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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não desistiu de acabar de forma gradual com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo ele, o tema deve voltar a ser discutido ainda esta semana com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
“Eu sei que [a reoneração] está afetando setores sensíveis, que têm poder muito grande de fazer valer a sua opinião. Mas não vamos nos deixar levar por esse tipo de sentimento”, disse o ministro durante participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite de segunda-feira (22).
“Nós vamos sentar com as lideranças e vamos discutir isso com liberdade e transparência, com base em estudos acadêmicos, com a opinião de especialistas. São privilégios que precisam ser revistos. Qual a melhor maneira de fazer isso é o Congresso que vai dizer”, afirmou.
Publicada no dia 28 de dezembro de 2023, a medida provisória (MP) 1.202 prevê uma reoneração gradativa de setores que são beneficiados desde 2011 com um desconto na contribuição previdenciária patronal.
O texto também estabelece a revogação dos benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado para mitigar os impactos da pandemia de Covid-19 em empresas da área. Além disso, limita a compensação de créditos tributários decorrentes de decisão transitada em julgado.
Na última sexta (19), Pacheco deu a entender que o governo abriria mão da reoneração. “A desoneração da folha, tendo sido uma lei aprovada pelo Congresso, e com um veto derrubado, ela valerá. Há um compromisso do governo federal de reeditar a MP [medida provisória], retirando a desoneração do texto”, afirmou o presidente do Senado durante o Brazil Economic Forum, em Zurique, na Suíça. “A saída foi através do diálogo e da construção política”, disse.
No Roda Viva, o ministro da Fazenda relatou sua versão. “O presidente Pacheco, na presença do líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner [PT-BA], falou o seguinte: ‘Haddad, eu penso que esses temas deveriam ser tratados em dois diplomas diferentes’. Num diploma, que pode ser uma MP, deveriam ser tratados Perse e as compensações. [...] E a reoneração, que já foi objeto de deliberação do Congresso, você manda por projeto de lei. Foi isso o que ele me fez levar ao presidente Lula”, disse.
A reunião ocorreu no último dia 15. Segundo Haddad, a mensagem foi levada ao presidente da República na quarta-feira (17) e no dia seguinte o tema foi levado a Lira. “Ficamos de nos encontrar nesta semana”, disse. “Nenhum dos três interlocutores [Pacheco, Lira e Lula] me pareceu refratário a sentar e conversar”, afirmou.
Ele argumentou que a renúncia tributária não se reverteu em aumento de contratações, como defendem representantes dos setores beneficiados.
“De cada dez economistas, pelo menos nove concordam que esses jabutis, esses privilégios, precisam ser revistos, até porque a maioria não rendeu aquilo que prometia quando foi inaugurada”, declarou.
“Mas nós compreendemos, em todos os casos, que eles não deveriam acabar de uma vez por todas de uma hora para outra. Era preciso fazer com que os setores se adaptassem à nova realidade tributária do país, que a reforma tributária inaugura com muita felicidade.”
Lira nega acordo citado por Haddad sobre Perse
Na entrevista, o ministro citou ainda um acordo que teria sido feito com Lira em dezembro de 2022, quando ainda não havia sido empossado, em relação a valores que seriam destinados ao Perse. O presidente da Câmara, no entanto, nega o que disse o titular da Fazenda.
Na versão de Haddad, havia sido definido um total de R$ 20 bilhões para o socorro ao setor de eventos, independentemente do tempo de duração do programa. Da conversa em que se discutiu o assunto teriam participado ainda Gabriel Galípolo, atual diretor do Banco Central, Robinson Barreirinhas, atual secretário da Receita Federal, e o deputado Felipe Carreras [PSB-PE], autor da lei do Perse, além de Lira.
“Nós dissemos: tem R$ 20 bilhões para o Perse. Pode acabar em um ano, em dois, em quatro, em cinco, mas ele vai acabar quando consumir R$ 20 bilhões. E consumiu quase R$ 17 bilhões no ano passado. Portanto a MP se fez necessária porque, se você contar a noventena das contribuições sociais, e a anuidade do Imposto de Renda, você esgotou os R$ 20 bilhões”, disse.
Enquanto Haddad participava do Roda Viva, Lira reagiu às declarações. “Quem tem sua boca fala o que quer. Ele não combinou comigo. Combinou R$ 25 bilhões com o Congresso”, afirmou ao portal “Poder360”.
Comunicado pela apresentadora Vera Magalhães sobre a fala do parlamentar, Haddad se mostrou surpreso. “Falei hoje com o deputado Felipe Carreras pelo telefone. Hoje, falei com ele, por telefone”, disse.
“Agora, não é disso que se trata, né? Não estamos falando de R$ 20 bilhões ou R$ 25 bilhões. Estamos falando de R$ 20 bilhões ou R$ 100 bilhões, né? Se você mantiver quatro anos de R$ 25 bilhões vai dar R$ 100 bilhões. Então é uma loucura. Esse ano o Perse deu R$ 17 bilhões informado pelo contribuinte, fora o que pode não ter sido informado para Receita Federal.”
