O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou três projetos para o Congresso Nacional para emancipar as chamadas estatais dependentes e retirá-las do Orçamento. Na prática, os projetos suavizariam as regras permitindo que essas empresas deixem de integrar as contas governamentais, ainda que, durante o processo de emancipação, sigam dependentes de recursos do Tesouro Federal.
As estatais dependentes são aquelas que não conseguem bancar despesas do dia a dia com recursos próprios.
Com o alívio desses gastos no Orçamento, o governo teria, supostamente, mais munição para gastar em outras frentes, sem afetar o arcabouço fiscal. Por essa razão, as propostas têm sido interpretadas como uma tentativa de “manobra” no Orçamento para que o governo siga gastando. Além disso, análises também apontam para uma possível falta de transparência na transição dessas empresas. O governo nega.
Dos projetos enviados ao Congresso, dois visam mexer nas regras do Orçamento ainda em 2024 e outro em 2025. As propostas são do Ministério do Planejamento, e Orçamento e foram assinadas pela ministra Simone Tebet. O presidente Lula as encaminhou ao Congresso Nacional no dia 4 de outubro e ainda não há previsão de votação.
Ao jornal O Estado de São Paulo, que revelou os projetos, o Ministério do Planejamento afirmou que a retirada das estatais dependentes do Orçamento melhoraria a situação fiscal das contas públicas, já que, atualmente, os recursos a elas destinados são contabilizados nas contas federais e acabam “concorrendo com outros gastos da administração”.
O ministério ainda destacou a importância da medida para a melhora do cenário fiscal do governo. “Trata-se de proposta destinada a reduzir os repasses de recursos da União para empresas estatais dependentes e, desse modo, melhorar a situação fiscal”, afirmou a pasta ao jornal paulista.
Por outro lado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que em nenhuma hipótese as medidas visam tirar as estatais do arcabouço fiscal. “Absolutamente, não se mexe em nada da regra fiscal, isso é uma coisa muito errada que foi veiculada e está trazendo muito ruído”, disse ele em conversa com jornalistas nesta quarta-feira (16).
De acordo com o ministro, o único objetivo das propostas é fazer com que as estatais dependentes possam se emancipar. “Hoje tem algumas estatais que dependem do governo federal e podem deixar de depender. Esse é o objetivo da medida, não tem nada a ver com arcabouço fiscal, tem a ver com torná-las viáveis do ponto de vista econômico e menos dependentes até o ponto em que não precisem de recursos orçamentários”, afirmou Haddad.
Para se tornarem independentes, estatais devem sair do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social
As propostas do governo são de que essas estatais dependentes saiam do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, e integrem o Orçamento de Investimento – onde estão alocadas as estatais independentes, como a Petrobras, por exemplo.
Para tanto, propõe-se fazer a assinatura de um contrato de gestão para que as despesas saiam do Orçamento convencional ainda em sua fase de transição para o status de independentes. Segundo as propostas, o contrato de gestão deverá delimitar os objetivos e as metas de desempenho para que as estatais adquiram sustentabilidade econômica e financeira.
Além disso, o salário dos empregados, no período de transição, deverá respeitar o teto constitucional do funcionalismo público – de R$ 44.008,52 mensais, o equivalente à remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo a regra atual, podem se tornar autônomas as as estatais dependentes que apresentem um plano de sustentabilidade econômica e financeira, que não tenham utilizado recursos do Tesouro para pagar despesas de pessoal e de custeio geral, e cuja arrecadação seja suficiente para cobrir 80% desses gastos. Além disso, até a aprovação do plano, toda a contabilidade é feita dentro das regras do Orçamento Federal.
Ao todo, 17 estatais são listadas como dependentes, dentre as quais se encontram a Telebras, que fornece internet para os órgãos públicos; a Infra S/A, responsável por projetos de infraestrutura; a Conab, encarregada do abastecimento e distribuição de alimentos; a Embrapa, líder em pesquisa agropecuária; e a Codevasf, que faz obras nos vales do Rio São Francisco e do Parnaíba.
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, comandado pela ministra Esther Dweck (PT), é o órgão responsável pelas estatais dependentes. Ao Estadão, a pasta afirmou que as medidas têm o objetivo de fazer com que essas empresas “recuperem sua sustentabilidade e não precisem mais de recursos da União no médio prazo”.
Proposta gera preocupação em relação à transparência e ao impacto dos projetos sobre a regra fiscal
A Consultoria de Orçamento do Senado avaliou as propostas e destacou que os projetos não apresentam justificativa para as mudanças elencadas. Além disso, ainda concluiu que permitem que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, ou seja, fora das regras do Orçamento.
Dessa forma, seu orçamento escaparia de restrições como o congelamento de gastos e a obrigação de registrar as despesas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), o que levanta questões sobre a transparência no processo de transição.
A área técnica do Senado Federal ainda emitiu uma nota na qual também avalia que a proposta é omissa em relação à aplicação ou não das restrições do Orçamento às despesas das estatais que passarão a ser custeadas com receitas próprias.
“Em tese, o contrato de gestão permitirá que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o contingenciamento e, segundo a redação proposta para o art. 6.º, a obrigação de registrar as despesas no Siafi”, diz a nota técnica.
Outro ponto destacado na nota é que o projeto propõe alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que não são permitidas pela legislação. “A LDO não pode excluir despesas primárias da apuração da meta de resultado primário do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social”.
Diante dessas considerações, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) já elaborou um requerimento solicitando esclarecimentos ao Ministério do Planejamento, incluindo o cálculo de impacto dos projetos sobre o arcabouço fiscal.
Ventura afirmou que “as mudanças levantam sérias preocupações sobre a transparência e o controle dos gastos públicos". "Ao retirar as estatais dependentes do orçamento fiscal, o governo não só abre espaço para mais despesas, como dificulta o acompanhamento do uso desses recursos”, disse a parlamentar ao jornal paulista.
Governo afirma que propostas permitirão que estatais dependentes se emancipem
O ministro Fernando Haddad foi taxativo ao afirmar que as medidas visam somente a emancipação das estatais dependentes, e que não haverá mudança na regra fiscal.
“O que acontece é que algumas estatais dependentes podem deixar de ser dependentes, no curto espaço de tempo. Então, nós estamos explorando a possibilidade de reduzir o aporte federal para essas estatais que têm condição de se emancipar, por assim dizer, do Orçamento federal”, disse o ministro.
Ao Estadão, o Ministério da Gestão afirmou que as medidas trazem mudanças no Orçamento Federal. “O governo federal propôs mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias para que empresas estatais que hoje se encontram na condição de dependência tenham uma alternativa para recuperar sua sustentabilidade financeira, gerar receitas próprias e não precisar mais, no médio prazo, de recursos da União para o custeio de suas atividades”, afirmou a pasta.
Em relação à transparência da contabilidade das estatais dependentes durante a sua transição, o Ministério do Planejamento também afirmou que, no novo modelo, os gastos continuarão com o acompanhamento no Siop (Sistema de Planejamento e Orçamento) e com a publicação de relatórios bimestrais de execução.
Sobre os comentários da Consultoria do Senado, a pasta afirmou que o contrato de gestão não configura desconto de despesa da meta de resultado primário. Além disso destacou que, não só as despesas, mas também as receitas passarão a serem registradas no Orçamento de Investimento, onde estão as estatais independentes.
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