A iniciativa do primeiro-ministro grego, George Papandreou, de convocar um referendo sobre o pacote de ajuda à Grécia, aprovado pelas lideranças europeias na semana passada, teve repercussão negativa tanto entre políticos do país inclusive do partido do premier quanto entre chefes de governo europeus e mercados em todo o mundo. No começo da noite de ontem (horário do Brasil), uma fonte do Pasok (partido de Papandreou) chegou a dizer que a convocação do referendo estava "basicamente morta", mas Angelos Tolkas, vice-porta-voz do governo, afirmou que o governo pretende seguir adiante com a consulta popular.
A insistência grega leva a uma hipótese que ainda não foi oficializada, mas está em todas as mentes: a Grécia pode ser obrigada pela União Europeia a deixar a zona do euro. Depois de dois anos de crise das dívidas soberanas e de desmentidos sobre a eventual exclusão do país, a decisão de Papandreou exasperou líderes políticos. Em lugar de um "haircut" de 50% um calote controlado e aceito pelos credores , a Grécia caminharia para a bancarrota caso o "não" vença na votação.
Nas duas principais capitais do bloco, Berlim e Paris, a palavra "falência" não foi citada ontem. O vocábulo, entretanto, estava nas entrelinhas do comunicado assinado pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, no qual os dois líderes se comprometem a "assegurar a implementação sem atrasos das decisões adotadas na cúpula da zona do euro", consideradas "mais necessárias do que nunca". Na prática, Merkel e Sarkozy ignoraram a hipótese de realização do referendo.
Segundo a agência de classificação de risco Fitch, o eventual fracasso do socorro à Grécia pode desestabilizar toda a zona do euro, comprometendo sua existência. Para a agência, o "não" viria acompanhado de "graves consequências financeiras para a estabilidade financeira e a viabilidade da zona do euro", avaliaram os técnicos. Com uma dívida de 160% do PIB, Atenas não suportaria além de dezembro a falta de repasses do Fundo de Estabilidade Financeira Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI), cujas parcelas de 8 bilhões de euros mantêm a solvência do país desde maio de 2010. Em consequência, o sistema financeiro de países como Itália, França e Alemanha seria ainda mais atingido por um calote total do que com o default programado, contaminando grandes economias do bloco.
Rebelião
A deputada do Pasok Eva Kaili pediu ontem que Papandreou reconsiderasse seus planos. A deputada Milena Apostolaki, também do Pasok, informou ontem que está deixando o partido e passará a atuar como independente, o que deixou a legenda com apenas duas cadeiras de maioria no Parlamento grego. Pelo menos outros dois deputados governistas manifestaram oposição ao referendo e seis pediram a substituição de Papandreou, que será submetido a um voto de confiança na sexta-feira.
Papandreou não fixou uma data específica para o referendo, embora ministros tenham dito que ele deveria acontecer no começo do próximo ano. Esse seria o primeiro referendo na Grécia desde 1974, quando a população foi às urnas para decidir se queria a volta da monarquia ou a instalação da república após sete anos de ditadura militar.
* * * * *
Entenda o caso
Atitude do primeiro-ministro grego pode colocar a perder o esforço europeu para socorrer a Grécia, afirmam analistas.
Dívida
A Grécia e outros países da periferia da zona do euro, como Irlanda e Portugal, já vêm recebendo pacotes de ajuda da União Europeia desde o ano passado. O caso mais crítico é o grego o déficit do país é, atualmente, de 160% do Produto Interno Bruto.
Austeridade
Entre as condições impostas pela zona do euro para os pacotes de ajuda à Grécia estão várias medidas de austeridade, como o controle dos gastos do governo, demissões de funcionários públicos e privatizações. Como o dinheiro dos pacotes é liberado em parcelas, a Grécia precisa comprovar aos credores que vem aplicando as medidas para continuar recebendo o dinheiro que permite ao país honrar os vencimentos de seus títulos; no entanto, o corte de gastos está causando protestos quase diários de vários setores da sociedade que serão atingidos pelas ações de austeridade, o que desgasta o governo do primeiro-ministro socialista George Papandreou.
Acordo
Na semana passada, os líderes da União Europeia conseguiram aprovar um acordo que inclui a aceitação, por parte dos bancos, de um "haircut" (corte) de 50% no valor de face dos títulos da dívida grega em mãos de credores privados, além da recapitalização dos bancos para que eles suportem eventuais novas crises, e do reforço do Fundo de Estabilidade Financeira Europeia (EFSF), que teria até 1 trilhão de euros.
Aposta política
Desgastado internamente, Papandreou pretendia, segundo analistas, transferir para a população a responsabilidade pelas medidas de austeridade, e por isso teria convocado o referendo para aprovação do acordo fechado na semana passada. Pesquisa publicada no fim de semana apontava que 60% dos gregos reprovavam o acordo de Bruxelas, mas 70% queriam permanecer na zona do euro.
Debandada
O anúncio do referendo pegou de surpresa os mercados, outros líderes europeus, o ministro de Finanças grego e parlamentares do partido de Papandreou, o socialista Pasok. Julgando que o primeiro-ministro foi longe demais e que as consequências de um "não" ao acordo no referendo poderia até tirar a Grécia da zona do euro, alguns deputados já deixaram a legenda e outros ameaçavam fazer o mesmo ontem.