Após o presidente Jair Bolsonaro pôr fim ao Renda Brasil e desautorizar a equipe econômica a desindexar parte do Orçamento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, deve concentrar suas forças na reforma tributária do governo. Em especial, na desoneração da folha de pagamentos e na criação de um novo imposto sobre transações digitais, semelhante à antiga CPMF, para compensar a perda de receita previdenciária.
A desoneração e o novo imposto fazem parte da quarta fase da reforma tributária do Executivo. Até o momento, só a primeira foi enviada: a unificação dos impostos federais PIS e Cofins em um imposto sobre valor agregado (IVA) chamado de Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS). Essa etapa foi entregue ao Congresso em 21 de julho.
As demais estão paradas há dois meses nas gavetas do Ministério da Economia, mais exatamente nas de Vanessa Canado, assessora especial de Guedes, e do secretário especial da Receita Federal, José Tostes, os dois nomes ligados diretamente à elaboração do texto. A promessa era enviar a segunda, terceira e quarta etapas ao Congresso em agosto. Promessa que foi repetida diversas vezes por Afif Domingues, outro assessor especial do ministro. "Tem que ser nesse mês [agosto], não dá para passar disso", disse ele em entrevista à Gazeta do Povo.
A promessa não foi cumprida. Guedes avaliou que o debate sobre a reforma tributária ainda "não estava maduro", apesar de, publicamente, técnicos da Economia negarem que a pasta está travando o debate. A avaliação do ministro é que o debate está interditado porque o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não quer pautar o novo imposto digital e porque estados e municípios exigem a criação de um fundo de compensação para entrarem na reforma tributária.
O ministro é veemente contra a criação desse fundo. "A União pode quebrar e vai faltar dinheiro para todo mundo, vamos entrar em rota de implosão fiscal", disse semana passada durante fórum promovido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). "Não contem comigo para isso", resumiu.
Em outro evento, também na semana anteior, no painel TeleBrasil 2020, ele mandou um recado claramente endereçado ao presidente da Câmara. Disse que não "adianta interditar" o debate sobre o imposto digital.
"Se falarem que esse imposto sobra transações é ruim, o imposto sobre folha de pagamentos é muito pior e muito mais destrutivo", disse. "Ou vamos ter que falar sobre imposto sobre transações para desonerar a folha, ou não podemos falar em desonerar a folha", completou, prometendo enviar o restante da reforma tributária do governo em breve.
Desoneração da folha
O ministro não deixou claro se enviará em breve somente a segunda fase da reforma tributária, se seguirá outra ordem ou se enviará as três fases restantes de uma vez só vez. Porém, como o governo vem sendo pressionado a prorrogar até dezembro de 2021 a desoneração da folha para 17 setores, é possível que a equipe econômica decida enviar logo a reforma tributária completa, para tentar pôr fim a essa discussão.
O Congresso aprovou a extensão da desoneração da folha de pagamentos a 17 setores da economia até o ano que vem, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou. Os parlamentares estão decididos a derrubar o veto do presidente. O governo vem ganhando tempo. Com a ajuda de Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Congresso, vem conseguindo adiar sucessivamente a sessão que vai analisar o veto. Ela deveria ter acontecido na semana passada, por exemplo, mas já foi remarcada para o dia 30.
No painel TeleBrasil 2020, Guedes disse aos participantes que, em vez de ficarem fazendo lobby no Congresso para beneficiar só alguns setores com a desoneração, seria melhor "desonerar todos” de uma vez. "Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Quando é na sua empresa, você luta bravamente para manter a desoneração. Quando é na dos outros você finge que não viu", criticou o ministro durante o evento do setor de telecomunicações.
A quarta fase da reforma tributária do governo prevê a desoneração total da folha de pagamentos para quem ganha um salário mínimo e parcial para salários acima desse valor. Todos os setores seriam beneficiados. O objetivo é incentivar a geração formal de empregos. Guedes considera os impostos sobre a folha "armas de destruição em massa de empregos".
Em troca, para compensar a perda de arrecadação para a Previdência, já que o principal imposto sobre a folha é para seguridade social, seria criado o imposto sobre transações digitais. A alíquota seria de 0,2% e a arrecadação anual estimada é de R$ 120 bilhões, segundo informou Afif à Gazeta do Povo.
Fim do Renda Brasil pode dar impulso à reforma tributária
Além do debate sobre a desoneração da folha, o próprio fim do Renda Brasil pode dar um impulso a, pelo menos, tirar da gaveta o restante da reforma tributária do governo. Até então, a equipe econômica estava com suas forças centradas em viabilizar o novo programa social.
Mas o presidente Bolsonaro tirou essa responsabilidade somente das mãos da equipe econômica e dividiu ela com o Congresso. O relator do Orçamento, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), informou que recebeu sinal verde para, junto com as lideranças e a equipe econômica, viabilizar um novo programa social para 2021.
A reforma administrativa, outra tema importante da pasta da Economia, foi encaminhada à Câmara dos Deputados no começo de setembro. A articulação política para aprovar a proposta ficará a cargo dos líderes do governo no Parlamento e do ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Ramos. O acordo é para que a equipe econômica não se envolva mais em negociações políticas.
Quais são as fases na gaveta do Ministério da Economia
Estão nas gavetas do Ministério da Economia as segunda, terceira e quarta fases da reforma tributária. A segunda prevê a simplificação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para torná-lo um imposto mais seletivo. O governo deve propor a isenção de IPI para produtos da linha branca, como geladeiras e fogões.
A terceira fase engloba mudanças no Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas. O governo deve reduzir a tributação sobre empresas e passar a cobrar impostos de dividendos (parcela do lucro distribuída aos acionistas), que hoje são isentos. Para pessoas físicas, a expectativa é aumentar a faixa de isenção e diminuir a alíquota máxima cobrada.
Por fim, a quarta fase é a da criação do novo imposto digital – que apesar desse nome deve incidir sobre todo tipo de transação –, para que o governo possa desonerar a folha de pagamentos.
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