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O governo pretende assegurar a cobrança de até 10% de Imposto de Renda dos contribuintes mais ricos. Para isso, quer incluir na conta todos os rendimentos recebidos no ano, inclusive dividendos de empresas, que desde 1995 são isentos.
"É um conceito novo, de Imposto de Renda mínimo, que considera toda a renda da pessoa e o que ela pagou de Imposto de Renda naquele exercício”, disse nesta quinta-feira (28) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Trata-se de buscar justiça tributária. Vamos entregar para o país um sistema tributário justo, moderno e progressivo.”
A proposta de reforma na tributação da renda anunciada pelo ministro não prevê correção uniforme da tabela do IR. Um dispositivo vai limitar o alcance da anunciada isenção de R$ 5 mil, de forma que pessoas com renda acima disso terão alívio menor na tributação, ou mesmo nenhum alívio: para as que ganham mais de R$ 6.980, vai valer uma faixa isenta diferente, de apenas dois salários mínimos.
O objetivo é que as mudanças entrem em vigor em 1.º de janeiro de 2026, quando também começa a vigência da reforma tributária do consumo – que ainda está em tramitação no Congresso.
“A reforma da renda é mais simples que a do consumo. É um imposto só, um imposto federal, neutra do ponto de vista fiscal”, disse o ministro. "É projeto de lei, não exige emenda constitucional. Entendemos que pode tramitar no ano que vem, que tem agenda legislativa mais leve e não é ano eleitoral."
Como será o Imposto de Renda sobre os mais ricos
Em entrevista coletiva concedida ao lado de outros ministros, Haddad afirmou que pretende assegurar uma alíquota efetiva de até 10% sobre todos os contribuintes que ganhem acima de R$ 50 mil ao mês, ou R$ 600 mil por ano. Nessa conta entrarão todos os rendimentos, como salários, aluguéis e dividendos, de acordo com o titular da Fazenda.
O ministro chegou a dar um exemplo no qual o contribuinte com renda de R$ 600 mil terá de pagar pelo menos 10% de imposto efetivo por ano. Mais tarde, porém, o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que haverá um escalonamento da alíquota, que começará perto de zero e chegará ao teto de 10% para quem ganha R$ 1 milhão ou mais por ano.
A ideia é garantir que esses contribuintes paguem um mínimo de imposto. Caso um contribuinte com renda de R$ 1 milhão anual tenha recolhido menos que 10% disso ao longo do ano (R$ 100 mil), em seguida terá de fazer uma complementação para chegar aos 10% de imposto efetivo.
Por outro lado, quem no decorrer do ano pagou imposto acima do mínimo determinado não terá direito a devolução.
Segundo apresentação preparada pela Fazenda, hoje a parcela dos 1% mais ricos do país paga alíquota efetiva de IR de 4,2%. No grupo 0,01% mais rico, a fração efetivamente paga de imposto é de 1,75%, de acordo com o documento.
Isenção de IR por razões de saúde será limitada
Haddad também anunciou que vai corrigir o que classificou de "distorções" relacionadas à saúde. Segundo ele, o governo vai limitar a isenção de Imposto de Renda por razões de saúde – em caso de doença grave, por exemplo.
Só terão direito ao benefício contribuintes que ganhem até R$ 20 mil por mês. Por outro lado, as despesas do contribuinte com saúde continuarão sendo 100% dedutíveis da base de cálculo do IR, assegurou: "Todo mundo pode abater despesa de saúde na sua integralidade. Se você gastou R$ 1 milhão para fazer um tratamento de saúde, você vai poder deduzir. Esta regra não vai alterar".
Hoje a isenção de IR por razões de saúde é concedida a pessoas com determinadas doenças ou condições específicas, como câncer, Aids, cardiopatia grave, doença de Parkinson, esclorese múltipla e outras.
Previsto pela Lei 7.713/1988 e regulamentado por instruções da Receita, o benefício se aplica apenas aos rendimentos de aposentadoria, pensão ou reforma. Não vale para salários ou outras rendas.
Taxação de mais ricos vai compensar isenção de R$ 5 mil no Imposto de Renda
A nova taxação servirá para compensar a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e garantir a "neutralidade" das mudanças no tributo, de forma que a arrecadação não aumente nem diminua.
"O projeto de lei de reforma da renda pressupõe neutralidade tributária e compromisso dos líderes [do Congresso] de votar projeto em que este princípio esteja respeitado. Não se trata de mexer com nível da arrecadação de impostos, trata-se de buscar justiça tributária", disse Haddad.
Segundo ele, a renúncia com a isenção de R$ 5 mil é estimada é R$ 35 bilhões – e não de R$ 70 bilhões, como alguns veículos divulgaram. "A combinação [de medidas] vai permitir a compensação”, afirmou o ministro, buscando dissipar temores do mercado financeiro, que na quarta (27) e nesta quinta reagiu mal à notícia das mudanças no IR, com disparada do dólar e queda da Bolsa.
Tabela do IR não terá correção uniforme e isenção de R$ 5 mil não vai beneficiar a todos
Embora o Imposto de Renda seja cobrado de forma progressiva, com cada alíquota incidindo sobre uma determinada parcela da renda do contribuinte, o governo vai adotar um mecanismo para reduzir o impacto fiscal da isenção de R$ 5 mil. Isso vai limitar o ganho que contribuintes com rendas mais altas teriam com a nova faixa de isenção.
