Pelo segundo ano seguido, União, estados e municípios não cumpriram a meta de redução do gasto público. Para economistas, a falta de compromisso desses governos na área fiscal exigirá do Banco Central um aumento maior dos juros e mais aperto no crédito para segurar a inflação em 2011.
Em 2010, em vez da crise econômica, que reduziu a arrecadação de tributos em 2009, o principal responsável pelo resultado abaixo da meta foi o aumento de gastos nas eleições. O governo federal, por exemplo, recorreu a uma série de manobras contábeis para engordar as receitas. Estados, municípios e suas estatais economizaram apenas dois terços do esperado. A economia total do setor público para pagar os juros da dívida (superávit primário) ficou em R$ 101,7 bilhões no ano passado (2,78% do PIB). A meta era de 3,1% do PIB, ou R$ 113,4 bilhões. Como não chegou ao resultado esperado, o governo utilizou um último recurso, como em 2009, que permite reduzir a meta e considerar que, do ponto de vista formal, ela foi alcançada (veja quadro nesta página).
Ao todo, mais de 40% do superávit foi obtido por meio de operações contábeis que não representaram efetivamente aumento de receita ou corte de gastos e que, por isso, não ajudam a reduzir a inflação e a dívida. Em outubro, o governo fez uma operação com a Petrobras que permitiu engordar o superávit em R$ 32 bilhões. Em novembro, retirou a Eletrobras das contas públicas. No mês seguinte, incorporou mais R$ 4 bilhões às suas contas com base em depósitos judiciais na Caixa Econômica Federal e, com isso, realizou naquele mês o maior superávit para meses de dezembro em nove anos (R$ 10,8 bilhões).
Apesar de ter economizado menos, a dívida do setor público caiu na comparação com o PIB: de 42,8% para 40,4%. A economia brasileira cresceu mais que a dívida, que aumentou cerca de 8%.
Previsão
Se no ano passado, mesmo recorrendo a artifícios contábeis, o superávit primário não atingiu a meta cheia, o quadro tende a piorar ainda mais em 2011, segundo o economista e analista de contas públicas do Banco BBM Hui Lok Sin, ao comentar o resultado fiscal consolidado em 2010. As receitas atípicas do ano passado, como a da capitalização da Petrobras, não devem, necessariamente, se repetir em 2011.
"Daqui para a frente vai ser muito difícil atingir a meta de superávit primário de 3% do PIB sem recorrer a mais manobras contábeis", avalia Lok Sin. Para o economista, seria necessário elevar a arrecadação e ampliar o recebimento de dividendos, além do corte de gastos. "A princípio deve ocorrer um forte contingenciamento dos gastos para atingir a meta de 3% esperada pelo Banco Central", acredita o economista do BBM. Ele, porém, ainda não tem os cálculos de quanto o governo terá de contingenciar ou cortar para atingir a meta de superávit primário e, de alguma forma, aliviar o trabalho do Banco Central na condução da sua política monetária.