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reforma tributária sobre consumo
Estudo projetou impactos macroeconômicos da reforma tributária sobre o consumo prevista na PEC 45.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Tratada como prioridade pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma reforma tributária sobre o consumo poderia resultar em um aumento da atividade econômica em todos os setores, além de elevar as exportações, as importações e a renda e o consumo das famílias, e reduzir a desigualdade social.

A conclusão é de um estudo elaborado pelos professores Edson Paulo Domingues e Debora Freire Cardoso, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pedido do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). O trabalho, apresentado pouco antes das eleições de 2022, simula os impactos macroeconômicos da proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2019.

O texto da PEC 45 é inspirado em proposta de Bernard Appy, fundador do CCiF, que hoje ocupa o cargo de secretário especial para reforma tributária do Ministério da Fazenda, escolhido pelo ministro Fernando Haddad.

Haddad tem reiterado que o governo trabalha para aprovar ainda no primeiro semestre uma reforma nos impostos sobre o consumo, que ele definiu como prioritária ainda em novembro, antes de ser indicado para o Ministério da Fazenda.

Embora tal disposição seja elogiada por especialistas, há dúvidas sobre a capacidade do governo de conquistar o apoio de três quintos do Congresso em tão pouco tempo, dada a histórica resistência de setores que temem prejuízos com a reforma – caso dos serviços, cujos representantes voltaram a manifestar preocupação nos últimos dias.

O ministro, porém, diz ver um ambiente favorável tanto na Câmara quanto no Senado. "Reforma tributária já poderia ter sido votada, e não foi. E pode ser votada, o Congresso está maduro. Obviamente que temos deputados e senadores que estão tomando posse agora, mas há, nas duas Casas, um ambiente muito favorável", disse Haddad, nesta terça-feira (31), após reunião na Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

"Isso tem um impacto muito forte no crescimento econômico. Vai melhorar a vida das empresas, vai melhorar a vida da indústria, vai dar mais transparência para o sistema tributário, vai permitir que a gente avance no segundo semestre para discutir a regressividade do sistema tributário, que penaliza as famílias mais pobres", acrescentou Haddad, referindo-se à reforma na tributação da renda que ele anunciou dá duas semanas, no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça).

Segundo o secretário de Políticas Econômicas da Fazenda, Guilherme Mello, o governo trabalha "para apresentar ainda nos próximos meses" a reforma dos impostos sobre o consumo. "[A reforma] vai simplificar, garantir mais agilidade, garantir uma melhoria na produtividade e na competitividade das nossas empresas", disse à CNN Brasil nesta terça.

"Também estamos trabalhando numa reforma da tributação sobre a renda, visando, além da simplificação, uma melhor distribuição de renda. Hoje em dia o sistema tributário brasileiro é regressivo, ou seja, os muito ricos pagam pouco e os trabalhadores pagam muito", completou Mello.

O que prevê a reforma tributária da PEC 45

Em linhas gerais, a PEC 45 prevê a unificação de cinco tributos sobre consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) em um imposto único, que seria chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Apresentado em 2019 na Câmara dos Deputados, o texto está parado desde que passou pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Casa, em maio daquele ano.

Para avaliar os efeitos da aprovação do texto na economia do país, os pesquisadores da UFMG simularam quatro diferentes cenários a partir de dados das contas nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015. No primeiro, chamado de padrão, projetou-se uma alíquota de IBS que mantém inalterada a carga tributária, estimada em 26,3%.

No segundo cenário, tratado como base, foi incluído um imposto seletivo sobre fumo, bebidas e combustíveis fósseis, com um novo reajuste da alíquota do IBS de forma a garantir a manutenção da carga tributária. Nesse contexto, a incidência do novo imposto corresponderia a 24,2%.

As outras duas simulações partem do segundo cenário, porém analisam os efeitos macroeconômicos da reforma somado a um aumento da produtividade do capital por vias indiretas, como a redução de custos administrativos e do contencioso tributário, além da correção de distorções geográficas na alocação de capital.