Se fossem aplicadas as regras convencionais do IR, uma pessoa que ganhe R$ 9 mil por mês não pagaria imposto sobre a parcela de seu rendimento que vai até R$ 5 mil, sendo tributados apenas os R$ 4 mil restantes. Da mesma forma, para uma renda de R$ 15 mil, a tributação incidiria somente sobre R$ 10 mil, isto é, a renda acima de R$ 5 mil.
Porém, essa lógica não valerá para a nova isenção de R$ 5 mil. Parte dos contribuintes não terá direito a ela. "A maneira como a Receita Federal está fazendo é garantir que, por meio da atualização da faixa de isenção mais o desconto que é dado, vai beneficiar algo entre 70% e 80% dos trabalhadores assalariados."
Na prática, quem ganha até R$ 5 mil terá o benefício da isenção na íntegra. Quem ganha até R$ 6.980 usufruirá de parte dela. E não haverá alívio para quem ganha acima disso – para essas pessoas, a faixa isenta será equivalente a dois salários mínimos. Inicialmente, Haddad e o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, disseram que o limite superior chegaria a R$ 7,5 mil, mas o valor foi corrigido mais tarde pela assessoria da pasta.
Aparentemente, a Receita vai aplicar um dispositivo semelhante ao que já foi adotado na isenção de IR para quem ganha até dois salários mínimos.
Hoje quem ganha no máximo R$ 2.824 tem direito a uma espécie de "restituição antecipada" do IR, que assegura a isenção desse valor. Para quem ganha acima disso, porém, vale a faixa isenta padrão, que é bem mais baixa: R$ 2.259,20. Esse mecanismo foi uma "inovação" introduzida pelo governo Lula para limitar o impacto fiscal de correções na tabela do IR.
À exceção da faixa isenta, a tabela do Imposto de Renda não recebe correção desde 2016. Nesse período, a inflação medida pelo IPCA subiu 56%.
Haddad é questionado sobre protagonismo e ambições políticas
Na coletiva, Haddad foi questionado por jornalistas sobre seu protagonismo no anúncio do pacote de gastos, que de surpresa incluiu a reforma no Imposto de Renda, e futuras ambições políticas.
A primeira divulgação das medidas foi feita por ele em cadeia nacional de rádio e tevê, na noite de quarta-feira, e para muitos observadores teve tom de campanha política.
O ministro respondeu que o pronunciamento foi um pedido do presidente Lula, com o objetivo de esclarecer os pontos do pacote de corte de gastos. “É meu dever informar e esclarecer, mas eu não estou buscando outra coisa que não crescer com responsabilidade e comprometimento social”, afirmou.
Rui Costa diz que inclusão do Imposto de Renda não foi surpresa
Abordado sobre o anúncio simultâneo da contenção de gastos com a isenção de R$ 5 mil no IR, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa buscou defender o governo.
“O que se está fazendo hoje é acenando para responder um mercado que, pelo texto que publicam, estavam precificando no presente um desequilíbrio futuro das contas públicas. E aqui se está garantindo que esse desequilíbrio de longo prazo não ocorrerá”, disse Costa.
Segundo ele, na quarta-feira o mercado teria lançado "notícias falsas" de que a reforma valeria já para 2025. "Colocar em 2025 seria romper a previsibilidade. Está sendo cumprido o que foi dito na campanha e na posse, não tem surpresa”, afirmou.
Na avaliação dele, não houve quebra de expectativa em relação ao anúncio da reforma da renda. “Quem apostar contra o Brasil vai perder, porque esse país cresce de forma consistente, está atraindo investimentos internacionais de forma consistente. O presidente Lula não vai abrir mão da responsabilidade fiscal e todos os ajustes serão feitos, se necessário for, no curto, no médio e no longo prazo para garantir o arcabouço fiscal”, afirmou o ministro.
Costa foi questionado sobre tentativas, dele e colegas, de desidratar o pacote. Respondeu afirmando que não há "lobos maus e chapeuzinhos vermelhos" no governo e que o pacote é consensual.
Haddad, da mesma forma, disse que discussões são naturais quando se trata de medidas que envolvem tantas áreas do governo, mas que toda a equipe está alinhada a respeito das propostas apresentadas.
Esta reportagem foi atualizada duas vezes para corrigir erros de divulgação do governo. Um dos erros era relativo à alíquota efetiva de Imposto de Renda sobre os mais ricos que havia sido citada pelo ministro Fernando Haddad. Ele usou um exemplo em que contribuinte com renda de R$ 600 mil por ano teria de pagar pelo menos 10% de IR. Mais tarde, porém, o secretário-executivo da pasta, Dario Durigan, esclareceu que a alíquota para essa faixa de renda será menor e subirá gradualmente até chegar ao teto de 10%, cobrado somente dos que tiverem renda superior a R$ 1 milhão no ano. O outro erro: inicialmente, Haddad e Durigan afirmaram que o benefício da nova isenção do IR alcançaria (parcialmente) até quem ganha R$ 7,5 mil por mês. Depois, a assessoria da Fazenda informou que o limite superior será de R$ 6.980, na verdade.
Atualizado em 29/11/2024 às 11:36