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O ministro Paulo Guedes termina a primeira metade da sua gestão à frente da Economia entregando menos do que promete e colocando em risco a própria credibilidade. O “posto Ipiranga” do governo Bolsonaro deixou de ser uma quase unanimidade no mercado financeiro, e até economistas e analistas alinhados à sua agenda concordam que as entregas estão aquém do esperado.
“Foram dois anos, em especial este, cheio de altos e baixos, onde a expectativa e a realidade acabaram se distanciando demais. Essa é uma forma de resumir a gestão do Paulo Guedes”, afirma Fabricio Taschetto, ex-diretor do Santander e atual diretor de investimentos e fundador da gestora Ace Capital.
“Eu costumo usar um exemplo: Paulo Guedes como economista é melhor que [Henrique] Meirelles [ex-ministro da Fazenda do governo Temer]. Mas Meirelles foi melhor ministro que Paulo Guedes”, completa.
Apoiador da agenda econômica de Guedes, Taschetto avalia que o ministro tem o diagnóstico correto dos problemas da economia brasileira. "O país seria outro se os projetos tivessem disso implementados", comenta, mas ponderando que já ficou claro que a oportunidade de transformação do Estado foi perdida no primeiro ano, com a aprovação somente da reforma da Previdência, e agora neste segundo ano, com a crise causada pela pandemia de Covid-19.
“Dois anos atrás, a minha expectativa era altíssima em relação à equipe econômica. Agora, espero que não furem o teto e que passem duas ou três propostas [até 2022]", afirma Taschetto.
Professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Ellery também diz que a visão e parte da agenda do ministro Paulo Guedes estavam certas, mas que as entregas foram baixas nestes dois primeiros anos.
“O governo todo é muito confuso. Encaminhou muita coisa para o Congresso que acabou não sendo votada. Fazendo uma analogia com o futebol, a equipe econômica é um time cheio de craque, mas não está conseguindo entrosamento pra jogar, dentro e fora do governo", avalia Ellery.
Pedro Mezenes, fundador do Instituto Mercado Popular e colunista da Gazeta do Povo, considera que a perda de credibilidade do ministro começou em fevereiro deste ano e se acentuou ao longo do ano.
“Sem ter um plano claro de recuperação da credibilidade fiscal, o ministro se reveza entre as mesmas promessas que não se concretizam. Promete privatizações a curto prazo, reformas que nunca são entregues e ainda culpa o Legislativo por seus infortúnios, como se negociar com o Congresso não fosse parte das suas funções”, diz Menezes em artigo publicado na Gazeta do Povo.
“Neste ano, porém, as promessas do talentoso palestrante que lidera o Ministério da Economia já não possuem a mesma força. Indicado para operar como fiador de Bolsonaro junto ao mercado financeiro, o ministro perde sua credibilidade em velocidade assustadora”, completa.
O economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Pedro Paulo Silveira, diz que é injusto dizer que a credibilidade de Guedes está em xeque, mas que as entregas nestes dois primeiros anos de fato ficaram aquém das expectativas.
“O Paulo Guedes tinha uma avaliação extremamente otimista no começo do governo. Mas essa própria avaliação não levou em conta a capacidade de o Congresso absorver todas as demandas que seriam apresentadas por esse governo. É um volume de propostas grandes, densas, que embutem muitas mudanças.”
Guedes rebate críticas: "Quem entregou tanto em tão pouco tempo?"
Recentemente, ao comentar a aprovação da Lei de Falências pelo Senado Federal, Guedes decidiu rebater publicamente as críticas que têm sofrido de diversas correntes de especialistas sobre a sua capacidade de entregas. "Quem entregou tanta coisa em tão pouco tempo?" questionou a jornalistas que o ouviam na porta do Ministério da Economia.
"Não peço elogios. Mas vocês deviam estar observando os fatos empíricos. Não se falou tanto em ciência, em fatos? Olhem os fatos, olhem o que foi feito antes. Nós entramos, fizemos a reforma da Previdência imediatamente, derrubamos os juros, economizamos agora mais R$ 300 bilhões com a reforma administrativa e mais de R$ 150 bilhões quando combinamos que não vai haver aumento de salários para o funcionalismo no meio da pandemia. Estamos fazendo coisas importantes", enumerou o ministro. Embora ele tenha enumerado os supostos ganhos da reforma administrativa, o fato é que a proposta nem começou a tramitar.
"Uma pessoa que eu nem sei quem é diz que eu estou desacreditado. O mercado faz novas altas todos os dias, mostrando que há confiança na política econômica brasileira. O dólar descendo, a bolsa subindo, os investimentos entrando, a economia voltando em V", argumentou. O ministro não citou o nome de quem estava rebatendo, mas ele foi criticado dentro e fora do governo durante todo o ano.
"Críticas injustas nos fortalecem", disse o ministro em um primeiro momento. Depois: "Crítica injusta não merece respeito".
