O governo federal tomou a decisão de ampliar o auxílio-gás, também conhecido como "vale-gás", e quer criar um auxílio para caminhoneiros com o pagamento de uma espécie de "voucher" para custear o preço do óleo diesel. O objetivo é claro: socorrer quase 6 milhões de famílias que recebem o auxílio e até 900 mil caminhoneiros que sofrem com o alto custo do combustível para evitar maiores danos político-eleitorais à campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) e da base governista.
O gás de cozinha já é isento da incidência de tributos federais e o Senado ainda deve votar na próxima semana a proposta de emenda à Constituição (PEC) que compensa os estados que zerarem o ICMS sobre o gás e o óleo diesel. Mesmo assim, aliados do governo cobravam alguma revisão no auxílio-gás aprovado pelo Congresso no ano passado.
O auxílio aos caminhoneiros vem na mesma avaliação política de ampliar os esforços para amortecer os impactos da alta dos combustíveis a uma parcela de trabalhadores que compõe uma base eleitoral significativa de Bolsonaro e foi diretamente impactada pelo último reajuste concedido pela Petrobras às distribuidoras.
Apesar das decisões tomadas, o governo ainda analisa a engenharia política para procedê-las e contabiliza o custo das operações e como pagá-las. O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, alinhou ambas as propostas na terça-feira (21) com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas ainda tenta chegar a um acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Quais as opções avaliadas pelo governo ao vale-gás e ao auxílio caminhoneiro
O governo estuda diferentes propostas para ambos os auxílios. Para a ampliação do vale-gás, há duas sugestões na mesa de negociações. Uma delas é tornar mensal o auxílio-gás que, hoje, é pago a cada dois meses a um valor de R$ 53. Em abril, 5,39 milhões de famílias receberam o vale-gás. Em junho, o benefício foi desembolsado a 5,68 milhões.
Outra sugestão estudada pelo governo é dobrar o ticket atualmente pago, mas mantendo os desembolsos a cada dois meses, ou seja, elevar o benefício para R$ 106. O governo tem o conhecimento de que o custo não é o suficiente, mas analisa que é um valor possível de ser pago dentro da responsabilidade fiscal defendida pelo governo.
Hoje, um valor de R$ 106 para o auxílio-gás seria insuficiente para custear o preço médio cobrado por um botijão em 24 dos 27 estados, segundo aponta a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O ticket estudado pelo governo só não fica abaixo da média no Rio de Janeiro (R$ 100,91), em Pernambuco (R$ 102,67) e na Bahia (R$ 105,60).
Já o auxílio para os caminhoneiros também é analisado sob diferentes propostas. Uma delas, porém, pode ter sido descartada: a de oferecer a quase 900 mil transportadores até o fim do ano um valor de R$ 400 por mês, como é o Auxílio Brasil, o programa social criado pelo governo em substituição ao Bolsa Família. O problema é que esse valor irritou os caminhoneiros e o governo tomou conhecimento das críticas.
O Palácio do Planalto passou então a cogitar um auxílio de R$ 1 mil, mas essa sugestão encontra maior resistência no governo e pode não sair do papel devido ao alto custo que a medida causaria aos cofres públicos. Por esse motivo, um novo valor que passou a ser considerado é o de R$ 600.
Quanto podem custar os auxílios estudados e como operacionalizá-los
O governo propôs a Arthur Lira e Rodrigo Pacheco que a ampliação do vale-gás e a criação do auxílio-caminhoneiro seja embutido na PEC que compensa os estados que zerarem o ICMS sobre o gás e o óleo diesel. Porém, ainda há análises de custos e até jurídicas sobre como operacionalizar o pagamento dos benefícios.
O custo estimado das medidas pode girar em torno de R$ 6 bilhões, sendo R$ 2 bilhões para o aumento do auxílio-gás e R$ 4 bilhões para o auxílio aos caminhoneiros. Entretanto, o custo pode ser ainda maior, pois o valor estimado para os transportadores rodoviários de cargas se baseia no valor de R$ 400. No caso do benefício chegar a R$ 600 ou até mesmo a R$ 1 mil, as contas terão que ser revistas.
Por essas variações nas contas estimadas, Guedes tenta convencer Ciro Nogueira a fechar na proposta de R$ 400 aos caminhoneiros. O ministro da Economia não é fã da ideia de ampliar os subsídios e, consequentemente, as despesas públicas, mas entende a pressão política às vésperas das eleições. O objetivo dele é conter os danos.
A equipe econômica atua para fechar a "PEC dos bens essenciais" em algo em torno R$ 50 bilhões. Até o momento, a conta está em R$ 46,4 bilhões, informa o jornal O Estado de S. Paulo. Seriam R$ 29,6 bilhões para compensar os estados que zerarem as alíquotas do diesel e do gás de cozinha. Outros R$ 16,8 bilhões de desoneração seriam destinados para zerar tributos federais sobre a gasolina. Com os R$ 6 bilhões dos auxílios, fecharia em R$ 52,4 bilhões.
