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Transporte

Por que o governo rompeu com algumas lideranças de caminhoneiros, e quais as chances de greve

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e o presidente Jair Bolsonaro: governo rompeu com algumas lideranças de caminhoneiros. (Foto: Alan Santos/PR)

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O governo federal está rompido com parte das lideranças de caminhoneiros autônomos. A transportadores mais próximos, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, desabafa sobre ter aberto as portas a alguns líderes e avalia ter errado em relação a isso, segundo apurou a Gazeta do Povo.

A avaliação do ministro Freitas tem relação com as ameaças de paralisação feitas por alguns “ditos líderes”, como critica o ministro reservadamente. A possibilidade de uma greve nacional, como em 2018, não preocupa o governo. Mas também não é completamente descartada.

Um dos motivos de insatisfação de parte das lideranças, que as leva a criticar o governo — e Tarcísio a romper com elas —, é o projeto conhecido como "BR do Mar", que incentiva a navegação de cabotagem e pode reduzir a demanda por transporte terrestre. Há uma semana, o caminhoneiro Wallace Landim, que é conhecido como Chorão e foi um dos principais articuladores da greve de maio de 2018, disse que o presidente Jair Bolsonaro – eleito naquele mesmo ano com apoio ostensivo dos transportadores – "traiu" a categoria.

Ameaças de greve dos caminhoneiros são constantemente analisadas pelo governo federal desde 2018. O Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) – que reúne informações de 42 órgãos federais de diferentes ministérios – vem monitorando a "temperatura" da categoria. Entre os que acompanham de perto a questão estão a Polícia Rodoviária Federal e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Dentro do Ministério da Infraestrutura, os órgãos integrantes do Sisbin que monitoram as demandas da categoria são o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a própria secretaria-executiva da pasta. O que chama a atenção, contudo, é o interesse pessoal do ministro em acompanhar o clima entre os autônomos.

Duas semanas atrás, o ministro Freitas tirou o sábado e o domingo para conversar com caminhoneiros pelo WhatsApp, por telefonemas e mensagens de texto e áudio, de forma privada e em grupos. Entre um diálogo e outro, o ministro reconheceu que daria mais atenção à Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), reconhecendo sua “representação orgânica”, e a líderes em quem passou a ter maior confiança. Dessas conversas e outras anteriores, sentiu não haver clima propício à paralisação. Mas mantém o alerta.

O que pensam líderes caminhoneiros sobre uma nova greve

O caminhoneiro autônomo Janderson Maçaneiro, mais conhecido como Patrola, é um dos líderes com quem Freitas mantém contato. O condutor avalia vê chance remota de paralisação. "O autônomo e até o celetista podem iniciar, bem como as empresas. É sempre possível", diz, completando em seguida: "No cenário que temos hoje, não acredito. Justamente por conta da divisão entre as lideranças, da atmosfera que está sendo criada".

Patrola, que atua no segmento portuário de Itajaí (SC), avalia que uma greve nacional só se concretiza se as lideranças estiverem todas alinhadas, como ocorreu em maio de 2018. "E isso não está acontecendo. Tem pessoas divididas. Por isso, não acredito em uma greve dos caminhoneiros”, diz. Ele esclarece, contudo, que, as "portas abertas" com o ministro são fruto de uma relação estritamente profissional.

"Eu converso com o ministro, mas ele não é meu amigo. É mais ou menos assim: 'Bom dia [Patrola], dá uma olhada nisso aqui, o que acha dessa situação'. Eu leio e dou minha opinião. Pedi voto para Bolsonaro e a categoria ajudou a eleger o presidente, mas, se amanhã, [o governo] fizer algo que nos desagrade, vamos dizer que não elegemos ele para fazer isso", diz Patrola.

O governo tem conhecimento de tudo isso com base no monitoramento do Sisbin e nas conversas do próprio Freitas com os caminhoneiros. Um dos motivos que escancarou essa divisão foi a aprovação do projeto de lei da “BR do Mar”, que cria incentivos à cabotagem, ou seja, ao transporte de cargas entre portos brasileiros.

O governo trabalhou na Câmara dos Deputados para aprovar a “BR do Mar”, em regime de urgência, e isso irritou ainda mais alguns líderes já contrários ao texto. Para entrar em vigor, a proposta ainda precisa ser analisada pelo Senado e sancionada por Bolsonaro, o que só deve ocorrer em 2021.

“A situação [do projeto] levantou algumas lideranças que estavam desaquecidas, que aproveitaram para ampliar a insatisfação e começaram a 'surfar' nessa onda”, analisa Patrola. “É isso o que fez o governo fechar as portas para alguns. Na minha opinião, o governo aceita críticas, teria sido tolerante se tivessem sentado e conversado. Mas não aceita alguns desses líderes irem criticar na imprensa e nas redes sociais, ‘sentarem o pau’ e, depois, pedirem para ‘abrir a porta’ para conversar”, acrescenta.

Segundo os relatos de bastidores, um dos líderes caminhoneiros com quem Freitas rompeu foi justamente Wallace Landim. À Gazeta do Povo, Chorão afirma desconhecer a informação. “Eu não sei se ele rompeu comigo ou com a associação [presidida por ele, a Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores], a Abrava, porque a gente defende a categoria. Se precisar bater na porta, nós vamos bater na porta, independentemente de qualquer coisa”, pondera.

Chorão entende que Freitas tem de atendê-lo enquanto representante da Abrava, e não atender apenas a CNTA – na terça-feira (15), o ministro da Infraestrutura recebeu representantes da confederação fora da agenda oficial. “Lá, vou bater pela Abrava e não tem por que ele não atender. Agora, ele tinha me falado há algum tempo atrás que romperia com algumas pessoas e até me coloquei à disposição dele. Ele sabe quem trabalha pela categoria e quem não trabalha”, comenta o caminhoneiro.

