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Governo atua para evitar greve de caminhoneiros após fim do imposto zero no diesel

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, em reunião com o caminhoneiro Junior Almeida no dia 23 de abril: governo voltou a conversar com líderes que chegaram a ser chamados de "grevistas". (Foto: Ricardo Botelho/MInfra)

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O governo federal está atuando para evitar uma crise com os caminhoneiros. De um lado da moeda, o Executivo busca afastar a possibilidade de uma nova greve, como a que paralisou o país em 2018. Do outro, procura reter o máximo de sustentação de um grupo que apoiou o presidente Jair Bolsonaro nas eleições, em um momento em que o Palácio do Planalto vê ameaçados seus índices de aprovação.

Em fevereiro, a Gazeta do Povo mostrou que a troca na Petrobras deu fôlego a Bolsonaro contra uma greve de caminhoneiros articulada para abril. O problema é que, na avaliação de boa parte da categoria, de lá para cá o governo pouco entregou das pautas negociadas com os transportadores autônomos.

Pior: o Executivo não renovou a alíquota zero de PIS e Cofins sobre o diesel, que vigorou em março e abril. Com isso, os dois tributos – que somam R$ 0,33 por litro do combustível – voltaram a ser cobrados no último sábado (1.º), o que deve resultar em alta de preços.

Sem perspectivas de melhora no curto prazo, ruídos de uma nova greve começam a surgir, ainda que timidamente. Mesmo líderes opositores a uma paralisação assumem que o risco existe. Explicam que, enquanto o agronegócio comemora a safra recorde que impulsiona exportações e deve ajudar o Brasil a atingir seu primeiro superávit externo em 14 anos, a categoria lida com redução dos valores dos fretes e alta do combustível.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, iniciou em 22 de abril – antes mesmo do fim da redução de impostos sobre o diesel – uma rodada de conversas com os caminhoneiros para esclarecer as ações adotadas pelo governo em favor dos autônomos. Outros encontros estão previstos, inclusive com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

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Com pouco espaço fiscal para promover novas desonerações e medidas intervencionistas para controlar o preço de insumos como o combustível, o governo aposta em passar a mensagem de que a desejada redução do preço do diesel passa por estabilidade econômica, valorização do real e a aprovação de reformas. São pautas defendidas pelo mercado, que por sinal esteve representado na reunião de 22 de abril.

O ministro Tarcísio e atores do mercado financeiro – como o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale – procuraram expressar aos caminhoneiros que uma paralisação geraria instabilidade no mercado e acabaria inflacionando toda a cadeia. O governo, assim, manifestou claro pedido para que os transportadores autônomos apoiem a agenda de reformas, especialmente a tributária e a administrativa, em tramitação no Congresso.

Em uma pauta voltada para discutir o preço do combustível, o valor do dólar e a importância das reformas, o governo também conversou com os caminhoneiros sobre outras demandas da categoria. Entre elas, o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e), que vai unificar cerca de 20 documentos exigidos para operações de transporte de carga no país, a renovação da frota e linhas de crédito.

Assuntos relacionados a crédito – como o programa de manutenção veicular e o programa de renovação de frota pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – ficaram para ser aprofundados na reunião com Campos Neto. Com Tarcísio, o governo convidou representantes do Banco de Brasília (BRB), que apresentaram uma simulação do DT-e, saindo de uma carga transportada de Mato Grosso para o Porto de Santos (SP).

A categoria tem outras reivindicações que vão além das demandas econômicas. Ainda em janeiro, o governo incluiu os caminhoneiros no grupo prioritário para a vacinação da Covid-19, o que elevou o grupo prioritário para quase 78 milhões de brasileiros. O Ministério da Saúde estimou em 1,24 milhão o número de caminhoneiros a serem vacinados.

Desde então, líderes e representantes dos transportadores autônomos dialogaram com o governo em busca de viabilizar a imunização. Chegaram a discutir a possibilidade de as vacinas serem aplicadas mesmo para os transportadores em trabalho, nas rodovias, que poderia ser feito nos pontos de pedágio, em postos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ou do Sest/Senat. Porém, até agora, quem se vacinou conseguiu apenas pelo critério da idade.

