Bruxelas - Líderes europeus reunidos ontem em cúpula extraordinária em Bruxelas, na Bélgica, aprovaram um programa de 159 bilhões de euros (R$ 355 bilhões) em ajuda à Grécia que provavelmente levará ao primeiro calote da história do euro.
O plano de 16 pontos se baseia em três pilares: ampliação de prazos e reestruturação de títulos, redução das taxas de juros para empréstimos e contribuição de investidores privados esse último ponto, uma vitória da chanceler alemã, Angela Merkel.
Do pacote, 109 bilhões de euros são financiamentos oficiais vindos de fundos da zona do euro, FMI e privatizações gregas. Os outros 50 bilhões de euros são contribuições "voluntárias" de credores privados mas, na verdade, eles têm pouca escolha, uma vez que a alternativa é não receber nada do que investiram.
Pelo modelo desenhado, eles terão um menu com quatro opções de participação: três formas distintas de trocas de títulos e um plano de rolagem. A estimativa é de uma perda de 21% do valor líquido que detêm em títulos da dívida grega.
Além disso, empréstimos gregos no âmbito do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, na sigla em inglês), terão o prazo estendido dos atuais 7,5 anos para o mínimo de 15 anos e o máximo de 30 anos, com um período de carência de dez anos. Os juros desses empréstimos caem de 4,5% para 3,5%. Essas condições também serão estendidas para Portugal e Irlanda.
Diante do potencial impacto sobre os mercados e o perigo de contágio, líderes europeus reforçaram a mensagem de que se trata de uma solução única para uma situação única. "A situação da Grécia é diferente da dos demais países e que por isso exige uma resposta excepcional", disse o presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy. "O envolvimento do setor privado vai se limitar à Grécia e apenas à Grécia."
"Não acredito que os especialistas considerem que o que foi decidido hoje [ontem] vá provocar um acontecimento de crédito", disse o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet. Um "acontecimento de crédito" ocorre quando o calote de um país leva à ativação de contratos de seguro contra o risco de quebra desse país.
Agências
Ontem, porém, agências de qualificação de risco sinalizaram que devem considerar a situação grega como "calote seletivo", uma vez que, qualquer que seja a opção, o investidor terá perdas. A cúpula anunciou ainda um "tipo europeu de Plano Marshall" para estimular o crescimento da Grécia. "Criamos uma força-tarefa para dar assistência técnica e ajudar a implementar reformas", explicou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.
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Repercussão
Veja o que alguns analistas econômicos falaram sobre o pacote de ajuda à Grécia. Para eles, o pacote se restringiu aos gregos, e faltou uma política de ajuda mais clara para os outros países com problemas.
Inflação vai aumentarSimon Black, do site Sovereign Man
A proposta é tão deliberadamente vaga que os líderes europeus podem voltar para casa e falar aos constituintes o que bem entenderem. Angela Merkel pode falar aos eleitores alemães que os franceses vão pagar o resgate. [Nicolas] Sarkozy pode falar aos eleitores franceses que os alemães vão pagar. É um ganha-ganha. ( ) A cada dia, torna-se cada vez mais evidente que o sistema financeiro como o conhecemos vai quebrar. Os Estados Unidos e a união monetária europeia, cujas moedas compõem a quase totalidade das reservas fiduciárias mundiais, vão, ambos, desvalorizar suas moedas. Isso vai elevar a inflação da mesma maneira que qualquer pessoa que detém um papel da dívida grega tentará comercializá-lo o quanto antes. Todo esse dinheiro precisa ir para algum lugar... e certamente boa parte vai alimentar o preço das commodities (o que se traduz em mais inflação).
E a Espanha? E a Itália?Megan McArdle, da revista The Atlantic
Mesmo que talvez esse pacote ajude a Grécia, e o resto da periferia da zona do euro? Para eles, esse plano é o equivalente a dizer: "A austeridade vai continuar até que o moral melhore". Os spreads dos títulos espanhois, italianos, portugueses e irlandenses não estão aumentando porque os investidores pensam que a Grécia precisa de uma conversão da dívida, ou porque os políticos de Bruxelas não fizeram anúncios o suficiente sobre as virtudes do corte no orçamento. Eles estão aumentando porque há dúvidas sobre se esses países ou a Europa têm os meios econômicos ou a vontade política para assegurar que os investidores serão pagos de volta. (...) Esse plano não respalda de forma adequada a Espanha e a Itália, cujos os títulos da dívida estão subindo de forma consistente; nem sequer há uma tentativa disso. Mas essa sempre foi a verdadeira ameaça para a zona do euro, e não um calote grego.
Foi poucoThe Economist
O compromisso impressionante para manter a Grécia em pé ainda não foi acompanhado por um compromisso de reestruturar as dívidas da Irlanda e Portugal, que provavelmente também estão insolventes. A falha em aumentar os recursos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês) pode reduzir o impacto do plano sobre a confiança nos bancos europeus e na determinação para deter o contágio. E a vaga parte "Plano Marshall" do programa é o único aceno para uma perspectiva de crescimento em toda a periferia europeia. De fato, o acordo reafirma o compromisso da zona do euro para a redução rápida do déficit em 2013. A combinação de austeridade em escala continental e uma postura "falcão" do Banco Central Europeu (BCE) vai assegurar que o crescimento da zona do euro permaneça lento ou negativo nos próximos anos. Isso, por sua vez, vai tornar bastante difícil a vida dos países periféricos, aumentando as chances de que as metas estabelecidas não sejam cumpridas e que as performances decepcionantes criem novas crises de confiança nos mercados.