Funcionário limpa fachada de banco em Atenas: instituições terão perdas com seus títulos gregos, por bem ou por mal| Foto: YannisBehrakis/Reuters

Tira-dúvidas

Entenda o programa de reestruturação da dívida grega:

O que a Grécia tinha proposto?

Reestruturar 206 bilhões de euros da dívida do país nas mãos de credores privados, trocando a dívida por papéis novos que têm 46,5% do valor de face atual. Quem aceitasse a oferta receberia novos títulos gregos com valor de face equivalente a 31,5% dos títulos anteriores e papéis do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira com valor de 15% da dívida antiga.

Quem aceitou a oferta?

85,8% dos credores dos títulos emitidos de acordo com a lei grega, ou 152 bilhões de euros; e 69% dos credores dos títulos emitidos de acordo com leis internacionais ou por estatais gregas, somando 20 bilhões de euros.

O que acontece com quem não aceitou?

Para os detentores de papéis emitidos segundo a lei grega, o governo vai impor a Cláusula de Ação Coletiva (CAC), em que prevalece a vontade da maioria – em outras palavras, a reestruturação será imposta "na marra". Para os demais, o governo estendeu a oferta até o dia 23 deste mês e disse que esta será a última oportunidade.

Como fica a situação da Grécia?

O comunicado divulgado ontem pelo governo grego estima que, caso o default seja forçado, a reestruturação atingirá 95,7% da dívida na mão de credores privados, que cai de 206 bilhões de euros para 107 bilhões de euros. Com isso e os pacotes de austeridade, o governo quer reduzir a dívida pública de 160% do PIB para 120% em 2020. Mas o uso das CACs representará default formal e disparará os contratos de swaps de default de crédito (CDS), espécie de "seguro contra calote" que os bancos usam para se proteger deste tipo de situação. Credores internacionais que recusaram a reestruturação ainda podem levar o caso para os tribunais fora da Grécia caso não recebam o valor integral.

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Valor total do calote

60 bilhões de euros foi o valor total do calote argentino de 2001, o maior da história até ontem, quando perdeu o posto para o default grego. A Grécia passou por um longo processo de tratativas com os credores privados; a Argentina partiu para um calote forçado da dívida logo no primeiro momento e só chamou os investidores para a renegociação anos depois, em 2005. Há tempos os analistas argentinos, experientes no assunto, alertavam para as semelhanças dos dois casos, como a falta de confiança externa, a debilidade da liderança política, o mal estar social, os ajustes sucessivos sem resultado e a saída de depósitos. Distúrbios, protestos, rebaixamento de ratings e risco nas alturas formam hoje o cenário grego, já bem conhecido pelos argentinos que foram às ruas em dezembro de 2001 para pedir que "se vayan todos" (que saiam todos) do governo.

No bolso

Por enquanto, só potencial

Franco Iacomini, colunista de Finanças Pessoais.

Ninguém duvidava de que o governo grego conseguiria apoio maciço ao seu programa de troca de títulos da dívida. Esse programa consistia na troca dos papéis já existentes no mercado por outros de valor menor e prazo mais longo. Resumindo em bom português, os credores aceitaram receber menos (em torno da metade do valor original da dívida) e mais tarde. É um negócio que ninguém gostaria de fazer, mas receber pouco é melhor que não receber nada.

A notícia de que tudo correu bem trouxe alguma tranquilidade para o mercado. Afastado o risco imediato, as bolsas europeias subiram (a brasileira pegou carona) e tudo está calmo até o próximo susto. Sim, porque agora os governantes gregos terão de provar que conseguem fazer dinheiro sobrar. Essa é a parte difícil.

Por aqui, a combinação da redução de juros básicos com algumas boas notícias no front internacional tinha o potencial para fazer subir o preço das ações. Isso aconteceu nos últimos dias, mas de forma moderada. A sensação ainda é de que a economia global ainda precisa de ajustes. Mais: muitos investidores embolsaram bons ganhos em dois meses de alta na bolsa, e estão dispostos a esperar sinais mais firmes de melhora antes de sair comprando.

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A Grécia celebrou ontem os resultados do acordo com os credores do setor privado, que resultou no maior calote da história. Mas persistem as dúvidas quanto à capacidade do país de voltar a crescer. O governo disse que 85,8% dos investidores aceitaram, sob pressão, trocar títulos por papéis de prazo maior e juros e valor menores.