Caminhoneiros veem governo acuado com possibilidade de greve

A reunião no Ministério da Infraestrutura agradou líderes e representantes dos caminhoneiros. Muitos entendem que as pautas são positivas e podem melhorar as condições de trabalho da categoria. Mas parte dos líderes ouvidos pela Gazeta do Povo entende que tal agenda propositiva decorre do temor de uma nova greve e da necessidade de evitar maior deterioração da aprovação do governo.

“Pela primeira vez, eu senti que o governo está acuado [em relação aos caminhoneiros]”, afirma um dos líderes autônomos que participaram da reunião. “O ministro sempre foi bem educado, quando precisou bater na mesa, bateu, mas o ar era de bandeira branca, paz e amor. Pediu apoio para as reformas, explicando o que uma greve causaria à economia. Conversou com a gente não em um tom acovardado, mas ficou nítido [a postura defensiva]”, acrescenta o transportador.

Um dos sintomas dessa posição mais cautelosa do governo foi o convite, para a reunião, a Wallace Landim, mais conhecido como Chorão, um dos líderes da greve de 2018, e a Júnior Almeida, o Júnior de Ourinhos, que é diretor do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos (Sindicam) de Ourinhos (SP). Ambos não vinham sendo atendidos por Tarcísio, que chegou a dizer que não negociaria com “grevistas”.

“O Tarcísio deu uma 'tirada' logo no início da reunião no Júnior e no Chorão. Deu uma pancada neles, mas, depois, recuou e daí a conversa foi indo para esse lado, buscando apoio para as reformas”, sustenta um líder caminhoneiro.

Júnior de Ourinhos, contudo, diz que a informação "não condiz com a realidade". "Foi feita uma brincadeira no início em que, provavelmente, as pessoas que estavam assistindo pela internet [caminhoneiros que participaram remotamente] ou nem conseguiam se logar, acabaram entendendo de outra maneira", diz. "O governo sempre foi receptivo com nossa causa. Inclusive, nos foi dada a oportunidade de protagonismo em algumas das nossas ações", acrescenta.

Mesmo lideranças aliadas começam a admitir, entretanto, que, sem propostas de curto prazo, o governo pode ficar enfraquecido com a categoria.

Chorão alerta para possível greve e cobra medidas de curto e longo prazo

O sentimento na categoria é de que o apoio político dos caminhoneiros a Bolsonaro diminuiu. “Se falasse mal do Bolsonaro até o meio do ano passado, tinha quem ‘batia’. Agora, em alguns grupos, alguns falam o contrário. Tem gente que, entre votar nele e em branco, fala em votar em branco, ou que vai votar nele por falta de opção”, diz um dos líderes autônomos aliados do governo.

A leitura feita por Chorão também é de que o governo está acuado. “Ele não quer um desgaste neste momento e busca o apoio da categoria. Quando você procura apoio de um segmento, é porque você não consegue avançar em algo”, afirma. Embora evite falar em greve e pregue responsabilidade dos caminhoneiros diante de uma pandemia, ele avalia que o risco de paralisação é real.

“Isso com certeza está no radar. A situação que está não tem como segurar mais, mas, por outro lado, temos uma pandemia. De toda forma, em primeiro lugar, precisamos trazer uma segurança jurídica para a gente aquecer o mercado. Se não aquecer o mercado, [a categoria] vai parar porque não tem condições de rodar mais”, diz Chorão.

Ainda que muitos caminhoneiros entendam que a situação não tem solução no curto prazo, é cada vez mais difícil segurar os ânimos na pandemia, segundo o líder da greve de 2018. “A categoria está no limite, descontente, estamos procurando a solução. Tenho recebido ligações daqueles que estão parados porque não têm condições de rodar e não têm como bancar a família em casa. Tanto que estamos bolando uma campanha para arrecadar mantimentos”, diz.

Embora elogie o projeto piloto do DT-e, Chorão critica a centralização da proposta nas mãos de um único banco – o BRB – e avalia que a categoria não tem como se contentar com apenas medidas de médio e longo prazo.

Sobre o preço do diesel – que deve subir com a retomada da cobrança de PIS e Cofins –, Chorão diz que a Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), que ele preside, "tem uma proposta assinada com duas companhias de combustível" que permitiria uma redução de preço entre R$ 0,15 e R$ 0,20 por litro "sem desgaste com o Congresso”. Mas, segundo ele, o governo não quis debater a sugestão.

