Ouça este conteúdo
A possibilidade de demissões com a volta de cobrança gradual de impostos sobre salários dos setores que mais empregam no país não está preocupando o governo Luiz Inácio Lula da Silva em ano eleitoral, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Com a Medida Provisória 1.202, editada no fim do ano legislativo, o governo tenta pôr fim à desoneração da folha de pagamentos de 17 setores responsáveis por mais de 9 milhões postos de trabalho, ou quase um terço dos empregos com carteira assinada no país, vigente desde 2011.
Caso a MP não seja revista - ou devolvida, como pretendem parlamentares de oposição - na prática, aumentará os custos previdenciários das empresas destes setores, que afirmam que vai haver corte de postos de trabalho. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que pretende ouvir o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antes de tomar qualquer decisão.
Não existem estimativas precisas, mas centrais sindicais falam em corte de até 1 milhão de vagas, além de impactos nas exportações, em especial do setor calçadista.
Segundo Eduardo José Grin, cientista político e pesquisador Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV) o tema da desoneração e suas consequências não devem impactar a estratégia eleitoral do governo nem dos parlamentares do Partido dos Trabalhadores.
Mesmo precisando garantir uma base de apoio nas eleições municipais, a premissa é que são as questões locais que pesam mais nos pleitos minoritários. "É difícil o eleitor mediano entender este assunto. A própria palavra, reoneração, desoneração, quem é que entende isso, certo? Então, no fim das contas, isso não vai ter tanto efeito na eleição, não vai significar perda de voto para prefeito e candidatos apoiados pelo PT", afirma.
Outro ponto que contribui para os cálculos políticos do governo é a falta de consenso sobre os impactos nos setores desonerados. Na avaliação do pesquisador, não há evidências sobre a geração de empregos por conta dos benefícios a setores escolhidos, ponto que constitui uma crítica recorrente à política de desoneração.
O ministro da Fazenda Fernando Haddad cita um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que mostra que, de 2012 a 2022, o emprego nos setores desonerados caiu 13%, enquanto nas empresas privadas de outros setores, aumentaram 6,3% no mesmo período.
Entre os economistas, no entanto, os números do Ipea são questionados e há divergências sobre os efeitos do aumento da tributação. "Muito provavelmente, os setores sentirão os impactos e algum reflexo haverá na geração de empregos com a reoneração", avalia Daniel Duque, pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre).
Cenário macroeconômico amplia as preocupações com mercado de trabalho
A preocupação com o emprego se intensifica pela perspectiva de queda do crescimento da economia, previsto para este ano. Depois de três anos seguidos com expansão do PIB próxima ou superior a 3%, a média das expectativas para o crescimento em 2024 fica em torno de 1,5%.
Além da alta Taxa Selic, hoje em 11,75% ao ano, a economia deve sofrer com o arrefecimento da atividade global e a manutenção da política de juros altos nas principais economias, aliada à menor taxa de estímulos fiscais, apesar do aumento de gastos públicos pelo atual governo.
Neste cenário, projeções do mercado financeira estimam que a desocupação, que fechou em 7,6% em 2023, suba para algo entre 8% e 8,5% até o fim de deste ano.
Para o diretor-executivo da Frente Parlamentar do Livre Mercado (FPML), Rodrigo Marinho, com a MP, o governo está tentando resolver seu problema fiscal sem pensar nas consequências e no aspecto social. "Se mais encargos forem repassados às empresas, haverá desemprego, o que é contraditório para um partido que se diz defensor do emprego e dos trabalhadores", afirma.
O deputado Evair de Melo (PP-ES), diz que a preocupação do PT em ano eleitoral não é com emprego, mas com a arrecadação. "Haddad, que arrecadar, arrecadar e ter dinheiro em caixa para fazer as bondades deles para comprar o eleitor", afirma.
Questão fiscal está no centro do debate
A reoneração da contribuição das empresas integra o projeto do ministro da Fazenda de aumentar a arrecadação para permitir ao governo manter, ou postergar ao máximo, a revisão da meta fiscal, de zerar o déficit primário este ano, conforme determina o arcabouço fiscal. Para isso, são necessários R$ 168 bilhões em receitas extras. O mercado já precifica que a meta será revista em março, no primeiro relatório anual das contas públicas e projeta um déficit de até 1% do PIB este ano.