A depender da pressão política, porém, o custo pode ampliar. O próprio líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ), disse ao Estadão que o auxílio aos caminhoneiros "tem que ser R$ 1 mil". À Gazeta do Povo, o vice-presidente nacional do PL, Capitão Augusto (SP), pondera que o valor "mais viável" é o de R$ 400, mas pondera que o ticket ainda está em negociação.
"Ainda estamos negociando com a equipe econômica, mas estou muito confiante e otimista", diz. Para ele, o momento exige medidas emergenciais e terá apoio, inclusive, de parlamentares de partidos da esquerda no Senado e na Câmara para a aprovação da PEC.
O deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM), vice-líder do governo e do partido na Câmara, não identifica dificuldades na discussão de ambos auxílios. "O auxílio-gás já foi aprovado antes, não temos dificuldade em rediscuti-lo. Já a questão dos caminhoneiros é algo legítimo", defende.
O presidente do Senado adverte, porém, que a criação do auxílio caminhoneiro precisa ser avaliada não apenas pelo impacto fiscal, mas também de eventuais restrições previstas pela legislação eleitoral. "Todas as questões relativas à PEC, não só da sua essência como ela está considerada hoje, mas outro instituto que se queira incluir, tudo isso deve ser precedido por um estudo sobre a viabilidade, o impacto e as vedações eleitorais que se tem em razão do período eleitoral", disse Pacheco nesta quarta-feira (22).
A fim de dar legalidade à criação do auxílio caminhoneiro e não infringir a legislação eleitoral, o governo estuda instituir um estado de emergência, informa a Folha de S. Paulo. O estado de emergência seria regulamentado dentro da própria PEC a fim de afastar todas as vedações ou restrições previstas.
Como foi a reação dos caminhoneiros ao auxílio à categoria
A proposta do governo para criar um auxílio aos caminhoneiros não empolgou a categoria. Mesmo a proposta de R$ 1 mil é rechaçada na categoria. A sugestão inicial, de R$ 400, então, gerou uma reação ainda pior, a ponto de mesmo alguns líderes que dialogam com a categoria temerem a retomada de pedidos por greve.
"Se o governo for adiante com essa história de auxílio, ainda mais a esse valor de R$ 400, vai desencadear greve, porque é falta de respeito. É melhor ficar quieto", desabafa um líder com acesso ao Ministério da Infraestrutura. Mesmo a proposta de R$ 1 mil não mudou o ânimo na categoria, afirma o líder autônomo Aldacir Cadore, de Luziânia (GO), que administra um grupo no WhatsApp com a presença de outras lideranças do setor.
"Não muda o humor de ninguém. Caminhoneiro quer poder trabalhar e ter condições para trabalhar. Isso aí, essa compra de voto, não ganha mais ninguém", critica. Cadore ironiza e comenta que o valor acenado pelo governo seria insuficiente até mesmo para ir a Brasília "agradecer" a Bolsonaro pelo benefício.
O presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, o "Chorão", líder da greve dos caminhoneiros em 2018, classificou o auxílio como "piada" e "esmola". "R$ 400 é metade do preço de uma cesta básica, com essa esmola a gente coloca 50 litros de diesel no tanque, é uma vergonha", declarou em nota.
O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de Ourinhos (SP), Júnior Almeida, o "Júnior de Ourinhos", diz que a categoria precisa de uma linha de crédito que seja, de fato, acessível, e não de um auxílio. Ele lembra que o governo criou em 2019 uma linha voltada para a categoria de R$ 500 milhões a um limite de financiamento de R$ 100 mil com uma taxa de juros de 3,3%.
O problema, afirma Júnior, é que poucos caminhoneiros tiveram acesso à linha. "Só o Cresol e o Sicredi [cooperativas de crédito] a operaram. Os grandes bancos não quiseram pois classificaram a categoria como maus pagadores e não quiseram correr o risco", afirma.
Júnior de Ourinhos defende uma linha de crédito que possibilite um limite de financiamento de R$ 400 mil a juros de 1,5% ao mês e a implementação do documento de transporte eletrônico (DT-e), que permitiria a contratação direta entre o caminhoneiro e os embarcadores. "O DT-e cria lastro e contratação que assegura o pagamento aos bancos", destaca.
O caminhoneiro autônomo Janderson Maçaneiro, o "Patrola", líder em Itajaí (SC), diz que a categoria reagiu com "estranheza" ao auxílio, até porque não é a primeira vez que a proposta entra em pauta. A sugestão foi aventada e rejeitada pela categoria no ano passado.
Patrola cita que o movimento mensal da categoria gira em torno de R$ 25 mil a R$ 45 mil mensais. "Levando em consideração que nós movimentamos R$ 162 bilhões por ano, levando em consideração que temos como produto do nosso trabalho um valor agregado muito maior do que muita empresa e microempresa do país, com qualquer veículo custando entre R$ 600 mil e R$ 700 mil, fica bastante complicada essa proposta do governo", diz.
O líder autônomo de Itajaí ressalta que, em várias ocasiões, a categoria deixou claro ao governo que a ideia de auxílio não seria o caminho a ser debatido. "Nós precisamos é da contratação direta, negociar o nosso próprio frete, ter condições de repassar nossos custos para o nosso trabalho. É disso que precisamos, de condições de trabalho, não de um auxílio", destaca.
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