Discordância
Indústria prefere modelo atual
Para a indústria petrolífera instalada no Brasil, as alterações no modelo são desnecessárias. "Todos os objetivos do governo podem ser alcançados dentro do regime atual, com algumas modificações", diz Ivan Simões, do comitê de exploração e produção do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP). "A indústria está acostumada a trabalhar com sistemas diferentes, como a partilha. Desde que as ofertas sejam transparentes e o retorno compatível com o risco, haverá investimento." A possibilidade de a Petrobras ser a única operadora vai contra a vontade do setor de ter um mercado aberto. "Há várias empresas que podem operar esses campos.", diz Simões. Ele argumenta que, ao se tornarem operadoras, as petroleiras trazem ao país novas tecnologias e fornecedores, o que melhora a eficiência do setor. (GO)
Projeto exige esforço da Petrobras
A exploração do pré-sal exigirá um esforço enorme da Petrobras ainda mais com a possibilidade de ela se tornar única operadora da região. No ano passado, a companhia já reviu seu plano de investimentos, que é agora de US$ 174 bilhões para o período de 2009 a 2013 sendo 60% desse valor para a exploração e produção de óleo.
Extrair petróleo do pré-sal é caro. Os poços terão profundidade entre 6 mil e 8 mil metros. Cada um custa US$ 200 milhões para ser feito como serão necessários 500 nas áreas já licitadas, o investimento só com os poços será de US$ 100 bilhões. No total, os analistas estimam que o pré-sal demandará US$ 600 bilhões.
Como estará em todos os blocos, a Petrobras terá de buscar financiamentos. "No momento, o endividamento não é um problema, mas ela tende a ter menos folga financeira, com investimentos acima da geração de caixa. No longo prazo o endividamento pode vir a preocupar", diz Andres Kikuchi, chefe da área de pesquisa da Link Investimentos. Outro risco associado ao pré-sal está ligado à operação de campos com pouca rentabilidade. "Como ela estará em todos os blocos, existe o risco de ela ter de assumir áreas menos rentáveis."
Para o geólogo Giuseppe Bacoccoli, professor da UFRJ, a participação da Petrobras com 30% em todos os campos pode estar acima da capacidade de investimento da empresa. "Ela terá de engajar muitos recursos nessa fronteira, deixando de lado outras bacias. Isso faz com que o risco da exploração se concentre na área do pré-sal", afirma.
A capacidade de investimentos da Petrobras acaba sendo um limitador para a velocidade de extração do petróleo sem caixa, a empresa poderia optar por deixar alguns blocos para prospecção no futuro. "Talvez esse fosse o momento de chamar capital estrangeiro para valer", diz Bacoccoli.
Uma opção em estudo pelo governo é aumentar o capital da Petrobras, plano que esbarra nas contas públicas. No ano passado, também foi cogitado que os correntistas do FGTS poderiam subscrever ações da Petrobras, ideia que por ora foi colocada de lado. (GO)
O governo passou um ano discutindo internamente o novo marco regulatório para o petróleo. O resultado, pelo que veio a público até o momento, é uma maior intervenção do Estado no segmento que, se dá maior controle do óleo do pré-sal ao setor público, deixa de lado alguns dos avanços da legislação atual. O risco assumido pelo governo no novo modelo, que deve ser apresentado oficialmente na semana que vem, é uma eficiência menor do setor petroleiro e ingerência política sobre esse segmento da economia. O principal benefício seria um reforço na arrecadação pública que, se bem direcionado, ajudaria o país a dar um salto de desenvolvimento.
A regulação para a exploração do pré-sal será apoiada em um tripé formado pelo modelo de partilha da produção gerido por uma nova empresa estatal, pela presença da Petrobras como operadora em todos os blocos dessa região, e pela criação de fundos para a administração do dinheiro arrecadado. Para o governo, essa fórmula fará com que um porcentual maior da riqueza gerada com a extração de óleo fique com o governo e seja usada em programas sociais, em especial na educação. Na indústria, o modelo sofre resistência por obrigar todos os investidores, nacionais ou estrangeiros, a ter a Petrobras como operadora. Outra preocupação está na transparência do sistema não ficou claro ainda como os blocos seriam delegados à petroleira.
A nova regulação do setor petrolífero vai na direção contrária à da Lei do Petróleo, que entrou em vigor em 1997 e acabou com o monopólio da Petrobras na extração de óleo em território brasileiro. Em pouco mais de dez anos, o setor atraiu 72 empresas, sendo 36 brasileiras. "O setor de petróleo era 3% do PIB e agora está em quase 12%. Depois da lei, a própria Petrobras bateu recordes de produção. Municípios e estados produtores foram beneficiados. O discurso de que o modelo atual só beneficia o investidor privado não tem fundamento", afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
O sucesso da Lei do Petróleo está ligado ao incentivo que as empresas privadas tiveram para entrar no mercado e à transparência na concessão dos blocos de exploração. No sistema atual, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) coloca as áreas onde pode haver petróleo em um leilão. Vence quem oferece mais em troca pelo direito de explorar a área durante 30 anos. "A concessão é o modelo mais transparente e moderno e foi adotada no Brasil após uma discussão ampla entre especialistas, técnicos do governo e políticos", destaca o geólogo Giuseppe Bacoccoli, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que trabalhou por três décadas na Petrobras.
