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Retratos da economia

Governo quer aprovar série de marcos legais em até 90 dias para destravar investimentos

Plataforma da Petrobras
Governo planeja modificar os marcos regulatórios do petróleo e do gás natural. (Foto: Petrobras/Agencia Brasil)

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Após a aprovação do saneamento no fim de junho, o governo espera que o Congresso vote uma série de marcos legais entre os próximos 60 a 90 dias. O objetivo é que os novos marcos regulatórios destravem investimentos privados da ordem de bilhões de reais nos próximos anos. A aprovação dos textos faz parte da agenda de recuperação da economia no pós-coronavírus. As informações foram divulgadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

“O nosso Congresso vai avançar com as reformas que permitem destravar o horizonte de investimentos. O saneamento foi um bom exemplo dado, mas é só o começo”, disse o ministro em live promovida pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) no começo de julho.

Segundo o ministro, o objetivo do governo é aprovar nos próximos 60 a 90 dias os seguintes marcos regulatórios:

  • Gás natural – abre o setor de gás natural, hoje dominado pela Petrobras e pouco explorado no país, à iniciativa privada;
  • Setor elétrico – abre o mercado livre de energia a todos os consumidores e reduz subsídios cruzados;
  • Cabotagem – cria novas regras para a chamada “BR do Mar”, ampliando a concorrência e incentivando o uso da costa marítima brasileira no transporte de cargas; e
  • Petróleo – permite que as áreas do pré-sal sejam exploradas pelo regime de concessão (hoje é só pelo regime de partilha) e acaba com o direito de preferência da Petrobras.

“Todos os setores de infraestrutura serão objeto de investimento [privado] assim que destravarmos essas medidas, definindo os marcos regulatórios”, explicou o ministro. “Daí a importância dos marcos regulatórios, porque eles vão ajudar nos investimentos privados, dando mais segurança jurídica [aos investidores]”, completou.

Os marcos regulatórios defendidos pelo ministro estão sendo costurados pelo governo em parceria com o Congresso. Em linhas gerais, eles modernizam as leis existentes para dar mais segurança jurídica a investimentos de longo prazo, acabam com o monopólio do setor público – nas áreas em que ele ainda existe – e retiram regulações vistas como excessivas e que afastam investidores.

Por isso, a aprovação dos textos é considerada fundamental para o “destravamento das fronteiras de investimento brasileiro”, nas palavras do ministro.

Guedes pede ao Congresso ajuda para aprovar os textos

Em audiência pública virtual no Congresso no fim de junho, o ministro pediu ajuda ao Congresso para destravar essa agenda. Segundo Guedes, com a aprovação desses marcos, será possível o Brasil “surpreender o mundo”, saindo da crise causada pelo coronavírus mais rápido do que a maioria espera.

“Então, temos 60, 90 dias para destravarmos a fronteira de investimento. Saneamento, cabotagem, setor elétrico, petróleo, gás natural, tudo isso. É nesse sentido que nós vamos surpreender o mundo daqui a dois, três meses”, disse Guedes a senadores e deputados.

“Quando tivermos já realizado a volta segura ao trabalho [no pós-coronavírus], estaremos já disparando nossas ondas de investimento exatamente por esse trabalho de aperfeiçoamento do marco regulatório, do marco institucional brasileiro pelo Congresso”, concluiu.

Maia vê agenda com pessimismo

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vê com pessimismo a priorização da agenda de marcos regulatórios em detrimento da agenda de reformas estruturantes. Ele avalia que aprovar apenas marcos regulatórios não vai resolver os problemas mais urgentes da economia.

“Vejo com pessimismo a decisão do governo de abandonar a linha de reformar o Estado. Estou fazendo o debate do futuro, na reforma administrativa deve ter o foco maior na meritocracia, menos estabilidade, uma cadeia salarial com mais tempo, salários médios mais baixos; e um sistema tributário que garanta segurança jurídica”, disse em coletiva de imprensa na semana passada.

“Se não fizermos isso, não vejo como marcos regulatórios vão resolver nossos problemas", completou. O governo desistiu de enviar neste ano a reforma administrativa ao Congresso. Também não há garantia que o texto será enviado em 2021. Já em relação à reforma tributária, a equipe econômica diz que o assunto é prioridade, mas também nunca envia a proposta ao Congresso.

Nova Lei do Gás é primeira prioridade

Dentre os marcos defendidos pelo ministro Guedes, a prioridade está na nova Lei do Gás, que está sendo discutida com base no projeto de lei (PL) 6.407/13, em tramitação na Câmara dos Deputados. A nova legislação faz parte do projeto que o Guedes chama de “choque de energia barata” ou “novo mercado de gás”.

O projeto em discussão na Câmara permite que empresas com sede no Brasil possam atuar no mercado de gás natural por meio de autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Atualmente, só é possível por concessão – e, desde que a modalidade foi implantada, em 2009, nenhuma foi feita.

Com isso, a Petrobras domina a produção, transporte e distribuição de gás natural no país. Ao todo, o Brasil tem 9,4 mil quilômetros de gasoduto. A extensão é considerada pequena para o tamanho do país.