Baseados em um estudo do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), os pesquisadores criaram um cenário, considerado conservador, que suporta um crescimento de 12% do PIB potencial em 15 anos. O último, otimista, prevê elevação de 20% do PIB no longo prazo.

Os cálculos foram feitos antes da entrada em vigor da Lei Complementar 194/2022, que instituiu o teto do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, além de zerar, temporariamente, PIS e Cofins de gasolina e etanol. Mas a pesquisadora Debora Freire Cardoso considera que os resultados do estudo não devem sofrer alterações, uma vez que as mudanças da LC 194 não devem ser mantidas no longo prazo.

Os tributos federais sobre os combustíveis deveriam ter sido retomados em 1º de janeiro, mas uma medida provisória de Lula prorrogou a desoneração até o fim de fevereiro para gasolina e etanol, e até dezembro para óleo diesel, biodiesel e gás natural.

Enquanto isso, governadores têm elevado a alíquota padrão do ICMS para compensar a perda de arrecadação provocada pelo teto do imposto. E um acordo entre estados e União, mediado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), devolveu aos estados a autonomia para definir as alíquotas do imposto estadual sobre etanol, diesel, biodiesel, GLP (gás de cozinha) e gás natural, embora ainda sob um teto. A gasolina, por sua vez, ainda será objeto de novas discussões – os governadores fazem pressão para anular o teto do ICMS sobre esse combustível.

“Essa mudança no ICMS é momentânea; é uma mudança de curto prazo que nós sabemos que é muito difícil que seja mantida”, diz. “A tendência é que não haja a manutenção dessa modificação e consequentemente isso não deve interferir nos resultados que a gente projeta, porque são resultados estruturais. Uma modificação temporária não tem capacidade de modificar a estrutura”, diz Debora.

Resultados macroeconômicos da reforma tributária prevista na PEC 45

Veja a seguir o impacto estimado da PEC 45 sobre uma série de variáveis econômicas, considerando a manutenção da carga tributária geral. O cenário "padrão" não prevê a existência de impostos seletivos. Os demais ("base", "conservador" e "otimista") incluem impostos seletivos:

VariávelPadrãoBaseConservadorOtimista
PIB3,99%4,14%12%20%
Consumo famílias1,14%1,49%12,55%24,21%
Investimento16,64%16,39%20,3%25,02%
Exportações6,05%6,09%11,68%17,42%
Importações3,41%3,71%9,54%15,61%
Alíquota IBS26,35%24,19%24,19%24,19%

Nos cenários que não consideram o efeito produtividade a priori, há uma previsão de crescimento de 3,99% (cenário padrão) a 4,14% (base) no PIB, decorrente dos benefícios da eficiência alocativa que a reforma tributária deve gerar, além do efeito sobre o investimento e crescimento do estoque de capital.

Todas as variáveis macroeconômicas consideradas (consumo das famílias, investimentos, exportações e importações) teriam variação positiva em ambos os cenários. “Merece destaque o grande aumento do investimento nos cenários padrão e base (superior a 16%), o que mostra o quanto as distorções do atual sistema tributário impactam a acumulação de capital na economia brasileira”, diz trecho da nota técnica.

Com a incorporação do efeito da produtividade de longo prazo, há um aumento relevante no consumo das famílias (12,55% no cenário conservador e 24,2%, no otimista), nas exportações (11,7% e 17,4%) e nos investimentos (20,3% e 25%).

Um dos impactos mais relevantes nas simulações com ganho de produtividade é o do chamado bem-estar das famílias, avaliado monetariamente e equivalente ao ganho gerado pela alteração de preços e de renda resultantes da reforma. Nas simulações sem o efeito produtividade, esse ganho ficaria entre R$ 112,9 bilhões e R$ 126,9 bilhões.

Nos outros cenários, chegaria a R$ 559 bilhões (conservador) ou até R$ 1,01 trilhão (otimista), o que acabaria gerando um aumento significativo também no consumo. “O resultado final sobre o consumo das famílias é positivo pois o efeito renda compensa o efeito nos preços, o que se reflete no aumento do consumo real das famílias em todos os cenários”, diz o estudo.

