O governo pode ter de assumir o custo do risco cambial se quiser atrair capital estrangeiro para as obras de infraestrutura, tido como fundamental devido à falta de recursos no país e ao comprometimento dos competidores locais por causa da Operação Lava Jato, de acordo com profissionais ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado. Embora muito se fale do grande volume de recursos disponíveis no exterior e da atratividade que os projetos no país teriam, especialistas alertam que os financiadores externos só apoiariam efetivamente as concessões e parcerias público-privadas (PPPs) no Brasil caso sejam criados mecanismos que minimizem esse risco, incluindo o repasse da variação cambial para o consumidor.
“Não consigo ver a infraestrutura se desenvolver como precisa se não criar algum mecanismo de proteção cambial”, diz o sócio de infraestrutura do escritório Mattos Filho Bruno Werneck, que defende alternativas como uma estrutura de hedge de longo prazo fornecida pelo próprio governo ou um contrato de concessão indexado, em parte, ao dólar ou uma cesta de moedas.
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Leia a matéria completaHéctor Gomez Ang, gerente geral para o Brasil do IFC, braço do Banco Mundial de investimento no setor privado, lembra que tanto Colômbia como Peru utilizam o mecanismo de indexação ao dólar das tarifas de serviços e também de dolarização da fatia que cabe ao governo nas receitas do projeto, previstas nas parcerias público-privadas (PPPs). “Essa última opção tem impacto nas finanças públicas. Por isso acho que a discussão tende a caminhar para a primeira”, opina.
No caso da indexação das tarifas cobradas nos serviços, Ang explica que normalmente são estabelecidas bandas de oscilação da moeda norte-americana que acionam o repasse. Luis Afonso Lima, economista da Mapfre Investimentos, atenta para a possibilidade de a indexação pesar na inflação do País, mas destaca que, diante da carência de investimentos em infraestrutura, é um “mal necessário”. “É possível uma pressão inflacionária por conta de repasses para a tarifa, mas o governo atual tem se mostrado mais tolerante com os repasses para o consumidor diante da necessidade de o Brasil ter crescimento sustentável no longo prazo”, afirma ele. “O modelo dos preços administrados usado nos últimos anos como mitigadores de inflação se esgotou”, acrescenta.
Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), lembra que a lei do real proíbe a realização de contratos em dólar. Portanto, uma medida nessa linha, ainda que de uma proporção mínima de contratos em moeda estrangeira, exigiria uma mudança na lei. Ela comenta também que, no caso do setor elétrico, houve uma mudança no indexador, do IGP-M para o IPCA, justamente para reduzir a influência do câmbio no reajuste das tarifas.
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Leia a matéria completaCustos
O chefe de Energia da área de Project Finance do Santander, Edson Ogawa, defende que a existência de parte dos contratos de energia em dólar deveria ser discutida. “Se houver PPA (Power Purchase Agreement, ou contrato de energia de longo prazo) em dólar, se consegue acessar bolsos infindáveis fora do Brasil”, diz. Para ele, embora qualquer variação cambial mais significativa tivesse que ser assumida pelo consumidor, não há clareza se isso de fato seria mais caro do que a forma como os financiamentos se dão atualmente no País, na comparação com um eventual financiamento a custo de mercado, e não mais a custos subsidiados via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tendo em vista a expectativa de menor participação do banco de fomento em empréstimos futuros.
De acordo com ele, em países vizinhos em que o PPA é em dólar, como México, Chile, Uruguai e Peru, os investidores podem acessar financiamento internacional e o custo final da energia pode ser até melhor do que os praticados no Brasil. “O custo da energia no México, por exemplo, é muito menor do que o nosso, no preço em dólares, e só tem um fator de diferença em relação ao nosso mercado: é o financiamento, porque lá, como o PPA é em dólar, o investidor consegue acessar o financiamento em dólar a preços muito competitivos”, diz.
Para o executivo do IFC, é pouco eficiente a assunção do risco cambial pelo concessionário, uma vez que pode representar uma ameaça à capacidade de pagamento das dívidas do projeto e, por consequência, afastar investidores bancários e de mercado. De toda a forma, destaca que a discussão envolvendo a atração do capital estrangeiro, especialmente o de mercado, passa, primeiro, pela queda dos juros (Selic), para eliminar a competição com os títulos públicos. “O elevado juro local torna o capital estrangeiro muito caro para os projetos”, pontua.
Papel em dólar
O primeiro passo para que investidores de mercado comecem a cogitar o Brasil sob o ponto de vista de infraestrutura é a oferta de papéis em moeda estrangeira, de acordo com um executivo de um grande banco. Para isso, cita, uma alternativa é estender os benefícios da lei 12.431, das debêntures de infraestrutura, também para títulos de dívida emitidos no exterior, os bonds.
No entanto, ele admite que emitir uma dívida em dólar com as receitas dos projetos em reais, por exemplo, gera um descasamento para a empresa. Por isso, sugere que algum ente do próprio governo assuma o risco cambial. “O governo só correria o risco se o projeto desse errado. Tesouro, Banco Central e BNDES têm ferramentas e conhecimento muito mais apurados do que o mercado financeiro e podem prover o tipo de hedge específico para os projetos de infraestrutura, minimizando o risco para o concessionário e os investidores”, explica o executivo.
Abertura do governo
Fontes comentam que embora não tenham até agora visto qualquer movimento prático a respeito de um mecanismo de hedge cambial para as concessões, há uma maior abertura do atual governo para uma discussão a respeito. “A experiência do governo atual ainda é curta, mas o discurso vai nessa direção, de atração de investimento direto, um ambiente mais amigável de negócios e para investimento no longo prazo em detrimento dos riscos para a inflação no curto prazo”, acrescenta uma delas.
A ida de Eduardo Refinetti Guardia, até então diretor executivo de produtos da BM&FBovespa, para a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, pode, por exemplo, ter relação com a necessidade de o governo viabilizar alternativas para atrair capital externo para a infraestrutura. Ele tem a bagagem do lado privado, com expertise em produtos do mercado de capitais como hedge, e também do lado público, com passagens na Fazenda, Tesouro Nacional.
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