A leitura da equipe econômica é que a nova legislação deve atrair novos players para o mercado, que vão construir e explorar mais gasodutos, ampliando e barateando o custo desse combustível, utilizado pela indústria como fonte de energia.

Lei do petróleo

Além do gás, o governo quer mudar as regras do setor de petróleo, conforme mostrou a Gazeta do Povo em dezembro. A intenção é permitir que as áreas do pré-sal sejam exploradas pelo regime de concessão, que é mais flexível. Atualmente, essas áreas só podem ser leiloadas pelo regime de partilha, mais rígido e oneroso às empresas.

O governo espera ainda acabar com o direito de preferência da Petrobras na exploração das áreas do pré-sal. Essas discussões estão sendo feitas sobre o PL 3.178/2019, em tramitação no Senado Federal.

A equipe econômica atribui ao regime de partilha e à preferência da Petrobras o fracasso dos dois últimos leilões do pré-sal. O leilão da cessão onerosa acabou com somente duas das quatro áreas arrematadas, e a 6ª rodada teve apenas um bloco arrematado, de um total de cinco. Com isso, o governo deixou de arrecadar R$ 39,3 bilhões nesses dois leilões, realizados na primeira semana de novembro de 2019.

Os leilões também não atraíram participação de estrangeiros, com exceção dos chineses. As áreas arrematadas ficaram com a Petrobras, algumas em consórcio com estatais chinesas.

“Se nenhuma das principais petroleiras do mundo compareceu ao leilão de concessão onerosa, tem alguma coisa errada", afirmou Guedes em entrevista recente à CNN. "Vamos ter de mudar o sistema de partilha, pois não funciona como deveria", completou. Ele ainda disse que o sistema de partilha é mais suscetível à corrupção.

BR do Mar

Outro projeto considerado prioridade pelo governo é a BR do Mar, o marco legal da cabotagem. Cabotagem é o termo técnico utilizado para realização do transporte de cargas entre portos brasileiros utilizando a costa marítima do próprio país.

A cabotagem ainda é pouco explorada no Brasil, considerando o tamanho da nossa costa. Somente 11% do transporte de cargas no Brasil é feito por cabotagem, segundo o Ministério da Infraestrutura. O governo quer incentivar essa modalidade de transporte para desafogar principalmente as rodovias.

O projeto ainda será enviado pelo governo ao Congresso. Em junho, o texto estava pronto para avaliação do Planalto. A proposta aumenta a oferta de cabotagem no país, cria mais rotas, diminui os custos, incentiva a concorrência e muda o Fundo da Marinha Mercante, permitindo movimentações que não eram permitidas.

Setor elétrico

Por fim, o governo espera aprovar o novo marco regulatório do setor elétrico. O tema está em discussão no Senado, por meio do PL 232/2016. Em linhas gerais, o novo marco abre o mercado livre de energia a todos os consumidores e reduz subsídios cruzados.

O texto em discussão prevê que todos os consumidores poderão optar pelo mercado livre de energia, ou seja, escolher o seu fornecedor, após um período de transição. O projeto também estabelece o compartilhamento entre as distribuidoras dos custos com a migração de consumidores para o mercado livre.

O novo marco regulatório reduz, ainda, os chamados subsídios cruzados, que jogam pra cima o preço da conta de luz. O que acontece é que os consumidores do mercado regulado, ou seja, de energia tradicional acabam, na prática, assumindo os custos dos subsídios dados pelo governo para geração de fontes alternativas de energia, como a solar e a eólica.

Saneamento foi primeiro marco aprovado

O Congresso já deu o “start” para a agenda de renovação dos marcos regulatórios. No fim de junho, o Senado aprovou o marco legal do saneamento básico, que facilita a entrada da iniciativa privada no setor. O texto aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro. O tema estava em discussão no Congresso havia mais de 20 anos.

Com a nova lei, acabam os chamados contratos de programa, em que os municípios transferiam a execução dos seus serviços de saneamento para empresas públicas dos governos estaduais.

Haverá um processo de transição até que os municípios e estados fiquem obrigados a abrir licitação para contratação de serviços de saneamento, com participação de empresas públicas e privadas. Atualmente, 94% das cidades são atendidas por estatais e apenas 6% pelo setor privado.

A nova legislação também facilita a privatização de companhias estaduais de saneamento. Essas estatais valiam até o ano passado cerca de R$ 140 bilhões, de acordo com o Ministério da Economia.

Ainda segundo estimativas da pasta, o marco regulatório pode atrair até R$ 700 bilhões em investimentos ao longo dos anos, dinheiro que seria suficiente para cumprir as metas de universalização de água e tratamento de esgoto até 2033.

Segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, a aprovação do marco do saneamento foi uma grande vitória para o Brasil. “Esse novo marco do saneamento é uma revolução que nós podemos comparar a revolução das telecomunicações, quando foi privatizado o sistema Telebras”, declarou em entrevista à Gazeta do Povo.

Esta reportagem é parte da série "Retratos da economia", que detalha os efeitos do coronavírus sobre a economia brasileira e a resposta do governo. Os demais textos da série estão aqui.

Conteúdo editado por: Fernando Jasper

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