Abundância
Apesar de funcionar bem, o modelo atual teria de ser adaptado para a realidade do pré-sal. Ele não foi moldado para lidar com os volumes enormes e risco baixo de megacampos. O pré-sal é uma raridade no mundo do petróleo. Em uma única região ele concentra um volume de óleo que elevaria o Brasil à primeira divisão do setor. Hoje o país tem reservas provadas de 12 bilhões de barris, o que o coloca na 16ª colocação entre os maiores estoques do mundo. Segundo a ANP, só nos blocos já leiloados no pré-sal há de 50 bilhões a 80 bilhões de barris. Se provadas, essas reservas colocariam o país na sétima ou oitava posição, perto da Rússia e da Venezuela.
Com esse volume, o interesse das empresas seria mantido mesmo com um pagamento maior de impostos. Hoje elas pagam uma participação especial que chega a 40% da receita e royalties de 10%. Quem defende a lei atual, diz que seria possível elevar a participação do governo, sem um novo marco regulatório. "O governo poderia fazer essa alteração por medida provisória. Nosso sistema fiscal funciona bem, não vejo razão para mudar o modelo", diz Bacoccoli.
O projeto desenhado pelo governo dá uma solução diferente para o pré-sal. Ele escolhe o modelo de partilha para a exploração. Por ele, a empresa que fizer a perfuração receberá uma parcela do resultado para cobrir seus custos e, depois, a produção é dividida com o governo. Nesse caso, o setor público costuma pedir uma parcela elevada do produto, já que o risco para as empresas é muito baixo. O especialista em economia energética Edmar de Almeida, professor da UFRJ, diz que há vantagens na adoção desse sistema para o pré-sal. "A partilha é apropriada para regiões com baixo risco, porque as empresas tendem a aceitar uma divisão da produção que seja mais favorável ao governo", explica. A crítica ao modelo é que ele não estimula a eficiência, porque o pagamento pelo serviço de extração está garantido pelo setor público.
Estatal
A partilha implica que uma empresa estatal fará a gestão das reservas. A vantagem para o governo é que fica mais fácil recolher e direcionar a arrecadação. A princípio, uma parcela do dinheiro será colocada em um fundo social para investimentos nas áreas de educação e saúde. Outra parcela deve ser mantida fora do país, para que a entrada de dólares não sobrevalorize o real. "Agora vai depender do governo a manutenção uma estrutura pequena, como prometido, e com transparência", pondera Almeida.
O Estado também ganha músculos com o novo papel dado à Petrobras. O governo quer que ela seja operadora de todos os campos, com pelo menos 30% de participação nos consórcios. Assim, ela contratará sondas, comprará materiais e empregará a mão de obra demandada para a expansão da produção. "Há o risco de outras petroleiras não toparem essa condição porque estariam sujeitas aos custos da Petrobras. É um modelo para bancos e fundos de investimentos", analisa Adriano Pires. Na prática, os custos da produção de petróleo poderiam ser mais altos do que com várias empresas concorrendo para ver quem consegue ser mais rápido e eficiente.
Ideia é evitar "maldição"
Dentro do governo, o novo modelo para o pré-sal é tido como uma fórmula que evitará a "maldição do petróleo". Esse termo se refere a países onde a existência de riquezas naturais não se traduziu em desenvolvimento. Não são raros os exemplos de países que têm uma renda alta com a exportação do mineral e, ao mesmo tempo, péssimos números de educação, saúde e emprego. "A falta de desenvolvimento é notada em locais onde o petróleo causa uma disputa política para a apropriação da riqueza. Isso paralisa a evolução das instituições necessárias ao desenvolvimento", explica o economista Ronald Otto Hillbrecht, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS),
Países com sistemas políticos deficitários têm dificuldade em canalizar os recursos provenientes do petróleo para projetos que beneficiem toda a sociedade. Hillbrecht lembra do caso da Venezuela, que até os anos 60 tinha um PIB per capita que equivalia a 80% do norte-americano e que hoje está em 25%. A discussão atual sobre os royalties do petróleo no país é um exemplo de como a riqueza leva a rachas políticos. Estados e municípios beneficiados com essa renda não querem perder a chance de ter os orçamentos vitaminados pelo pré-sal, como prevê o projeto do governo.
Outro problema associado à riqueza petrolífera é a valorização do câmbio, chamada de "doença holandesa". Isso ocorre quando a entrada de dólares com a exportação do produto diminui a competitividade de produtos no exterior. Por isso a ideia do governo de manter parte dessas divisas fora do país, como faz a Noruega cujo fundo é uma poupança para as gerações futuras.
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