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Como Guedes teria se perdido
Na avaliação do professor Roberto Ellery, está claro que o operacional do Ministério da Economia não está funcionando. “Talvez tenha a ver com esse superministério que foi criado, que pode ser difícil de conduzir, porque juntou os antigos Ministérios do Planejamento, Fazenda, Indústria e Comércio, Trabalho e Previdência. Isso pode ter sido um complicador, porque o Paulo Guedes não tem experiência de governo, ele foi bem sucedido no mercado liderando equipes menores e mais focadas.”
O professor cita como um exemplo do desalinhamento do Ministério da Economia as três propostas de emenda à Constituição relacionadas ao chamado pacto federativo, encaminhadas em novembro de 2019 ao Senado. Além de Guedes ter prometido que uma delas seria aprovada em um mês, o que é praticamente impossível em caso de emenda à Constituição (e acabou não ocorrendo até agora, 13 meses depois), Ellery avalia que a PEC Emergencial e a do Pacto Federativo quase se contradizem. “Uma equipe mais bem afinada entrega para Congresso propostas mais bem estruturadas”, diz.
Taschetto afirma que, ao mesmo tempo em que o economista Paulo Guedes é “brilhante”, falta jogo de cintura para cultivar boas relações com o Congresso e até mesmo com integrantes do próprio governo.
“Ele não ter mantido boa relação com o Congresso e até com outros ministros. Essa falta de jogo de cintura acabou levando a um segundo semestre com só brigas em Brasília, e ele no meio dessas brigas fica mais fraco do que era no começo”, diz o gestor, lembrando que o ministro quis passar muitos projetos "no grito", o que acabou prejudicando boa parte do trabalho.
Além do embate clássico sobre a “volta da CPMF” para desonerar a folha de pagamentos, Ellery lembra que, "até num gol bonito", que foi a aprovação da reforma da Previdência, o ministro criou caso quando não precisava: “Ele várias vezes criou casos na reforma da Previdência ao insistir na [criação do regime de] capitalização. [Presidente da Câmara, Rodrigo] Maia disse que não era contra a ideia, mas que não era a hora. Mas Guedes se mostrou pouco aberto à discussão”.
Silveira, da Nova Futura, cita outro fator que pode ter contribuído pelo desempenho aquém das expectativas do ministro: a confusão política do Executivo com os demais poderes. “O governo teve um susto muito grande no começo do ano, antes mesmo da pandemia. Ele estava correndo o risco de enfrentar um processo de impeachment. Para evitar o processo, ele [governo] teve de se reinventar, mudou o mix de governabilidade. Teve um custo, mas conseguiu sobreviver."
O que mudar na segunda metade da gestão
Para os próximos dois anos, Fabricio Taschetto defende que o ministro passe a negociar mais com o Congresso. “Ele queria ganhar tudo, aí acabou não levando nada. Vivemos numa democracia, tem que respeitar o Congresso, não dá para querer ‘tratorar’. Os deputados são representantes do povo”, diz o gestor da Ace Capital.
O professor Ellery pede que Guedes faça um plano mais focado e realista para os dois próximos anos, ao invés de ficar prometendo diversas privatizações e reformas, como costuma fazer em lives com o mercado financeiro. “O Paulo Guedes faz apostas muito altas. Um plano ambicioso pode não funcionar tão bem. É melhor fazer menos, mas fazer, do que não entregar”, diz o economista.
“Na minha visão, o governo vender otimismo é errado. Você não pode ficar criando esperança, porque esperança gera frustração. Faltam dois anos, o que ele acha mais importante: reforma administrativa? Reforma tributária? PEC Emergencial? CPMF? Privatizações?”, questiona o professor da UnB.
Silveira, por sua vez, considera que os discursos inflados são uma estratégia de todo o governo, não só do ministro Paulo Guedes, e que isso dificilmente vai ser mudado. “É uma estratégia que todo governo tem, de tentar influenciar as Casas [do Congresso], chamar a sociedade para que sociedade atue na influência dos políticos. É uma atividade quase militante no sentido de sugerir o que deve ser votado e feito pelo Congresso.”
Queda de Guedes: assusta ou nem tanto?
Sobre uma eventual demissão, a pedido ou não, do ministro Paulo Guedes nos próximos meses de governo, Taschetto diz que ela não assustaria tanto o mercado se o sucessor fosse alguém comprometido com a consolidação fiscal: “Se fosse alguém com linha parecida e com credibilidade, seria até positivo".
Ele cita como um bom possível sucessor Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central. “Campos Neto não é tão bom economista como Paulo Guedes, mas é um gestor excelente. O Paulo Guedes montou no começo uma equipe brilhante, mas mais de um terço já saiu”, explica.
Ellery considera que eventual saída de Guedes poderia ser “desastre”, mesmo se o ministro seja substituído por alguém alinhado à agenda fiscal. “Com todos os problemas, ele [Guedes] consegue segurar o Bolsonaro. Um nome como Meirelles, não sei se seguraria. Guedes está desde a campanha, tem força até para peitar outros ministros."
Para o professor, seria muito arriscada uma troca: “Outro nome pode ser engolido por setores do governo que querem abandonar agenda de reformas”.
Para Pedro Menezes, só há uma coisa que os mercados temem caso Guedes seja demitido: “A possibilidade de Bolsonaro escolher um substituto ainda pior”, escreveu ele em artigo recente.