Uma guerra em que os centros da atenção são as pessoas físicas, microempreendedores individuais e pequenas empresas está em andamento. Desde o início do mês, o campo de batalha do mercado das máquinas de pagamento - as maquininhas - está bem agitado. Os players - muitos deles ligados a grandes bancos como BB, Bradesco, Itaú, Safra e Santander - estão anunciando novidades para abocanhar mais clientes.
Neste jogo complicado, as estratégias são as mais variadas possíveis: recebimento de dinheiro de pagamento na hora e isenção de taxas para clientes de bancos estão entre as principais armas. “Quem está ganhando essa guerra são os usuários das maquininhas”, diz Matheus Amaral, analista da Toro Investimentos.
Para as empresas do segmento - conhecidas como credenciadoras - é um período de apostas. “O mercado está mudando muito rapidamente”, afirma Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. Os grandes players do mercado tem sinalizado a preferência por resultados menores em troca de uma maior participação de mercado.
“O que está em jogo, com essa guerra, é a eficiência operacional das credenciadoras. Os movimentos das últimas semanas tem impactado a soberania da Cielo e da Rede, as líderes deste mercado. Elas acabaram perdendo a barreira à entrada que tinham”, destaca Amaral.
O impacto dessa guerra tem sido negativo para as empresas. “Estes movimentos estão criando uma situação complicada para elas, que estão ‘comoditizando’ o serviço e reduzindo as margens dos negócios”, afirma o analista da Toro Investimentos.
E os reflexos estão sendo sentidos pelas ações das empresas. As da Cielo, negociadas na B3, perderam 16,96% de seu valor entre o dia 1° e o 24. As da PagSeguro, listadas na Bolsa de Nova York (Nyse, na sigla em inglês), 12,77% e a da Stone, negociadas na Nasdaq, 37,53%.
O movimento da líder das maquininhas
Abril tem sido um mês rico em movimentações no segmento. A mais recente foi dada pela Cielo, a maior empresa do segmento. Nesta quarta, ela, que conta com Bradesco o BB como acionistas, anunciou que pagará instantaneamente os clientes que tem a conta digital da empresa, por meio da cobrança de taxas similares aos do recebimento em dois dias, e o reembolso do valor de compra das maquininhas.
A empresa já vem sentindo o impacto da concorrência mais acirrada no setor. No primeiro trimestre, o lucro da empresa foi de R$ 548,5 milhões, 40,4% a menos do que no mesmo período de 2018. E o faturamento líquido também caiu: 0,4%, para R$ 2,77 bilhões.
Arbetman, da Ativa Investimentos, avalia que a líder chegou tarde à batalha e vai encontrar concorrentes mais bem posicionados tecnologicamente, como é o caso da PagSeguro e da Stone. “Elas estão atrás dos clientes insatisfeitos da Cielo e da Rede, que dominam o ranking do segmento.”
E mais impactos devem ser sentidos nos próximos balanços da Cielo. O do segundo semestre já deve trazer os primeiros reflexos da batalha travada em abril.
Outras movimentações
Outra empresa que anunciou uma movimentação na semana que passou foi a PagSeguro. A empresa anunciou na segunda (22) que os vendedores que usarem as maquininhas dela a partir do dia 1° poderão receber o dinheiro de suas vendas na mesma hora. A estratégia, segundo ela, é a de facilitar o acesso dos pequenos e médios empreendedores aos serviços financeiros.
Quem também fez uma jogada importante nos últimos dias foi o SafraPay, pertencente ao Safra. No dia 18, ela zerou a taxa de desconto, que é cobrada a cada transação, nas operações com cartão de crédito e parcelado, dos clientes com faturamento de até R$ 50 mil ao dia.
Um dia antes, a Rede, que pertence ao mesmo grupo do Itaú e é a número dois do segmento, anunciou a isenção da antecipação de recebíveis para clientes que tem um faturamento anual de até R$ 30 milhões e que recebam seus pagamentos no Itaú.
Isto tem reflexo em outra batalha: a dos bancos. “Com essa estratégia, o Itaú pode ampliar a sua base de relacionamento”, destaca Amaral, da Toro.
No dia 8, a GetNet, do Santander, anunciou o corte nas taxas das transações das modalidades de débito e crédito à vista para 2%. O prazo de pagamento que, tradicionalmente, era de 30 dias, caiu para dois para microempreendedores individuais e pessoas físicas.
Movimento da Rede é questionado
O movimento da Rede foi alvo de duras críticas. O presidente da Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), Augusto Lins, avalia a ofensiva da Rede, do Itaú Unibanco, como um "ato anticompetitivo com o objetivo de destruir as fintechs e inibir a competição" no mercado de maquininhas.
Em nota à imprensa, ele, que também é diretor comercial da novata Stone, uma das mais impactadas na bolsa após o anúncio da concorrente, classifica a iniciativa da número dois do setor como uma "propaganda duvidosa".
Para Lins, o fato de a Rede vincular a tarifa zerada de antecipação ao cliente que recebe seus pagamentos no Itaú representa "uma venda casada e uma política de preços predatórios. Ao invés de competir com as fintechs e insurgentes melhorando seus produtos e o serviço oferecido aos clientes, a estratégia do Itaú, com a Rede, é de usar seu poder econômico de forma abusiva para inibir a competição e restaurar o status de monopólio", avalia o presidente da Abipag.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu processo no dia 18 para investigar o Itaú e a Rede. A avaliação preliminar é que a medida vai contra a jurisprudência do Cade, que já multou bancos por discriminarem clientes de outras "maquininhas".
Também será investigado se o banco está praticando preço predatório e subsídio cruzado. E na terça-feira, a entidade empresarial entrou com uma representação no Cade, acusando o Itaú e a Rede de incorrer em práticas predatórias à concorrência.
Duelo parecido com o de fintechs x bancos
Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos, destaca que a guerra das maquininhas apresenta características comuns com o duelo entre as fintechs e os bancos. Segundo ele, a exemplo do que ocorre entre os usuários das maquininhas, muita gente não se sente bem atendida pelos bancos.
“E justamente um dos alvos desta batalha é um público onde é grande a fatia de gente que não tem conta corrente nas instituições financeiras: o de microempreendedores individuais”, conclui. Uma pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgada em maio do ano passado aponta que 60% dos titulares de CPF tem conta em banco.
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