CNTA vê reuniões como sinal de boa fé do governo

A Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) vê de forma mais favorável a reunião da semana retrasada e as rodadas de conversas que virão. Diferentemente de Chorão e outros líderes ouvidos pela Gazeta do Povo, a entidade, que negocia há dois anos com o Ministério da Infraestrutura, destaca a aproximação com o mercado financeiro viabilizada por Tarcísio de Freitas.

“A nossa batalha pela contratação direta [do autônomo com os embarcadores] é permanente. E para que haja isso, o caminhoneiro precisa ter suporte financeiro para a antecipação de recebíveis, que hoje é feita pelas transportadoras, que seguram os prazos. O governo vislumbrou essa oportunidade e abriu o canal de comunicação com essas instituições financeiras. É só o início”, sustenta o assessor executivo da CNTA, Marlon Maues.

O executivo vê a promessa de reuniões como um sinal de boa fé do governo para suavizar possíveis manifestações. “O recado no início foi muito claro, de que qualquer manifestação e movimentação nesse sentido é muito sentida na economia. É preciso responsabilidade, coisa que sempre pregamos. Greve deve ser o último recurso”, diz Maues.

A leitura de que o governo se sente pressionado a entregar resultados e intensificar o diálogo em um momento em que enfrenta outras crises, contudo, é reconhecida pelo assessor da CNTA: “Passou da hora de fazerem as entregas, e, com todas essas crises, imagina ter, também, mais uma crise com o segmento dos caminhoneiros, em um ano pré-eleitoral, diga-se de passagem. Então, sim, entendo que tem toda essa equação”. Maues, entretanto, não vê o governo como "acuado", mas sim "consciente da existência da categoria”.

“Foi uma conscientização de que, se não fizer o dever de casa, aí, sim, os caminhoneiros podem ser o fiel da balança de uma mudança drástica desse favoritismo do governo atual”, justifica Maues. “E nós, por sua vez, nos apropriamos disso, trabalhamos há dois anos por esse reconhecimento.”

Entidades sinalizam apoio às reformas econômicas

O governo pode, ao menos, respirar aliviado quanto à expectativa de apoio pela aprovação das reformas tributária e administrativa. As diferentes alas de transportadores demonstram, categoricamente, disposição em apoiar ambas as matérias.

Pela CNTA, Marlon Maues participou na última sexta-feira (30) de uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para discutir a proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, a reforma administrativa. Na ocasião, ele manifestou apoio à proposta, que promete desburocratizar a máquina pública e enxugar gastos públicos. A entidade também apoia mudanças no sistema tributário.

“Nós, através da entidade, podemos manifestar essa pressão política ao Parlamento para que elas [reformas] sejam aprovadas”, disse Maues à Gazeta do Povo. Segundo ele, o apoio da categoria não visa apenas a benefício próprio, mas a todo o país, “que carece dessas aprovações". "Então, nesse sentido, podemos contribuir e muito [com o governo]”, avalia.

Pela Abrava, Chorão também demonstra apoio às reformas. “Hoje, teria o apoio, porque vejo que é algo bom e a gente consegue, realmente, aquecer o mercado”, afirma. Ele alerta, contudo, que o suporte pode ser condicionado à deferência dada à categoria.

“A gente pode dar suporte, mas precisamos participar para discutir o que realmente vai ser feito. Tem pontos ali [nas reformas] que prejudicam também, na questão tributária. Então, a gente apoia desde o momento que estejamos participando da reforma estrutural [tributária], ou da administrativa”, avisa Chorão.

Pela Sindicam de Ourinhos (SP), Júnior Almeida é outro a defender as reformas. "Até porque dependemos do mercado, precisamos que o mercado entenda que os caminhoneiros estão alinhados às reformas estruturais que o país precisa, claro, sempre se atentando às suas pautas", diz.

"Mas nós também estamos atentos às pautas do próprio país. Queremos imprimir o espírito de mudança, de luta, que os caminhoneiros conseguem fazer mais do que simplesmente uma greve. Esse é o nosso maior desafio", acrescenta Júnior de Ourinhos.

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