“Não sabia dessa divergência de números, porque, na minha cabeça, estava claro que era isso [R$ 20 bilhões]. E o Felipe [Carreras] confirmou e, inclusive, me autorizou a revelar nossa conversa. Mas, de novo, se esse for o problema [diferença de R$ 5 bilhões], está resolvido”, afirmou.
Governo vai fazer nova revisão da faixa de isenção do IRPF em 2024, diz Haddad
Na entrevista, o ministro afirmou também que o governo fará uma nova revisão na faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) em 2024. No ano passado, o limite de renda mensal para não precisar pagar o tributo subiu de R$ 1.903,98 para R$ 2.640, o equivalente a dois salários mínimos.
Conforme a Lei Orçamentária Anual de 2024, o piso salarial passou a ser de R$ 1.412 a partir de 1º de janeiro.
“Nós vamos fazer uma nova revisão em 2024 por conta do aumento do salário mínimo. O presidente Lula já pediu uma análise para acertarmos a faixa da isenção. Neste primeiro semestre, temos que encaminhar as leis complementares que regulam a emenda da reforma tributária”, disse Haddad.
Nesta terça (23), em entrevista a uma rádio, Lula intimou Haddad a alterar o IR. “O Haddad sabe que temos que fazer esses ajustes. Eles são difíceis, porque nós precisamos saber [que], na hora que a gente abre mão de um dinheiro, tem que saber de onde vai pegar o outro dinheiro”, afirmou o presidente.
Lula disse que pretende chegar ao fim do mandato isentando do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil: “É um compromisso de campanha, mas, sobretudo, um compromisso de sinceridade”.
Também nesta terça, Haddad disse em conversa com jornalistas que a revisão da tabela do Imposto de Renda será definida até o fim deste mês. "Está [em estudo]. Até o fim do mês vamos ter essa conta", disse.
Ministro se diz convicto de que conseguirá zerar déficit e nega aumento de carga
Durante a conversa, o ministro disse ainda manter a convicção de que irá atingir a meta de obter um resultado primário neutro e negou que tenha discutido com Lula uma revisão do objetivo fiscal para 2024. Segundo ele, foram debatidas com o presidente alternativas para tornar a meta viável.
“Eu discuti com o presidente quando a meta foi fixada: ‘Presidente, nós temos que concluir o ano, nós temos que terminar o ano, nós temos que saber o que foi aprovado e o que não foi aprovado, nós temos que tomar medidas complementares caso haja uma desidratação do que nós encaminhamos para o Congresso’, e houve uma desidratação. O Congresso não aprovou o que nós mandamos. Quando se fala em vitória tem que se entender que foi uma vitória do país em uma negociação”, explicou.
Haddad defendeu ainda que o cumprimento da meta não depende exclusivamente dele. “Não vai ser um ministro que vai conseguir entregar um resultado. Eu dependo do Judiciário, dependo do Executivo e do Legislativo. E até agora eu não posso reclamar de ninguém. Na democracia você tem que ouvir o outro. No que me diz respeito, se eu não tivesse muita convicção do que eu estou perseguindo, eu não teria defendido há 13 meses a mesma coisa”, declarou.
Ele ainda negou que tenha havido aumento de carga tributária no primeiro ano do governo. “Não está havendo. Ninguém criou imposto, ninguém aumentou a alíquota de nada. O que está acontecendo é a revisão de verdadeiros absurdos que foram criados e que geraram um rombo nas contas públicas”, afirmou.
“Assim que assumimos em 2022, fomos tirar uma radiografia do que estava acontecendo com o orçamento federal e entender por que a arrecadação tinha caído tanto. No ano passado, a receita primária foi de 17,7% do PIB [Produto Interno Bruto], enquanto em 2010 foi 20% do PIB”, disse o ministro.
Corte de gastos precisa envolver os três Poderes e começar “pelo andar de cima”, diz Haddad
Ao ser questionado sobre redução de despesas, o ministro afirmou que o Ministério do Planejamento e Orçamento está fazendo uma radiografia das despesas e que possíveis cortes serão anunciados ainda este ano. Ainda segundo ele, essa agenda tem de começar “pelo andar de cima” e envolver todos os Poderes.
“Eu penso que tem espaço [para cortar gastos] e sobretudo se os três Poderes forem mobilizados. Um debate sério com o Judiciário, um debate sério com o Congresso, um debate sério com o Executivo. Um pacto a começar de cima para baixo, e aí cortando com racionalidade, levando em consideração justiça social, desigualdade, princípios com os quais todo mundo é capaz de concordar”, disse.
O ministro se disse contrário à aprovação a reforma administrativa prevista na proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, encaminhada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que, segundo ele, aumentaria gastos dos estados com despesas previdenciárias. “Eu nem sei se os governadores estão completamente atentos ao aumento de gastos que sua aprovação acarretaria”.
Ainda sobre o tema, Haddad citou o projeto de lei (PL) 6.726/2016, que limita benefícios que podem ficar fora do teto do funcionalismo público. “O PL dos supersalários está há quanto tempo tramitando? Se você quer discutir gasto, você tem que começar por onde ninguém vai discutir”, afirmou o ministro. “Eu penso que, do ponto de vista do gasto, nós temos que dar o exemplo e começar pelo andar de cima”, completou.