O motivo da insatisfação de Freitas com Chorão é atribuído às declarações feitas pelo caminhoneiro à imprensa, de que o governo “traiu” a categoria. Ao jornal "Estado de São Paulo", o líder contou que a ideia de uma paralisação começa a ser discutida. À Gazeta do Povo, ele reforça o que disse.

“Claro que existe a possibilidade de greve. A categoria está sofrendo, ela está no limite. Eu estou rodando os estados, conversando com as lideranças, explicando o que aconteceu e, daí para a frente, quem delibera é a categoria”, afirma. “Nós estamos falindo, e a gente tem um monte de frente de trabalho que buscamos e não está funcionando.”

BR do Mar não seria o único estopim de uma eventual greve

A insatisfação com a BR do Mar não seria o único fator determinante para uma eventual paralisação. O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de São José dos Pinhais (PR) e também presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), Plínio Dias, elenca outros nove motivos para a categoria cobrar do governo. E sinalizou um dia para a categoria cruzar os braços em protesto por melhores condições de trabalho: 1º de fevereiro de 2021.

O CNTRC é uma entidade nova, que diz representar sindicatos, associações e cooperativas em 22 estados. Ela tem uma página na internet, ainda em manutenção, e 99 seguidores no Facebook. Caminhoneiros e pessoas próximas do ministro da Infraestrutura dizem à Gazeta do Povo que a instituição não tem representatividade.

De toda forma, circula em grupos de transportadores autônomos um vídeo em que Dias afirma que a diretoria decidiu apoiar os “caminhoneiros que queiram ir para a pista fazer sua mobilização e paralisação a partir de 1º de fevereiro”. Além das críticas à BR do Mar, “lei que foi enfiada goela abaixo pela Câmara”, diz o presidente da CNTRC, ele cita outras demandas:

  • CIOT Para Todos: ampliação do Código Identificador de Operação de Transporte (CIOT) não só para o transportador autônomo, mas também para as transportadoras;
  • Direito à estadia: descriminalização da Lei 13.103/15, sobre as estadias aos caminhoneiros;
  • Contratação direta: estratégias para viabilizar a contratação direta do caminhoneiro autônomo pelo embarcador;
  • Óleo diesel: discussão da política de preço da Petrobras, que, para os caminhoneiros, pode mudar para reduzir o custo do diesel;
  • Aposentadoria especial: a categoria exige um marco regulatório com regras de aposentadoria diferenciadas;
  • Pernoite: maior fiscalização sobre os combustíveis em postos que oferecem estadias para os caminhoneiros;
  • Fiscalização: maior rigor da ANTT sobre a fiscalização de transportadoras, que, segundo os autônomos, “fazem o que querem, não pagam frete, estadia, nada”;
  • Frete de sucatas: a categoria exige a revisão de duas resoluções, uma sobre o transporte de sucata e outra sobre o transporte de cargas de sólidos a granel com lona em vias abertas; e
  • Jornada de trabalho: maior fiscalização da jornada de trabalho e exigência de pontos de parada para seu cumprimento.

Divergências de demandas entre caminhoneiros dificultam greve

As demandas cobradas pela CNTRC não encontram, contudo, respaldo entre todos os caminhoneiros autônomos. São essas divergências dentro da categoria que aprofundaram a divisão entre eles.

Um exemplo são os pedidos por mudanças na política de preços da Petrobras. Fundador do Comando Nacional do Transporte (CNT), Ivar Schmidt, que liderou a greve dos caminhoneiros de 2015, discorda da pressão por interferências no preço do óleo diesel.

Schmidt, que hoje se mantém neutro e não lidera mais a categoria — embora seja ainda influente e ouvido por muitos caminhoneiros — espera que o governo não tome nenhuma atitude em relação a mudanças na política de preços da Petrobras.

“Acredito que subsídio não tem que existir. O que está errado é a oferta demasiada de caminhões no mercado, e é isso que fez com que ocorresse esse desequilíbrio em relação à demanda, resultado nos baixos fretes”, sustenta. Schmidt é favorável à fiscalização e cumprimento da jornada de trabalho, que, para ele, ajudaria a regular a oferta e, assim, elevar o preço do frete.

A cobrança por um óleo diesel mais barato, contudo, é compreensível, avalia Schmidt. Mesmo assim, ele não acredita na possibilidade de uma greve porque ainda vê os caminhoneiros muito atrelados ao sentimento do “bolsonarismo”. “A maioria deles é [apoiadora do presidente Jair] Bolsonaro e não abre mão disso”, justifica.

Porém, ele alerta que isso não garante ao governo uma salvaguarda contra paralisações. Um aumento do diesel poderia ser o gatilho de uma greve. “Quero crer que o estopim não vai surgir do não atendimento de algumas reivindicações. Vai surgir do aumento continuado do óleo diesel, que é o que impacta mais a categoria”, adverte.

Sem um excessivo aumento do diesel, Schmidt não acredita em uma greve. A divisão da categoria se evidencia em muitas demandas que, para ele, são absurdas. Ele cita como exemplo pedidos de uma linha de crédito subsidiada do BNDES para financiar a compra de caminhões novos a autônomos cujos veículos tenham mais de 20 anos de uso.

“O governo rompeu com parte dos caminhoneiros porque alguns já estavam se achando no direito de pedir coisas absurdas. Foram lá pedir isso, como se o governo tivesse a obrigação de pagar caminhão novo para quem tem caminhão velho”, critica.

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