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O governo prometeu baixar o preço do gás de cozinha, mas o produto acabou ficando mais caro. Desde que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu – em abril de 2019 – que o custo do botijão cairia pela metade num prazo de dois anos, o preço subiu cerca de 13%.
O preço do GLP (gás liquefeito de petróleo, conhecido informalmente como gás de cozinha) subiu mais que a inflação em 2020 e continua em patamar elevado neste ano. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o gás de cozinha (GLP) encerrou o ano passado com alta de 9,24%. O percentual é mais do que o dobro da inflação registrada em 2020, que foi de 4,52%. Os dados foram divulgados pelo IBGE.
O preço médio do botijão de 13 quilogramas ao consumidor final oscilou entre R$ 69 e R$ 70 na maior parte do ano passado, segundo as pesquisas semanais da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Passou a subir a partir do fim de outubro. Em dezembro, bateu recorde e chegou a uma média de R$ 75, podendo ser encontrado em algumas regiões do país a R$ 110.
Mas a alta não parou por aí. Na última semana de janeiro de 2021, o preço variava de R$ 60 a R$ 105, conforme a região, com preço médio de R$ 77,78, segundo a ANP. O valor – o mais alto da série histórica da agência reguladora – está 11,5% acima do registrado em janeiro de 2020, quando o consumidor pagava, na média, R$ 69,74.
A disparada do valor do gás de cozinha tem dois principais motivos. O primeiro é a alta do petróleo. A Petrobras tem autonomia para definir o preço do gás liquefeito de petróleo (GLP) que é vendido aos distribuidores com base nas variações do petróleo no mercado internacional. O GLP, que é o gás de cozinha, é produzido a partir do petróleo.
Os reajustes não têm periodicidade definida, ou seja, a estatal muda de acordo com as oscilações do mercado. O preço do barril de petróleo tipo Brent caiu no começo de 2020, devido à pandemia de Covid-19, mas depois reagiu. Em março, o barril foi negociado abaixo de US$ 20. Em dezembro, o preço médio estava em US$ 49,87. Neste ano, continua a escalada, chegando a US$ 56.
Outro fator que ajuda a explicar a alta do gás de cozinha é a valorização do dólar. Como o preço do barril de petróleo é cotado em dólar, cada vez que a moeda americana fica mais forte frente ao real, o preço final dos derivados de petróleo fica mais caro para o brasileiro. Em 2020, o dólar fechou em R$ 5,189 frente ao real, uma alta acumulada de 29,33%.
O governo alega, também, que a pandemia influenciou os preços no ano passado. Muitas famílias e pequenos comércios, com medo de um desabastecimento, estocaram o produto em casa, o que levou à falta do botijão nas distribuidoras. A falta do produto fez com que o seu preço subisse.
Guedes tinha prometido reduzir o preço pela metade. Bento falou em "cair muito"
O governo, porém, tinha prometido reduzir o preço do gás de cozinha substancialmente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou no dia 4 abril de 2019, em um evento da 22ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, que o preço cairia pela metade em dois anos. Foi aplaudido pelos prefeitos.
“Daqui a dois anos, o botijão de gás vai chegar na metade do preço na casa do trabalhador brasileiro. Vamos quebrar esses monopólios e vamos baixar o preço do gás e do petróleo com a competição”, disse Guedes na época.
Naquele momento, o preço médio nacional do botijão de 13 quilos era de R$ 68,91, de acordo com pesquisa semanal da ANP. Desde então, o produto subiu 13%. Hoje – segundo o dado mais recente, da semana encerrada em 30 de janeiro – o botijão sai por R$ 77,78.
A promessa de Guedes foi repetida em outras ocasiões. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, não falou em percentual, mas também afirmou que a queda seria sentida pelo consumidor. "O preço do botijão vai cair muito, porque nós estamos adotando ações para tornar a concorrência maior no setor", disse Bento em uma live no dia 7 de agosto de 2020.
Na época, ele afirmou que o aumento se deu devido ao estoque do produto em meio à pandemia de Covid-19, e que o preço se normalizaria com a queda do consumo. "Muitas pessoas estocaram o botijão por causa da pandemia e o próprio revendedor se aproveitou dessa situação, mas agora o consumo já caiu um pouco."
