Ao mesmo tempo em que trabalha na regulamentação da reforma tributária sobre consumo, promulgada no fim do ano passado, o governo prepara a segunda etapa da mudança no sistema de impostos, que visa alterar agora regras da tributação da renda. A Emenda Constitucional 132 estabelece que uma proposta sobre o tema deve ser encaminhada pelo Executivo ao Congresso até o dia 20 de março.
Entre as principais mudanças que a nova fase da reforma tributária deve prever está a taxação de dividendos, parcela do lucro de sociedades anônimas distribuídas a acionistas e que é isenta de Imposto de Renda (IR) desde 1995.
“O governo, nesse fatiamento da reforma, está buscando tornar menos desigual a tributação de alguns setores, em especial no que diz respeito àqueles que possuem mais recursos ou menos recursos”, avalia Renato Aparecido Gomes, advogado tributarista do Gomes, Almeida e Caldas Advocacia. “A bola da vez agora é a tributação sobre a renda, em especial a tributação dos dividendos”, diz.
A taxação é defendida por integrantes da equipe econômica. “Muito provavelmente haverá o retorno da tributação de dividendos, junto com a redução da tributação da empresa”, disse o secretário especial para a reforma tributária, Bernard Appy, em agosto do ano passado, durante participação em evento organizado por sindicatos de auditores fiscais.
“O Brasil optou por uma tributação alta na empresa e por não optar pela tributação de dividendos. Há uma tendência grande de nos aproximarmos do padrão internacional. Uma alíquota mais baixa na empresa e passar a tributar a distribuição de dividendos”, prosseguiu.
Em 2021, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a encaminhar um projeto de lei que reformava a tributação sobre renda e previa a taxação de dividendos. Mas o texto, aprovado após diversas modificações na Câmara, não avançou no Senado.
A proposta de Guedes era taxar dividendos em 20% e reduzir a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) em 5 pontos porcentuais, de 15% para 10%. Na Câmara, no entanto, a tributação do lucro distribuído foi reduzida para 15% e o corte no IRPJ, elevado para 7 pontos porcentuais. Além disso, a versão que foi encaminhada ao Senado previa uma redução de até um ponto na alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Em julho do ano passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não deve lançar mão do texto parado no Senado. “Não devemos aproveitá-la, não. Nesse caso é lei ordinária, não é PEC [proposta de emenda à Constituição]”, explicou.
Ainda na ocasião, o ministro negou que já houvesse uma definição sobre uma alíquota para dividendos e para o IRPJ na reforma. “Nós vamos começar as discussões internas da Fazenda, vamos apresentar para a área econômica, fazer o mesmo protocolo que a gente sempre faz para as coisas saírem bem feitas”, disse.
Em relação ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), há uma expectativa de que a proposta do governo estabeleça até 2026 a isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais, conforme prometido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em janeiro, tanto Lula quanto Haddad confirmaram que haverá uma elevação na faixa de isenção do IRPF já para 2024, mas somente até o equivalente a dois salários mínimos, ou R$ 2.824.
Conforme relatos de bastidores, o governo também estuda a imposição de um limite para as deduções com despesas de saúde, a exemplo do que já ocorre com os gastos com educação.
O argumento é de que a falta de limite privilegia os mais ricos. É o que vem sendo constatado por estudos da equipe econômica desde o governo Temer, pelo menos.
Porém, nenhuma proposta para conter as deduções foi formalizada de lá para cá, provavelmente por causa do alto custo político – embora possa afetar a alta renda, uma redução nas deduções certamente teria forte impacto sobre a classe média.
A questão das deduções não foi tratada em público por representantes da Fazenda. Em janeiro, quando a possibilidade de limitá-las veio a público, a Gazeta do Povo procurou a pasta, que não respondeu aos questionamentos.
Nova fase da reforma deve ter imposto mínimo de 15% sobre lucro de multinacionais
Segundo apurou o jornal "Valor Econômico", a nova etapa da reforma deve incluir ainda um imposto mínimo efetivo de 15% sobre o lucro de multinacionais que operam no Brasil, uma medida negociada internacionalmente sob a coordenação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e já adotada em pelo menos 55 países, incluindo os da União Europeia.
Embora a alíquota de impostos sobre lucro de empresas no Brasil (IRPJ e CSLL) chegue a 34%, parte das multinacionais conta benefícios fiscais ou deduções na base de cálculo que derrubam a alíquota efetiva para menos de 15%.
A Fazenda ainda deve insistir na tentativa de revogar ou restringir ao máximo o uso dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), mecanismo de distribuição de lucros alternativo aos dividendos que, por ser contabilizado como despesa, é descontado da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
No ano passado, o governo tentou acabar com o JCP por meio de projeto de lei e posteriormente de medida provisória, mas, sem acordo com parlamentares, foram aprovadas apenas algumas restrições ao uso do instrumento financeiro.
Para Haddad, a nova reforma deve aumentar a tributação sobre renda para viabilizar uma redução no peso dos impostos sobre consumo. “Nós temos uma carga tributária sobre o consumo desproporcionalmente maior do que sobre a renda e o patrimônio”, disse recentemente em entrevista ao jornal "O Globo".
“Do meu ponto de vista, essa reforma deve viabilizar a redução da carga sobre o consumo, o que permitiria uma alíquota de IVA menor. Tributa mais a renda, diminui o peso sobre o consumo, e o efeito fica neutro sobre a carga tributária total. Tudo com transição para que não seja de um ano para o outro, seja diluído no tempo”, explicou o ministro.
Apesar disso, ele disse, na mesma ocasião, que ainda não foram discutidos pormenores da reforma, como a possibilidade de criação de uma nova faixa de cobrança de IRPF. “Não chegamos nesse ponto da formulação; acabamos de aprovar a reforma do consumo”, afirmou.
Para o titular da Fazenda, é possível que a tramitação da reforma do IR seja concluída pelo Congresso apenas em 2025. “O desafio de aprovar em 2024 a reforma do IR é que, como temos eleições municipais, há um problema de janela, que vai ter que ser avaliado pela política. A regulamentação do consumo precisa ser votada primeiro, até porque em 2026 ela já entra em vigor”, disse.
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