A alta nos preços dos combustíveis, que já incomodava o governo desde o início do ano passado, ganhou nova dimensão após o início da guerra na Ucrânia. Com a possibilidade de Estados Unidos e aliados proibirem a importação do petróleo russo, na madrugada desta segunda-feira (7) a cotação do barril do tipo Brent, utilizado como referência no mercado global, chegou a a máxima de US$ 139,13, maior valor desde julho de 2008. O mercado se acalmou na sequência, mas, ainda assim, por volta de meio-dia o Brent ainda subia quase 4%, negociado acima de US$ 122.
Diante do temor do impacto eleitoral que a inflação dos combustíveis pode gerar, o governo se movimenta em busca de alternativas. Segundo informações que vieram a público, entre as hipóteses em estudo estariam medidas que já estão em discussão no Congresso e podem ser votadas nesta semana, a reedição de um programa de subsídio federal aos preços e até mesmo intervenções mais drásticas, como uma eventual mudança na política de preços praticada pela Petrobras, mencionada nesta manhã pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em entrevista à Rádio Folha, de Roraima, Bolsonaro criticou a política de preços da estatal, conhecida pela sigla PPI (de preço de paridade de importação). “Agora, tem uma legislação errada feita lá atrás, em que você tem uma paridade do preço internacional. Ou seja, o que é tirado do petróleo, leva-se em conta o preço fora do Brasil. Isso não pode continuar acontecendo. Estamos vendo isso aí, sem ter nenhum sobressalto no mercado, está sendo tratado hoje à tarde em mais uma reunião”, disse.
“Se você for repassar isso tudo para o preço dos combustíveis, você tem que dar um aumento em torno de 50% nos combustíveis, não é admissível você fazer. A população não aguenta uma alta por esse percentual aqui no Brasil”, acrescentou o presidente.
Pela metodologia do PPI, adotada desde 2016, a estatal utiliza como referência para os reajustes na gasolina, no óleo diesel e no gás de cozinha a cotação do petróleo no mercado internacional e custos de importadores, como transportes e taxas portuárias.
O objetivo da prática é tornar o mercado competitivo para que a iniciativa privada continue a importar combustíveis, uma vez que a Petrobras não é capaz de suprir toda a demanda interna. O controle de preços pelo governo com a mudança na PPI é defendido pela oposição e por pré-candidatos à presidência como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT).
Questionado sobre as declarações de Bolsonaro, o Ministério de Minas e Energia confirmou que na tarde desta segunda-feira (7) haverá uma reunião técnica – sem a participação de ministros – para debater a alta dos preços do petróleo. O MME não deu mais detalhes sobre a pauta do encontro.
Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, estaria em estudo ainda um novo programa de subsídio aos combustíveis, que teria validade de três a seis meses. A ideia seria reeditar o modelo adotado em 2018, quando o governo de Michel Temer (MDB) subsidiou o óleo diesel para dar fim à greve dos caminhoneiros.
O assunto será debatido em uma reunião nesta terça-feira (8), da qual devem participar os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, da Economia, Paulo Guedes, e de Minas e Energia, Bento Albuquerque. O presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, também teria sido convidado. Membros da equipe econômica já teriam se manifestado contrários ao plano.
Pela proposta, seria estabelecido um valor fixo de referência para os combustíveis, e a diferença entre esse preço e a cotação internacional do petróleo seria bancada pelo governo. O pagamento seria feito a produtores e importadores de combustíveis e os recursos viriam dos dividendos pagos pela Petrobras à União, além de participações especiais de campos como os do pré-sal.
Embora esse dinheiro deva, por lei, ser aplicado em saúde e educação, o governo justificaria a mudança de destinação com a situação excepcional provocada pela guerra. Assim, não precisaria retirar recursos diretamente do Tesouro.
A medida ajudaria a conter a pressão sobre o caixa da Petrobras, que tem segurado internamente a disparada no preço do petróleo, sem afetar diretamente o bolso do consumidor em ano eleitoral. Desde 12 de janeiro, a estatal não eleva os preços da gasolina e do diesel em suas refinarias, o que prejudica concorrentes como refinarias privadas e importadores, que não tem como congelar seus preços.
Segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), nesta segunda-feira (7), o preço médio do diesel praticado no país tem uma defasagem média de 30% em relação ao valor internacional. No caso da gasolina, a diferença chega a 26%.
“Com a alta do câmbio e também dos preços de referência da gasolina e do óleo no mercado internacional, os diferenciais para óleo diesel e gasolina sustentam cenário de arbitragens negativas, inviabilizando operações de importação”, diz a entidade em relatório.
Senado deve votar projetos sobre combustíveis nesta semana
Paralelamente às discussões do Executivo, o Legislativo também trabalha para enfrentar a questão. Dois projetos que visam reduzir os preços de combustíveis estão na pauta do plenário do Senado desta semana, após terem sido adiados há duas semanas.
Uma delas é o projeto de lei complementar (PLP) 11/2020, já aprovado na Câmara dos Deputados, e que prevê mudanças na fórmula de cobrança do ICMS sobre gasolina e óleo diesel. A cobrança do tributo deverá ser fixa por unidade de medida (ad rem), não mais por porcentual do valor final (ad valorem), como é hoje.