O que diz o governo sobre a alta do preço
Em nota à Gazeta do Povo, o Ministério de Minas e Energia (MME) diz que o governo federal trabalha para aumentar a oferta doméstica e a competição em todas as etapas de comercialização de derivados de petróleo, inclusive do gás de cozinha. A pasta defende a aprovação do projeto "Novo Mercado de Gás" para reduzir o preço do gás ao consumidor.
"Iniciativas como Novo Mercado de Gás e Abastece Brasil, coordenadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME), têm como objetivo comum fomentar a competição nesse mercado e atrair investimento para expansão da infraestrutura", diz o MME. " O Novo Mercado de Gás agora é ainda mais estratégico para o país para atrair investimentos em infraestrutura, gerar empregos e oferecer melhores preços aos consumidores", completa.
O Novo Mercado de Gás é o marco regulatório do setor de gás natural, que tem como objetivo destravar investimentos na área. O texto acaba com o regime de concessão e permite que novos gasodutos sejam construídos através do regime de autorização, que é mais flexível. Também obriga em lei a Petrobras a abrir seus dutos para terceiros.
O texto é a aposta do governo para ampliar a competição no setor, até então pouco explorado no país e dominado pela Petrobras. Com mais competição, o governo espera que o preço do gás natural caia. O gás de cozinha (GLP) contém cerca de 20% de gás natural.
O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados no ano passado, mas ao passar pelo Senado em dezembro sofreu modificações e teve que voltar para análise dos deputados.
Governo e Petrobras dizem que preços são definidos pela livre concorrência
A Gazeta do Povo perguntou ao MME e ao Ministério da Economia se o governo pretende adotar alguma outra medida para controlar o preço do gás natural, além do estímulo à competição através do novo marco regulatório. O Ministério da Economia afirmou que não vai se pronunciar.
O MME disse que a lei nº 9.478/1997 estabeleceu o regime de liberdade de preços no Brasil. "Assim, desde 2002, não há qualquer tipo de tabelamento nem fixação de valores máximos, mínimos, ou qualquer exigência de autorização oficial prévia para reajustes. A prática de preços de mercado é condição decisiva para a atuação dos agentes econômicos e o fornecimento de combustíveis".
O congelamento de preços foi uma prática adotada por outros governos para segurar o repasse da alta do dólar e do petróleo ao consumidor. O GLP teve seu preço congelado entre 2007 e 2014. A partir do governo Michel Temer, o congelamento acabou, mas só foram permitidos reajustes mensais, para dar previsibilidade ao setor.
Em 2019, com o governo Bolsonaro, adotou-se a prática do livre mercado. Ou seja, a Petrobras tem liberdade para aumentar ou reduzir o preço conforme as oscilações do dólar e do mercado internacional de petróleo. O mesmo acontece com os demais combustíveis.
"Os preços do gás liquefeito de petróleo (GLP) vendidos às distribuidoras têm como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias, por exemplo. A paridade é necessária porque o mercado brasileiro de combustíveis é aberto à livre concorrência, dando às distribuidoras a alternativa de importar os produtos. Além disso, o preço considera uma margem que cobre os riscos (como volatilidade do câmbio e dos preços)", diz a Petrobras.
A estatal lembra que o preço de venda às distribuidoras não é o único determinante do preço final ao consumidor. "Como a lei brasileira garante liberdade de preços no mercado de combustíveis e derivados, as revisões feitas pela Petrobras podem ou não se refletir no preço final, que incorpora tributos e repasses dos demais agentes do setor de comercialização, como distribuidores e revendedores."
Em média, o custo final do gás de cozinha é formado da seguinte forma: 48% Petrobras; 34% distribuição e revenda; 15% ICMS (imposto estadual); e 3% PIS/Pasep e Cofins (impostos federais).
A Petrobras também nega que o gás de cozinha passou a pesar mais no bolso do trabalhador. "Em 2007, o preço ao consumidor do botijão de 13 quilos chegou a representar 8,7% do salário mínimo. Desde então, tem oscilado entre 6% e 8%. Em 2019, correspondeu a 6,9% do salário mínimo e, no ano passado, a 6,8%", diz a estatal.