Depois de passar um ano prometendo enviar a sua proposta de reforma tributária ao Congresso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, finalmente fechou uma data. Em um aceno para apaziguar os ânimos dos parlamentares sobre o tema, Guedes combinou com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), entregar a primeira parte da proposta do governo na próxima terça-feira (21).
O ministro disse que irá pessoalmente à residência oficial de Alcolumbre entregar o documento. A previsão é que Maia e outras lideranças políticas diretamente ligadas ao debate sobre a reformulação do sistema de impostos do país acompanhem o encontro, previsto para a hora do almoço, segundo interlocutores do Ministério da Economia. Os detalhes do encontro ainda estão sendo fechados. Será a primeira vez que representantes do governo, da Câmara e do Senado aparecerão juntos por causa da reforma tributária.
O entendimento começou com um almoço, na quarta-feira (15), entre o ministro Paulo Guedes e o presidente da Câmara — foi um encontro fora da agenda oficial de ambos. A reunião foi intermediada pelo ministro das Comunicações, o deputado Fábio Faria (PSD-RN). Foi nessa reunião que Guedes combinou com Maia enviar a primeira parte da proposta de reforma tributária do governo na semana que vem, atendendo a um pedido do próprio presidente da Câmara.
Guedes e Maia não se falavam desde maio, quando entraram em atrito público por divergências sobre o projeto de socorro a estados e municípios. O ministro acabou fechando um acordo com o Senado e modificou substancialmente a proposta aprovada pela Câmara, irritando Maia, que entendeu que foi “passado para trás” na discussão. Desde então, Rodrigo Maia passou a despachar pautas econômicas com o assessor especial de Guedes, o ex-ministro do Planejamento Esteves Colnago.
Guedes declarou à CNN que "está havendo uma reaproximação e pacificação na política" e que será possível retornar a agenda sobre a reforma tributária neste segundo semestre. "Com o coronavírus, veio o desentendimento na política. O Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente, os governadores. Todo mundo se desentendendo. Agora, há reaproximação.”
Semana começou com desentendimento entre Maia e Davi
Até o início da semana, o clima não estava a favor da reforma. Num gesto para pressionar o Executivo e o Senado, Maia anunciou na terça-feira (14) que convocaria uma sessão da comissão de reforma tributária na Câmara dos Deputados para retomar os debates sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e relatada por Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
"O presidente do Congresso [Davi Alcolumbre] disse que tinha dificuldade de retomar as comissões mistas [em virtude da pandemia]. Como não conseguimos avançar lá, a partir de amanhã vamos retomar o debate na Câmara dos Deputados. Se pudermos retomar junto com o Senado, muito melhor", disse Maia.
O gesto foi interpretado por Alcolumbre como uma afronta, já que o combinado desde o fim do ano passado era tratar o tema em uma comissão mista informal do Congresso. O presidente do Senado elevou o tom e disse que engavetaria a proposta da Câmara se ela fosse aprovada pelos deputados.
"A Câmara tem legitimidade para votar a PEC 45 [da Câmara], mas se o Senado não estiver inserido, e foi esse o intuito na comissão mista, a PEC vai ser votada na Câmara dos Deputados e não vai tramitar no Senado Federal", declarou na quarta-feira (15) durante sessão do Senado.
"Se a Câmara não estiver alinhada com uma proposta dos senadores e com a participação decisiva do governo, alguém acha honestamente que sai uma reforma tributária sem a participação do governo?”, alertou.
Guedes deixa CPMF de fora num primeiro momento para evitar atritos
O ministro Paulo Guedes, diante do fogo cruzado, resolveu adotar um tom pacificador. Além de voltar a dialogar com Maia, ele afirmou que enviará na terça-feira somente a primeira parte da reforma do governo, que é mais consensual.
Trata-se da criação de um imposto sobre valor agregado (IVA) federal, que vai substituir o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O IVA federal deve se chamar Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e terá uma alíquota entre 11% e 12%. Estados e municípios poderão acoplar o ICMS e o ISS ao IVA Federal, mas será opcional.
“Temos que começar pelo que nos une. Vamos começar com o IVA dual. Vamos acabar com o PIS e a Cofins. Isso já está na Casa Civil”, disse o ministro em evento promovido pela XP Investimento na quinta-feira (16). “A reforma tributária está pronta, está na Casa Civil o primeiro tranche. Segue para o Congresso e vai ser entregue ao senador Davi Alcolumbre. Vamos levar a proposta para o presidente do Senado. Nós vamos à casa do Davi na terça-feira”, completou.
O ministro preferiu não enviar neste momento o que seria uma segunda fase da reforma, a criação de um imposto sobre transações, numa versão digital da extinta CPMF. "Se vamos começar pelo que nos desune, a reforma tributária vai terminar antes de começar", afirmou no evento da XP. "Não interessa ir para o confronto, isso é uma tolice."
Segundo ele, a criação desse imposto deverá ser tratada num outro momento, junto de um programa de geração de empregos. A ideia é que o imposto financie a desoneração parcial da folha de pagamentos, a aposta do governo para estimular o emprego formal no pós-pandemia.
A opção por deixar esse tema para um segundo momento foi feita porque o presidente da Câmara é resistente ao tema. Maia afirmou que, enquanto for presidente da Casa, não pautará “nenhum imposto disfarçado de CPMF” e chegou a ameaçar relançar a campanha “Xô, CPMF”. A campanha foi lançada em 2007, quando a CPMF foi derrubada pelo Congresso. O mandato de Maia à frente da Câmara termina em fevereiro de 2021.
Debate sobre volta da CPMF não está morto
O tema, contudo, não será deixado de lado pelo ministro, como gostaria Maia. Guedes acredita que a única forma de gerar um “choque de empregabilidade” é desonerando a folha e, para isso, não vê outra alternativa se não a criação de um imposto sobre transações para compensar a perda de arrecadação que a desoneração gerará, em especial para Previdência.
Conta a favor do ministro o fato de ele ter vencido algumas resistências internas sobre o tema. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, vem afirmando em sucessivas entrevistas que o tema precisa voltar ao debate. No ano passado, a discussão tinha sido enterrada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, e custado o cargo de Marcos Cintra, na época secretário da Receita Federal.
Líderes de parte do Centrão também estão dispostos a discutir o tema, em especial Arthur Lira (PP-AL), um dos principais caciques do grupo. Parte do grupo informal do Congresso passou a compor a base de apoio do presidente Bolsonaro em troca de cargos públicos.
Com apenas mais seis meses de mandato, Maia pode não ter a mesma força para barrar temas que não são do seu interesse. Lira é apontado como um dos nomes favoritos para presidir a Câmara no ano que vem.
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