Entrevista
"A NFC vai demorar tempo para se tornar comum"
Ed Wilson Tavares Ferreira, professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso
Especialista em sistemas de telecomunicações e membro do Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), organização internacional dedicada ao avanço da tecnologia para fins sociais, o professor Ed Wilson Tavares Ferreira aposta que a transformação do celular em meio de pagamento é inevitável, mas ainda vai demorar para bater de frente com outras opções populares, como o cartão de crédito.
O grande sucesso do iPhone 6 pode fazer com que os pagamentos pelos celulares enfim passem a ser usados em larga escala?
A proposta da Apple não é a emissão de novos cartões, mas apenas em utilizar os já existentes, porém, sem a necessidade de uso do cartão físico (aquele de plástico). Os dados do cartão do usuário serão trocados com o fornecedor através do próprio celular. Este sistema já existe em outras plataformas. É certo que ocorrerá aumento de uso destes sistemas, porém não deverá ocorrer adoção em larga escala neste momento inicial.
Celulares com funções como a Near Field Communication (NFC) serão cada vez mais comuns no mercado?
A NFC não é novidade, mas como costuma acontecer com diversas tecnologias, deverá demorar algum tempo para se tornar comum. A NFC é utilizada em outros campos, em alguns sistemas de transporte coletivo, por exemplo, mas é bastante empregada também para controle de acesso, em catracas e portões. Com a disponibilização da NFC em celulares espera-se que ocorra a adoção por parte das empresas de comércio e dos usuários e, assim, seja impulsionada a inclusão desta tecnologia em mais aparelhos.
A ainda escassa opção desta tecnologia nos pontos de venda, pelo menos no Brasil, não é um empecilho?
Os custos com o pagamento através de cartões de créditos pagos pelos empresários de pontos de venda não é baixo. Em grande parte dos casos, ocorre a cobrança de aluguel e porcentual sobre cada venda. A implementação da NFC também gerará mais custos. Mas o sucesso de um aparelho como o iPhone cria demanda, que certamente contribuirá para a popularização desta tecnologia. Assim, as operadoras de cartões e o empresariado certamente aproveitarão este novo mercado.
O lançamento do iPhone 6, no mês passado, foi cercado de comentários da mídia e dos usuários sobre as telas maiores, a possibilidade dos aparelhos entortarem e as novas funcionalidades (e bugs) do iOS 8. Por outro lado, apesar de descrita por alguns como "revolucionária", uma nova função presente no smartphone da Apple ainda é pouco comentada: a tecnologia de pagamentos NFC, usada para transações a curta distância. Já adotado em celulares de outras marcas, o sistema chega para servir como alternativa aos cartões de plástico e às cédulas, embora ainda precise vencer a desconfiança e, pior, o desconhecimento de usuários e varejistas.
A tecnologia NFC, sigla em inglês para Near Field Communication (comunicação por campo de curta distância), permite a troca de dados entre dois dispositivos apenas pela aproximação física, sem a necessidade de cabos ou rede wireless - ambos os aparelhos precisam ter um chip NFC. Apesar das várias utilidades possíveis como em um cartão de identificação, por exemplo - a maior aposta é mesmo em transações financeiras.
No caso do sistema da Apple, batizado de Apple Pay, o usuário pode incluir os dados do cartão de crédito por meio do iTunes e utilizar o celular para efetuar pagamentos em locais que disponibilizem máquinas com NFC. Basta colocar o iPhone perto do leitor e manter um dedo no Touch ID (sistema de identificação de impressões digitais) do celular. Uma vibração no smartphone avisa que o leitor recebeu com êxito as informações e o pagamento foi feito, sem a necessidade de digitar senhas.
Segundo a fabricante do iPhone, o Apple Pay é compatível com 83% das bandeiras de cartão disponíveis nos Estados Unidos e já conta com 220 mil estabelecimentos cadastrados no país. O sistema chegou a arrancar elogios do co-fundador da Microsoft, Bill Gates, que chamou a nova empreitada da Apple de uma "ideia fantástica". A expectativa é que a popularidade do iPhone ajude a disseminar a tecnologia, que pode ser incluída inclusive em dispositivos vestíveis, como relógios e pulseiras inteligentes. Celulares de outras marcas, como o Galaxy S5, da Samsung, o Xperia Z2, da Sony, e o G3, da LG, também veem com NFC.
Presença tímida
No Brasil, a utilização da tecnologia ainda é tímida. Projetos pilotos estão sendo feitos desde o ano passado por bancos e operadoras de telefonia o Itaú tem uma parceria com a TIM, enquanto a Vivo e a Claro trabalham com o Bradesco para disponibilizar pagamentos via NFC utilizando máquinas da Cielo. O PagSeguro tem 16 estabelecimentos cadastrados em São Paulo para transações com a tecnologia.
"Já é possível contar com a capilaridade do celular, mas ainda é preciso adaptar o varejo para essa modalidade e criar esse costume nas pessoas. Não é um desafio tão simples, tanto do ponto de vista tecnológico quanto do hábito de consumo. E uma barreira pode ser a percepção de segurança do usuário, já que o brasileiro está acostumado a digitar a senha na transação, a ter cartão com chip", afirma Bernardo Carneiro, CEO do Site Blindado, empresa especializada em e-commerce e segurança na internet.
Iniciativas tentam popularizar NFC
Em São Paulo, um aplicativo para Android desenvolvido pela Ponto Certo, rede de recarga do Bilhete Único do transporte público paulistano, permite que o usuário utilize o celular com NFC para fazer a recarga do seu cartão ou para consultar o saldo. Basta aproximar o cartão de transporte do celular até então, era preciso ir a pontos autorizados para colocar mais créditos, em estações de metrô ou terminais de ônibus. Há alguns empecilhos, porém: é preciso conexão à internet para fazer a transação e vários celulares que possuem NFC, como o LG G2 e o Galaxy S4, não são compatíveis com o app.
A curitibana Dataprom, que desenvolveu o sistema de bilhetagem eletrônica da Rede Integrada de Transporte (RIT), também está estudando a implantação de novas tecnologias para pagamento utilizando o celular, incluindo o NFC. Para o vice-presidente comercial de Adquirência (credenciamento de lojistas) da First Data Brasil, Henrique Capdeville, o maior potencial no Brasil, neste primeiro momento, está nas pequenas transações, como o pagamento de passagens de ônibus e de entradas em teatros, estádios e museus.
O maior desafio é mesmo disseminar a tecnologia entre os lojistas e convencer o varejo de que o celular pode ser um meio de pagamento tão ágil e seguro quanto o cartão. "O lojista vai passar por um aprendizado, mas você não consegue gerar esse hábito com somente 1% das transações ocorrendo neste ou naquele modelo. Para o celular ser usado em larga escala, tem que haver também a convergência dos bancos e das bandeiras [de cartões]", defende Capdeville.
Driblando o caixa
Há ainda outras iniciativas que, apesar de não utilizarem o NFC, aproveitam o smartphone para facilitar o pagamento e dar mais autonomia ao cliente. O PayPal possui uma parceria com cinco lojas da rede paulista Suplicy Cafés Especiais em que o usuário paga a conta diretamente pelo celular, por meio de um aplicativo, sem precisar passar pelo caixa. Ao mesmo tempo, o varejista tem acesso ao perfil do cliente e seus hábitos de consumo.
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