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Em um dos primeiros atos como ministro de Minas e Energia, o economista Adolfo Sachsida anunciou o início de estudos sobre as alterações legislativas necessárias para a desestatização da Petrobras. Ao que tudo indica, a troca na presidência da estatal – que se confirmada levará à direção um nome próximo do ministro – não muda em nada essa pretensão. A questão é que, embora sinalize um desejo já expressado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a chance de a privatização ser concretizada ainda neste mandato é, na prática, nula.
Na oposição, o movimento é criticado e classificado como “cortina de fumaça” para desviar as atenções sobre a alta dos combustíveis, uma vez que, ainda que o processo avance, o ato de Sachsida seria apenas o primeiro de uma série de etapas que poderiam levar anos para serem concluídas.
As discussões sobre a privatização da Eletrobras, a título de comparação, tiveram início ainda em 2017, durante a gestão de Michel Temer (MDB), mas o processo até hoje não foi finalizado. O Congresso aprovou apenas em meados de 2021 projeto de lei que permite a desestatização e, no quarto ano do atual mandato, o governo acaba de obter a aprovação do Tribunal de Contas da União (TCU) para, enfim, realizar a venda do controle da estatal.
No caso da Petrobras, o pedido de estudos não se trata sequer de uma etapa formal do processo de privatização. O primeiro passo para que a União se desfaça do controle de uma estatal é a qualificação do ativo no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), estrutura criada em 2016 com a finalidade de celebrar contratos de parceria com a iniciativa privada e de desestatização.
Em 13 de maio, uma resolução publicada em edição extra do Diário Oficial da União recomendou ao presidente da República, sem necessidade de deliberação do Conselho do PPI, a qualificação apenas da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) no programa. A PPSA é a estatal responsável por gerir os contratos de partilha de produção em águas profundas, além de comercializar petróleo e gás natural e representar a União em acordos de individualização de produção.
Vindo a ser qualificada para o PPI, a Petrobras ainda precisaria ser incluída no Programa Nacional de Desestatizações (PND), o que ocorreria a partir de recomendação do Conselho do PPI e posterior publicação de decreto presidencial, em que constariam prazos para publicação do edital e realização da venda.
No caminho para a privatização de uma estatal, após a inclusão no PND, tem início a etapa de consultas públicas e estudos de modelagem e viabilidade econômico-financeira, entre outras, com a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A partir desses estudos, o processo chega ao TCU, onde ministros analisam possíveis irregularidades, a fim de evitar prejuízo ao poder público e à sociedade.
Congresso teria de dar aval à privatização
O maior obstáculo para a privatização da Petrobras, no entanto, é a necessidade do aval do Congresso Nacional para a operação. Isso porque o controle majoritário da União sobre a estatal petrolífera está previsto no artigo 62 da Lei 9.478/1997 (Lei do Petróleo), que precisaria ser modificada para que a venda fosse autorizada.
O texto dispõe sobre o monopólio da União sobre as reservas do país, o regime de partilha que rege a exploração de petróleo e a divisão dos royalties entre governo federal e estaduais. Além do curto calendário legislativo em razão do ano eleitoral, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já declarou não considerar este o momento para se debater a privatização da Petrobras.
“Muito embora possam ser feitos todos os estudos [sobre a privatização da Petrobras], entre os estudos e a realidade vai uma distância muito longa, uma discussão muito profunda com a sociedade, com o Congresso Nacional, com uma avaliação da conveniência do momento em relação a uma privatização dessa natureza”, disse o senador em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no último dia 16.
“Em um ano eleitoral, nós estamos centrando todos os esforços na votação daquilo que é óbvio para poder cumprir essa agenda legislativa, que inclusive interessa ao governo federal, interessa ao Brasil. Eu não considero que privatização da Petrobras esteja no radar e ao alcance da sociedade brasileira neste momento”, acrescentou.
Embora conte com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a tramitação de uma matéria que autorize a venda da petrolífera no Legislativo ocorreria ainda sob resistência popular.
Uma pesquisa do PoderData realizada entre os dias 24 e 26 de abril apontou que 50% da população brasileira é contra a venda do controle acionário da companhia. Outros 33% acham que a estatal deve ser vendida, enquanto 17% não souberam responder.
O coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, afirmou que a categoria entrará em greve caso o governo avance na intenção de privatizar a Petrobras.
Finalmente, ainda que modificações na Lei do Petróleo viessem a ser aprovadas e sancionadas em prazo recorde, a desestatização dependeria da publicação do edital e da realização da venda em si, que ocorre pelo menos 90 dias depois da divulgação das regras da concorrência.
Considerando ainda a possibilidade de impugnação e de novas análises pelo TCU, a chance de a privatização ocorrer até o fim deste mandato é virtualmente zero.
A depender do resultado da apuração das urnas na eleição deste ano, o processo pode vir a ser totalmente descontinuado. Entre os pré-candidatos à presidência da República, Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) já se manifestaram publicamente contra a privatização. Além de Bolsonaro, Felipe D’Ávila (Novo) é outro que se diz favorável à desestatização da empresa.