O presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o presidente do BNDES Aloízio Mercadante: incentivos com proteção à indústria| Foto: Ricardo Stuckert/PR
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O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem investido em um programa de "neoindustrialização" do país sob o argumento de que as grandes economias do mundo estão retomando esforços em política industrial.

Além do presidente Lula, seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, citaram, em defesa do recém-lançado programa Nova Indústria Brasil (NIB), exemplos de potências mundiais que têm incentivado setores específicos via créditos subsidiados, reafirmando a crença no Estado indutor do desenvolvimento.

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O programa, que vai destinar R$ 300 bilhões – a maioria via BNDES – para tirar a indústria nacional da estagnação, recebeu críticas por estar repetindo políticas já testadas e que não deram certo. No lançamento, o presidente do banco de fomento rebateu as críticas e comparou a iniciativa a políticas implementadas por China e Estados Unidos.

"Quero perguntar a esses que todos os dias escrevem dizendo que estamos trazendo medidas antigas: me expliquem a China. Por que a China é o país que mais cresceu no mundo durante 40 anos? Me expliquem a política econômica americana: subsídio, incentivo, investimento público, atraindo empresas, inclusive, brasileiras, que estão indo para lá por esses subsídios, que recebem na frente, em dinheiro do Tesouro", enfatizou Mercadante.

A pergunta em relação à China recebeu respostas de economistas liberais nas redes sociais, desmistificando a comparação. O argumento é que o petista não considerou que um dos principais motores do desenvolvimento chinês foi exatamente a abertura ao comércio exterior, pelo líder Deng Xiaoping, a partir do fim dos anos 1970. A medida encerrou o isolamento vigente desde a adoção do regime comunista de Mao Tse-Tung e, ao lado de reformas econômicas e foco em tecnologia, impulsionou o crescimento do país.

"A China cresceu quando abandonou o dirigismo estatal e o forte viés intervencionista e passou a liberar os mercados. Isso se intensificou nos anos 1990 e 2000, quando o capital privado internacional, ao lado do público, também passou a financiar o desenvolvimento da China que se abria para o mundo", explicou o economista Fernando Ulrich, da Liberta Investimentos, em seu canal no YouTube.

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Comparação com EUA é falaciosa

A comparação com os incentivos que vem sendo dados a setores de tecnologia nos EUA é, no mínimo, inadequada, segundo economistas ouvidos pela Gazeta do Povo. A tese não leva em conta as realidades fiscais e tributárias, o ambiente de negócios dos países e, sobretudo, os níveis de qualificação e produtividade das empresas.

"Tem uma falta de entendimento muito grande neste tema. De fato, esses países têm direcionado crédito para determinados setores, mas são recursos para indústrias muito competitivas globalmente. E elas se tornaram competitivas por um conjunto de outros fatores macroeconômicos mais relevantes, entre eles o enorme avanço na educação, que se refletiu numa mão de obra muito qualificada", diz o economista Aod Cunha, do Instituto Millenium.

"Esses países já fizeram o dever de casa, têm outro ambiente de negócios, alto índice de poupança interna e condições favoráveis para poder eleger alguns setores e fazer inovação", prossegue.

Cláudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), classifica de falaciosa a comparação feita por integrantes do governo.

"Primeiro, não há políticas institucionalizadas nestes países. Mas, principalmente, em nenhuma delas há exigência de conteúdo local, que promove a ineficiência das empresas pela falta de competição com o mercado externo", afirma o economista, lembrando que o programa do governo Lula prevê prioridade de compras nacionais nas compras governamentais e projetos de infraestrutura, mesmo que a preços mais altos, como forma de impulsionar a indústria.

Para Ulrich, apesar de ter adotado recentemente políticas de incentivos a determinados setores, os EUA têm um ambiente institucional que vai continuar atraindo investimentos do mundo inteiro. "O país cresceu, enriqueceu e se consolidou como maior economia do mundo graças a fatores estruturais e de liberdade econômica. Vai continuar crescendo apesar das políticas intervencionistas e não por causa delas", afirma.

Cesar Mattos, professor da Universidade de Brasília (UnB) e Fundação Getúlio Vargas (FGV-DF), destaca que o governo tem usado, erroneamente, um relatório do FMI para validar a onda de novas políticas industrias no mundo. "Os mecanismos de compras públicas, margem de preferência e conteúdo local são importantes indutores do desenvolvimento industrial e são largamente utilizados em todo o mundo, em todas as políticas industriais. Um relatório recente (publicado agora em janeiro de 2024) do FMI mostra justamente isso: a volta das políticas industriais com fortes incentivos dos países, entre eles o mecanismo de compras públicas”, afirma o governo numa lista de "Fatos e Fakes" publicadas no site oficial.

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Segundo Mattos, é exatamente o contrário. "O relatório admite a onda de novas políticas industriais no mundo todo. Mas além das consequências negativas para o próprio país que adota as novas políticas industriais, o FMI alerta para os transbordamentos negativos para outros países e todo o sistema de comércio internacional baseado na Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesse contexto, aponta que as regras atuais de defesa contra o protecionismo no mundo precisarão se atualizar para evitar os impactos ruins sobre o bem-estar global. Definitivamente, buscar este texto do FMI para apoiar a NIB é uma fake news", afirma.