Para chegar a 95,7% de adesão, o governo decidiu usar as chamadas "cláusulas de ação coletiva". Esse mecanismo impõe aos credores relutantes os termos do acordo se uma maioria expressiva aceitar.

Os investidores privados, que detêm 206 bilhões de euros em títulos gregos, precisavam aceitar uma perda de 53,5% – cerca de 107 bilhões de euros – no valor dos seus papéis (veja quadro nesta página). A alternativa era perder tudo, levando a um calote desordenado, com risco de efeito dominó sobre outros países europeus em crise, como Portugal, Itália e Espanha.

"Evento de crédito"

Mas ainda há desafios que o país precisa enfrentar. A agência Fitch rebaixou a nota da Grécia ao patamar de "calote parcial". Outra consequência do plano e do uso das cláusulas de ação coletiva foi o anúncio da Associação Internacional de Derivativos e Swaps de que houve um "evento de crédito" – isso ocorre quando, por causa de um calote, contratos de seguro contra o risco de quebra de um país são ativados. No caso da Grécia, haverá o pagamento de US$ 3,2 bilhões.

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Com os resultados anunciados ontem, a Grécia está apta a receber da troica (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional) um novo empréstimo, de 130 bilhões de euros, fundamental para evitar a inadimplência – uma parte da dívida (14,5 bilhões de euros) vence em 20 de março. Em comunicado, o presidente do conselho de ministros de Finanças da zona do euro, Jean Claude Juncker, autorizou a liberação de 35,5 bilhões de euros à Grécia e pediu ao país que siga comprometido com o ajuste fiscal.

Para o economista Roberto Luis Troster, o aperto fiscal que as autoridades exigem do país sinaliza uma sustentabilidade maior no futuro. "Com isso, desperta o ânimo de investir dos empresários. É razoável esperar uma retomada na Grécia", analisa.

Recessão

Fernando Sampaio, sócio-diretor da LCA consultores, é cético quanto às perspectivas do país. "É forte a dúvida sobre as chances de sucesso de uma recessão infindável como meio para baratear a produção grega. É bem possível que o tempo revele que a Grécia não tem alternativa senão desvalorizar sua moeda – e a dificuldade é que, ao aderir ao euro, o país abdicou de ter moeda própria", afirma. A economia grega entrou no quinto ano de recessão. No último trimestre de 2011, a queda do PIB foi de 7,5%.

Italianos vão às ruas contra revisão de leis

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Milhares de italianos protestaram ontem contra os planos da Fiat e do governo de revisar as leis trabalhistas do país para tornar mais fácil a demissão de trabalhadores. Carregando bandeiras, membros de uniões trabalhistas se reuniram aos arredores da basílica de São João do Latrão, na praça conhecida pelas cenas de violência entre manifestantes e a polícia, em outubro do ano passado, quando dezenas de pessoas ficaram feridas.

O primeiro-ministro Mario Monti disse que espera tornar o mercado de trabalho italiano mais flexível e aumentar o número de mulheres e pessoas mais jovens na força de trabalho, mas as centrais sindicais alegam que a reforma planejada por Monti aumentará o desemprego.

"Não é facilitando as demissões que se vai resolver esse problema", argumentou Maurizio Landini, secretário-geral da Fiom, uma das uniões trabalhistas mais fortes da Itália e responsável pelo protesto de ontem. Landini também criticou a direção da Fiat por tomar "atitudes autoritárias". A Fiom se recusou a assinar o novo contrato coletivo de trabalho com a Fiat com condições de trabalho pesadas em retorno de grandes investimentos.

FMI

A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, alertou ontem contra apostas do mercado contrárias a uma volta da Itália à saúde econômica, dizendo que as recentes reformas implementadas pelo governo italiano podem provar ser uma luz na escuridão da zona do euro. "Eu não ficaria vendida em Itália de maneira alguma", disse Lagarde.

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Embora a Itália tenha sido um problema crescente para a Europa no ano passado em razão de sua enorme dívida, altos custos de financiamento e crescimento anêmico, uma série de políticas econômicas implementadas pelo primeiro-ministro Mario Monti pode fazer com que "a Itália se torne a luz no fim do túnel europeu", afirmou Lagarde.

A diretora do FMI destacou as reformas italianas nos dois últimos meses, que incluíram a permissão para mais concorrência nos setores de serviços e produtos, a reestruturação do mercado de trabalho e ajustes no orçamento que reduziram os gastos sem impedir o crescimento. "Tudo isso é extremamente positivo e é visto como positivo pelos mercados", declarou.