Há um aumento importante, em todos os cenários, nas exportações, em razão de não haver previsão de incidência do IBS sobre esse tipo de operação, o que resultaria em queda nos custos produtivos. As importações, por sua vez, cresceriam devido ao aumento da atividade interna.

Na segmentação por setor da economia, a indústria seria a mais beneficiada por ser a atividade mais dependente de investimentos em ativos fixos e por ter hoje uma incidência de alíquotas maiores do que as que pesam sobre bens e serviços. Mas todos os macrossetores também seriam beneficiados com a reforma, segundo as simulações.

Impacto da reforma tributária sobre a atividade em cada setor

SetorPadrãoBaseConservadorOtimista
Agropecuária3,32%3,43%10,58%18,19%
Indústria8,38%8,06%16,65%25,69%
Serviços2,5%2,72%10,1%18,02%

Impacto da reforma tributária sobre o índice de custo de insumos em cada setor

SetorPadrãoBaseConservadorOtimista
Agropecuária-12,01%-10,89%-13,34%-15,59%
Indústria-8,4%-8%-9,01%-11,19%
Serviços-8,62%-8,22%-10,44%-12,6%

Além disso, o estudo mostrou que a reforma tributária proposta na PEC 45 pode reduzir a desigualdade de renda e consumo, por beneficiar especialmente as famílias das faixas salariais inferiores.

“Esse resultado decorre essencialmente do fato de que, no sistema atual, a cesta de consumo das famílias de maior renda (mais intensiva em serviços) é menos tributada que a cesta de consumo das famílias mais pobres (mais intensiva em mercadorias)”, dizem os autores.

As simulações não levam em consideração o modelo de isenção personalizada, que consta da PEC 45 e segundo o qual famílias de menor renda teriam direito à devolução de parte do imposto pago. Caso entre em vigor, o sistema tenderia a tornar o impacto da reforma tributária ainda mais progressivo.

Impacto da reforma tributária sobre o bem-estar domiciliar

Variação equivalente em % da renda por domicílio

Renda domiciliarPadrãoBaseConservadorOtimista
0 a 1 s.m.3%3,2%10,2%17,5%
1 a 2 s.m.2,8%3%10,1%17,4%
2 a 3 s.m.2,7%2,9%10%17,4%
3 a 5 s.m.2,5%2,7%9,8%17,3%
5 a 6 s.m.2,3%2,5%9,6%17,1%
6 a 8 s.m.2%2,2%9,4%17%
8 a 10 s.m.1,8%2%9,3%16,9%
10 a 15 s.m.1,4%1,7%9%16,7%
15 a 20 s.m. 1,1%1,3%8,5%16,2%
20 a 30 s.m.0,6%1%8,4%16,3%
Acima de 30 s.m.0,2%0,6%8,1%16,1%

Em paralelo à PEC 45, tramita no Senado desde 2019, a PEC 110, que teve relatório favorável à admissibilidade apresentado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa no início de 2022.

A principal diferença da PEC 110 é a previsão de um modelo de imposto sobre valor agregado (IVA) “dual”, ou seja, composto de dois tributos: um de competência federal (a Contribuição sobre Bens e Serviços, CBS) e um de responsabilidade de estados e municípios (o Imposto sobre Bens e Serviços, IBS).

A pesquisadora Debora Freire Cardoso ressalta que, do ponto de vista dos impactos macroeconômicos, a aprovação da PEC 110 em vez da 45, resultaria em efeitos bastante semelhantes.

“Do ponto de vista político, há uma grande diferença fazer isso de forma dual ou unificada. Isso tem sido discutido, em relação à autonomia dos entes federados. Sob a perspectiva dos impactos macroeconômicos, altera pouco, porque mensuramos os impactos a partir de uma estrutura de economia total, em nível nacional. Basicamente estamos captando a modificação tributária via setores e não via regiões”, explica.

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