Política industrial divide economistas

O debate sobre a necessidade de adoção de algum tipo de política industrial é tema recorrente, sobretudo quando se quer impulsionar rapidamente o crescimento. É o que o governo Lula pretende, atento às projeções de mercado que apontam para uma desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.

Os economistas se dividem entre os que defendem o uso de políticas horizontais, ou seja, para toda a indústria, e aqueles que pregam iniciativas voltadas a segmentos específicos. Normalmente, economistas dirigistas tendem a eleger áreas ditas estratégicas, enquanto a ótica liberal defende que os estímulos, quando houver, devem ser lineares.

No Brasil, foram inúmeras as vezes em que se tentou direcionar a produção industrial, aumentando a participação de setores supostamente geradores de maior crescimento econômico. Por muito tempo, principalmente entre as décadas de 1950 e 1980, o esforço ficou reduzido à imposição de tarifas protecionistas, como imposto de importação, índices de nacionalização de produtos e preferência nas compras governamentais, além de subsídios e políticas cambiais para promover exportações.

Cunha compara as iniciativas. "[A NIB] é uma ideia de crescimento parecida com a do final da década de 1970 com o segundo PND [Plano Nacional de Desenvolvimento, desenvolvido na ditadura militar, com foco em substituição de importações e aumento de exportações de bens de capital]. Esse negócio visivelmente não funcionou. O Brasil teve uma enorme crise de endividamento", ressalta.

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Após os anos 1980, que ficaram conhecidos como "década perdida" pelo baixo crescimento, houve tentativas pontuais que também se mostraram desastradas. Um dos exemplos foi a lei de informática, que buscava proteger a indústria nacional nascente mas acabou atrasando as inovações. "Ficamos com uma indústria nacional que foi sucateada durante muito tempo e depois fomos dar conta disso", afirma Cunha.

A abertura comercial promovida de maneira abrupta pelo governo Fernando Collor de Mello, nos anos 1990, não foi suficiente para promover a competitividade da indústria. A partir dos anos 2000, iniciativas envolvendo crédito subsidiado se repetiram sem nenhuma geração de desenvolvimento sustentável da indústria nacional.

Pelo contrário, a fórmula repetida seguidas vezes resultou em desarranjo fiscal, inflação e aumento da taxa de juros. "O exemplo mais recente foi a política de campeões nacionais, no governo Dilma Rousseff (PT) que contribuiu para a recessão de 2016, a maior em décadas", diz o economista do Millenium.

Desenvolvimento da indústria exige competitividade

O governo tem defendido que a Nova Política Brasil será horizontal, ou seja, para todos os setores interessados, e que os recursos não serão virão do Orçamento do Tesouro, preservando o aspecto fiscal. Mesmo assim, os economistas consideram seu princípio essencial de direcionamento de crédito via BNDES insuficiente para alavancar a indústria.

Para Cláudio Considera, as políticas que deram certo no país nunca prescindiram de inovação e planejamento. Ele cita os casos bem sucedidos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, um marco em desenvolvimento e tecnologia agrícola; da Embraer, empresa nacional que se tornou uma das maiores companhias de jatos comerciais do mundo; e da Petrobras, que hoje é líder mundial na exploração de petróleo em alta profundidade.

"Todos os projetos contaram com transferência para recursos para investimento em tecnologia e inovação, ligados a universidades e centros de pesquisa", diz.

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No entendimento de Cunha, os exemplos externos clássicos de industrialização, da Coreia do Sul e Japão, demonstram a necessidade de reformas estruturais, especialmente na educação e qualificação.

"Fala-se muito dos asiáticos também, mas a Coreia do Sul, por exemplo, promoveu uma revolução educacional. Investiu significativamente em qualidade de ensino básico e avançado, voltado à formação de mão de obra e competitividade da indústria", diz.

"Se a gente quer ter empresas competitivas, precisa ter capital humano competitivo. A produtividade vai subir quando houver trabalhadores mais qualificados. E essa qualificação tem vir de baixo, tem que vir desde a educação básica", avalia.

No Brasil, a maior parte dos recursos com educação é gasta com o ensino superior. Segundo dados do relatório Education at a Glance 2023, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o governo brasileiro investe US$ 14.735 anualmente por estudante universitário, praticamente o mesmo que a média do grupo, que é de US$ 14.839. Na educação básica, porém, o investimento brasileiro é de US$ 3.583 anuais por aluno, apenas um terço da média da OCDE (US$ 10.949). No quesito ensino básico, o Brasil é o terceiro pior no ranking de 50 países preparado pela organização.

"É um erro conceitual achar que a gente vai fazer reindustrialização ou expandir a participação da indústria por decisões de curto prazo do Estado, direcionando o crédito, e deixando de lado uma agenda que é conhecida e que explica o sucesso de outros países, que é aumentar a produtividade, melhorar o ambiente de negócios e que passam por uma série de reformas. Não é simplesmente o governo apontar lá o botão de crédito e dar mais dinheiro barato" afirma Aod Cunha. "Com este plano, o governo vai, no máximo, dar um fôlego adicional para a indústria e promover um voo de galinha."

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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