imposto sobre transações digitais, ou seja, uma versão digital da extinta CMPF. A ideia de recriar o imposto é rechaçada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado informou que, enquanto for presidente da Casa, não vai pautar o tema. “Até o fim de meu mandato à frente da Câmara dos Deputados, em 1.º de fevereiro do ano que vem, não contem com a votação de qualquer imposto disfarçado de CPMF”, escreveu Maia.
Governo tenta evitar votação nesta semana
Enquanto não há uma solução para o impasse sobre como bancar a desoneração, a equipe econômica busca ganhar tempo. A leitura do governo é que, caso aconteça a votação nesta semana, o veto tende a ser derrubado. Parlamentares pressionam o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pautar uma sessão conjunta das duas Casas para apreciação desse e outros vetos presidenciais na quinta-feira (16).
Alcolumbre, por sua vez, “sumiu” do mapa. Ele não participou de nenhuma sessão do Senado na semana passada e não tem se manifestado nem a favor nem contra a convocação da sessão. A reunião dos líderes do Senado que tradicionalmente acontece todas as segundas-feiras pela manhã, contando com a presença de Alcolumbre, foi desmarcada.
O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo no Senado, afirma que dificilmente o Congresso deve analisar o veto no dia 16. “Os temas são muito polêmicos e tem que haver uma larga discussão entre as duas Casas. Enquanto não houver essa discussão da importância desse ou daquele veto, não deve ser votado.”
Rodrigues diz que o governo reconhece que a desoneração é uma questão muito sensível, pois afeta muitos setores, mas que economicamente é inviável manter a renúncia fiscal sem compensação de receita. “O governo, através da equipe econômica, está estudando as melhores formas de mitigar esse problema da flexibilização da folha.”
O vice-líder reclama que até aqui o debate sobre o tema tem sido muito mais político do que econômico. “Vamos ver se a discussão vai ser econômica ou política desse veto. A gente percebe nitidamente que a discussão está sendo mais política, sem rever os impactos econômicos da prorrogação da desoneração e as consequências para as contas públicas. Isso tem que ser estudado com muito critério para que o país não venha sofrer mais do que está sofrendo com essa pandemia”, diz Rodrigues.
Os argumentos do governo para o veto à desoneração
O veto de Bolsonaro à prorrogação da desoneração foi um pedido da própria equipe econômica, com base em pareceres emitidos pela Receita Federal e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). As secretarias alertaram que a prorrogação acarretava renúncia de receita, sem o cancelamento de outra despesa obrigatória equivalente ou sem indicação de fonte de receita, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
As secretarias do Ministério da Economia também entenderam que o dispositivo seria inconstitucional, porque fere a Reforma de Previdência, que entrou em vigor em novembro. A reforma veda desonerações posteriores à Emenda Constitucional 103 (da reforma), com o objetivo de preservar o fundo previdenciário.
Por fim, as secretarias dizem que a prorrogação daria tratamento distinto entre os setores da economia de forma injustificada. A desoneração é válida somente para 17 setores da economia, como comunicação, transportes, construção civil, têxtil, transportes e call centers. Ela é válida até 2020 e os parlamentares estenderam até 2021 sob o argumento da crise causada pela pandemia.
A manutenção em 2021 impactaria os cofres públicos em cerca de R$ 10 bilhões. O valor, apesar de parecer pequeno diante do orçamento trilionário, é elevado. No ano que vem, o governo poderá elevar suas despesas em apenas R$ 31 bilhões, devido à inflação baixa e ao teto de gastos (mecanismo que limita o crescimento das despesas à inflação).
Setores afetados pedem derrubada do veto
Os setores da economia que foram afetados pelo veto enviaram um ofício a Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre pedindo a derrubada do veto. O documento foi assinado por 36 entidades que representam diversos setores.
Segundo essas entidades, a manutenção da desoneração pode salvar centenas de milhares de emprego. Já o fim do benefício poderá ter consequências drásticas para os trabalhadores e as empresas. “O impacto da reoneração da folha em meio à atual crise seria insuportável para esses setores e acarretaria consequências drásticas para os seus trabalhadores, empresas, consumidores e para o próprio Estado", alertam.
As entidades argumentam que o descumprimento da LRF, alegado pelo governo ao vetar a prorrogação, não é válido. Elas afirmam que a Lei Complementar 173/2020, aprovada pelo Congresso, afasta a necessidade de apresentar contrapartida à concessão ou ampliação de renúncia fiscal.
Sobre a prorrogação ferir a reforma da Previdência, as entidades dizem que também não é verdade. Elas explicam que há previsão legal na Constituição para custeio da Previdência através de contribuição sobre a folha de pagamentos ou sobre a receita bruta das empresas.
A desoneração estendida pelo Congresso e vetada pelo presidente permite que empresas de 17 setores troquem o recolhimento de 20% sobre os salários dos empregados – dinheiro que vai para a Previdência – por um recolhimento sobre a receita bruta. O valor desse recolhimento varia 1% a 4,5%, de acordo com o setor.