Apesar de a emenda constitucional 109, oriunda da PEC Emergencial, ter sido promulgada pelo Congresso em março, as medidas de contenção de gastos previstas no texto só devem ser acionadas pelo governo federal daqui três ou quatro anos. Entre elas, o congelamento do salário dos servidores, vedação a concursos e proibição para criação de novas despesas obrigatórias. O funcionalismo está com o salário congelado até 31 de dezembro, mas por força de outra lei.
A demora para o retorno das medidas de ajuste fiscal se dará porque a emenda estabeleceu que elas serão acionadas quando as despesas obrigatórias da União superarem 95,0% das despesas totais sujeitas ao teto. Atualmente, essa relação está em cerca de 93,4%. Ele só vai passar de 95,0% em 2024 ou 2025, nas contas do próprio Tesouro Nacional e da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Somente a criação de novas despesas obrigatórias poderia antecipar o atingimento do limite.
O percentual estabelecido tem sido visto pelos especialistas como um problema, já que posterga o ajuste fiscal num momento de desequilíbrio das contas públicas. O texto original da PEC, escrito pelo governo, previa que o gatilho para disparo das medidas de ajuste seria o descumprimento da regra de ouro. Essa regra proíbe o governo de se endividar para custear despesas correntes. Ela vem sendo descumprida desde 2019.
O relator da PEC Emergencial, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), tirou a regra de ouro como gatilho e colocou o percentual de 95%. O governo concordou com a mudança, mas não esclareceu os motivos nem publicamente nem reservadamente. Caso a regra de ouro fosse mantida como gatilho, o congelamento de gastos seria aplicado já em 2022.
Governo fala em avanço institucional
Técnicos da equipe econômica se limitam a dizer que agora há um parâmetro para o acionamento dos gatilhos do teto de gastos, o que seria um avanço institucional relevante. O teto de gastos limita o crescimento das despesas do governo à inflação. Ele foi criado em 2016, durante o governo Temer, e previa que medidas de controle de despesas seriam adotadas quando ele fosse descumprido. O problema é que a lei também impede a aprovação de um Orçamento que preveja o estouro do teto. Com isso, as medidas de contenção, pela regra do teto, nunca serão disparadas.
“Nós avançamos do ponto de vista institucional, porque a emenda 95, do teto de gastos, da forma que ela foi aprovada, ela precisava ser melhorada no sentido de disparar os gatilhos. Da forma como estava, só se daria [o disparo] quando tivéssemos despesa discricionária convergindo para um patamar ínfimo. Agora, nós temos uma regra, uma clareza para o processo, que do ponto de vista institucional é um avanço", disse à Gazeta do Povo o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues.
O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, afirma que outro ganho da emenda constitucional 109 foi trazer incentivos para a não criação ou majoração de despesa obrigatória da União, já que o aumento dela poderia levar ao congelamento dos gastos antes de 2024/2025.
“Se tiver algum movimento que acelere as despesas obrigatórias, você acelera o engatilhamento [das medidas de ajuste]. Então, isso traz incentivos para não criar despesa obrigatória, porque antes os incentivos não eram claros, só poderiam engatilhar quando chegasse a 100%”, explicou Funchal em live com o mercado financeiro.
Funchal disse ainda que, nas contas do governo, o teto só terá risco de ser descumprido em 2024 ou em 2025, prazo que coincidirá com o acionamento das medidas de contenção de gastos previstas na emenda 109.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) contesta a projeção do secretário sobre essa convergência de prazos. O órgão afirma que, em 2020, o gasto obrigatório correspondeu a 92,6% do gasto total do governo e, em 2021, deverá ser equivalente a 93,4%. Nos anos seguintes, o percentual deve continuar crescendo, mesmo que em ritmo lento.
“O risco de descumprimento do teto torna-se elevado antes de o gasto obrigatório alcançar o limite de 95%. Ou seja, para que os gatilhos fossem acionados, o montante das discricionárias teria que ser inferior ao nível mínimo necessário para o funcionamento dos serviços públicos”, alerta a instituição.
IFI diz que governo postergou ajuste e abriu porta para aumento salarial em ano de eleição
A IFI também afirma que, ao concordar com o acionamento dos gatilhos somente quando a despesa obrigatória chegar a 95% da despesa total, o governo demonstra não buscar um ajuste imediato nas contas públicas. “Parece ter-se optado pela não implementação de um ajuste imediato, o que ocorreria, por exemplo, se a versão inicial da PEC Emergencial tivesse prevalecido [com o gatilho sendo o descumprimento da regra de ouro].”
O economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, lembra que a decisão de postergar o acionamento das medidas de contenção pode abrir espaço para aumento salarial em 2022, ano eleitoral.
“Em 2022, ano eleitoral, a porta para reajustes salariais estará aberta. O teto de gastos precisará ser observado, mas um eventual espaço orçamentário poderá ser canalizado para beneficiar certas categorias do serviço público”, relatou em artigo publicado no jornal "O Estado de S. Paulo".
Questionado se há a intenção de o governo conceder reajuste salarial a determinadas categorias em 2022, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse que toda e qualquer política social deve ser seguida e fortalecida por política fiscal robusta. “Social e fiscal terão de caminhar juntos. Essas análises serão feitas momento a momento e respeitando essas duas diretrizes.”
Correção: Anteriormente, o texto falava erroneamente que o estabelecimento de um percentual de 94% na relação despesa obrigatória sobre despesa total sujeita ao teto permitiria o congelamento de gastos em 2022. Segundo o Tesouro, o percentual anteciparia o congelamento para 2023, no máximo.
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