Segundo o Ministério da Fazenda, o custo o estimado da desoneração para este ano, que não estava contemplado no Orçamento, seria de pelo menos R$ 18,4 bilhões. Seriam R$ 9,4 bilhões referentes à renúncia fiscal para as empresas dos 17 setores e R$ 9 bilhões em razão da redução de alíquota previdenciária de 20% para 8% sobre o salário do funcionalismo dos municípios com até 156.216 habitantes.
Com a MP, prevista para vigorar a partir de abril, o governo calcula arrecadar R$ 6 bilhões neste ano em contribuições previdenciárias. Outros R$ 20 bilhões virão aos cofres do Tesouro com a limitação da compensação de créditos tributários obtidos por empresas por meio de decisão judicial, embutida na MP. Este ponto é questionado por tributaristas que alegam que a medida não pode retroagir para prejudicar contribuintes que possuem valores a receber do governo. Alguns chegam a definir a iniciativa como confisco, empréstimo compulsório ou calote.
Além disso, o Tesouro pretende economizar outros R$ 6 bilhões este ano com a extinção até 2025, pela MP, dos benefícios tributários concedidos às empresas de promoção de eventos por meio do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), criado para aliviar prejuízos do setor durante a pandemia de Covid-19.
MP prevê oneração gradual em atividades selecionadas
Implantada no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a desoneração perderia a validade no fim deste ano, mas foi mantida pelo Congresso. Atendendo aos interesses de arrecadação, o presidente Lula vetou o projeto, mas o veto foi derrubado por ampla maioria das duas casas legislativas.
A MP, prevista para vigorar a partir de 1°. de abril, foi anunciada em 28 de dezembro pelo ministro Haddad, estabelecendo a volta gradual da contribuição patronal sobre os salários, de forma escalonada, até 2027.
No lugar dos setores, o governo definiu 42 atividades econômicas, divididas em dois grupos, que terão a CPP reduzida em 50% ou 25% no primeiro ano. Pela regra atual de desoneração, as empresas podem substituir a contribuição previdenciária patronal (CPP), de 20% sobre o primeiro salário-mínimo dos funcionários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.
A Gazeta do Povo, como empresa de comunicação, está entre as beneficiadas pela prorrogação da desoneração da folha de pagamento.
Frentes Parlamentares exigem devolução de MP
Desde seu anúncio, a MP tem sofrido uma enxurrada de críticas por entidades dos setores produtivos e frentes parlamentares, que alegaram o desrespeito às decisões do Congresso e pedem a devolução da MP pelo presidente do Senado.
Além de prejudicar os setores com o restabelecimento da cobrança, a alegação é que o texto não contribuiu para arrefecer as críticas sobre as distorções tributárias, ao não explicar o critério para a escolha de setores e atividades a serem beneficiadas.
Para Eduardo Grin, o governo pretendeu, com a MP abrir uma negociação com o parlamento e achar uma solução intermediária que não seja não prejudicial ao ajuste fiscal do governo e, da mesma forma, corrija distorções. "Então, possivelmente, vai sair daí uma terceira possibilidade", afirma.
Marinho, da FPLM defende que, ao invés de eleger setores, o governo estenda a desoneração para todos. " O governo deveria tentar resolver suas contas fazendo como toda família endividada faz, que é cortando despesas, e não onerando ainda mais o setor produtivo", afirma,
Pressionado, Rodrigo Pacheco se reuniu na terça-feira (9) com dez líderes partidários, a maioria de oposição, e, separadamente, com líderes do governo para tentar uma alternativa ao texto.
O ministro Haddad havia ameaçado judicializar o tema, caso a MP fosse devolvida. Pacheco alegou que este é um assunto que já foi discutido diversas vezes pelo Senado desde a implantação da medida, e que não se justificaria alegar a inconstitucionalidade e remeter o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas ainda não decidiu se devolve total ou parcialmente o texto.
A pedido de Lula, Pacheco afirmou que só decidirá o destino da MP após conversa com o ministro Haddad. Segundo declarou a "O Estado de S. Paulo", a ideia é antecipar a decisão para o período de recesso, já que os trabalhos no Legislativo só serão retomados em 2 de fevereiro.
Líderes dos partidos defendem a devolução integral, alegando que a negociação com a Fazenda abre precedente para que os vetos do legislativo sejam questionados. A ideia é tratar com a equipe econômica temas pontuais por meio de projeto de lei.