Além disso, o relator da matéria, senador Jean Paul Prates (PT-RN), disse que aceitará incluir dispositivo no texto que autorize à União zerar PIS e Cofins sobre diesel e gás de cozinha, conforme defende Bolsonaro. Prates, no entanto, não incluiu a medida no texto-base de seu substitutivo, deixando a cargo da base governista apresentar emenda com a proposta.
Estados e municípios são contra a proposta, que levaria a uma queda na arrecadação, mas o governo entende que o aumento na arrecadação no ano passado teria gerado caixa para que os entes suportem a redução na receita.
O outro projeto pautado para esta semana, o PL 1.472/2021 também é alvo de controvérsias. Também relatado por Prates e de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE), o texto prevê mudanças na PPI, além da a criação de uma “conta de compensação” — espécie de fundo financeiro — que seria utilizado para amenizar choques de preço dos combustíveis.
Essa conta seria abastecida com recursos de participações do governo em concessões de óleo e gás, dividendos pagos pela Petrobras à União, receitas públicas não recorrentes relativas ao setor, além do superávit financeiro de fontes de livre aplicação, em caráter extraordinário.
Na proposta original, estava prevista ainda a criação de um tributo que incidiria sobre a exportação de óleo bruto e cujos recursos também abasteceriam a conta de compensação. Diante da polêmica gerada pela proposta — nove diferentes parlamentares protocolaram emendas no sentido de suprimir a criação do imposto —, Prates retirou o trecho da redação.
A equipe econômica do governo é refratária à criação de um fundo de estabilização, mas a ideia tem apoio dos ministros de Minas e Energia, Bento Albuquerque, do Trabalho, Onyx Lorenzoni, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, também já deu declarações em favor da medida.
Guerra eleva preços muito além dos níveis que já incomodavam governo
Com o início da retomada econômica após a crise de demanda provocada pela pandemia, a escalada de preços de combustíveis já é uma pedra no sapato de Bolsonaro desde o início de 2021, dado seu impacto no capital político e eleitoral. Em fevereiro daquele ano, após se irritar com os aumentos sucessivos, Bolsonaro indicou Silva e Luna, então diretor-geral do lado brasileiro da Itaipu Binacional, para substituir Roberto Castello Branco, que presidia a Petrobras e ainda podia ser reconduzido por mais dois anos.
Na sequência, o governo publicou decreto obrigando postos a exibirem a composição dos preços e os tributos que incidem sobre os combustíveis. Em seus discursos, o presidente tenta atribuir ao ICMS, recolhido pelos estados, a responsabilidade pelos valores em ascensão.
Em março, Bolsonaro editou decreto zerando as alíquotas de PIS e Cofins sobre o diesel por dois meses e sobre o GLP de forma permanente. Para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma medida provisória aumentou a CSLL sobre instituições financeiras, encerrou o Regime Especial da Indústria Química (Reiq) e alterou regras do IPI para a compra de veículos por pessoas com deficiência.
Meses depois, o próprio presidente disse que a medida “não adiantou p... nenhuma”, durante um evento de entrega de terrenos rurais no Mato Grosso do Sul. Um único reajuste do óleo diesel “anulou” o impacto do corte dos tributos, que correspondem hoje a R$ 0,35 por litro do produto.
Os combustíveis foram os vilões da inflação em 2021. A gasolina registrou aumento médio de 47,49% nas bombas, enquanto o diesel ficou 46,04% mais caro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com o início da guerra na Ucrânia, há duas semanas, os valores passaram a escalar em ritmo ainda maior. Na última quinta-feira (3), os ministérios de Minas e Energia e de Relações Exteriores divulgaram nota conjunta em que afirmaram acompanhar com atenção a volatilidade dos preços internacionais de petróleo e gás natural.
O petróleo é a commodity com maior impacto sobre a inflação brasileira, segundo cálculos do Banco Central (BC). Conforme o mais recente relatório trimestral de inflação da autoridade monetária, de dezembro, um aumento de 10% na cotação em dólares (supondo que a taxa de câmbio fique estável) do barril do tipo Brent gera um aumento de 0,66 ponto porcentual (pp) na inflação após quatro trimestres.
É um impacto bem superior ao do aumento das commodities agrícolas e metálicas. Uma valorização de 10% das agrícolas, segundo o BC, tem impacto máximo de 0,17 pp na inflação. No caso das metálicas, o mesmo aumento tem impacto de 0,04 pp. Do início do ano até a última sexta-feira (4) — isto é, sem considerar a alta de preços desta segunda —, a cotação do Brent subiu quase 52% em dólares.
Em janeiro deste ano, com o apoio de alas do governo, duas propostas de emenda à Constituição (PEC) chegaram a ser apresentadas na Câmara e no Senado, prevendo a possibilidade de o governo zerar impostos sobre combustíveis sem a necessidade de compensação com outra fonte arrecadatória, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Apesar do apoio explícito do presidente Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes, que chamou uma das propostas de “bomba fiscal”, admitia que a isenção se aplicasse apenas ao diesel. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no entanto, descartam, por ora, a necessidade de votação das PECs, por considerarem que a aprovação do PLP 11/2020 e do PL 1.472/2021 devem ser suficientes para contornar a questão.
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