Uma guerra silenciosa entre a indústria farmacêutica que produz medicamentos tradicionais chamados de referência ou inovadores e os fabricantes de genéricos e similares está em curso na Justiça, e as grandes vítimas poderão ser milhões de usuários brasileiros que utilizam remédios de uso contínuo.
Alguns laboratórios tradicionais buscam na Justiça aval para a tese de que, mesmo com as patentes vencidas, ainda teriam direito à exclusividade sobre os dados clínicos apresentados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para registro dos medicamentos por um período de dez anos.
Se essa tese for aceita, o medicamento genérico não poderia ser produzido nesse período, pois os testes clínicos realizados pelos laboratórios tradicionais servem de referência para o registro dos genéricos, quando as patentes dos medicamentos tradicionais perdem a validade.
A discussão na Justiça gira em torno da existência ou não da proteção exclusiva desses testes e de seu prazo de validade. Hoje, a patente de um medicamento de referência dura até 20 anos. Esse período é considerado suficiente, pela legislação brasileira, para que a indústria farmacêutica seja devidamente remunerada pelos investimentos que fez.
Assim que a patente deixa de vigorar, as empresas de genéricos e similares podem copiar o produto, mas são obrigadas a fazer os chamados testes de equivalência farmacêutica e bioequivalência, realizados em centros habilitados e autorizados pela Anvisa. São provas que servem para comprovar se o genérico, de fato, equivale ao medicamento tradicional.
Para o advogado da Pró Genéricos, Arystóbulo Freitas, a tese dos laboratórios de remédios de referência é absurda, porque os fabricantes de genéricos não têm acesso aos dados enviados pelos laboratórios à Anvisa. "O que eles estão alegando é que a autoridade sanitária não pode ter acesso aos dados, o que é um absurdo", disse Freitas.
Segundo estudos da Pró Genéricos, a retirada de um genérico por duas semanas do mercado pode deixar sem o medicamento 50 mil pessoas. Foi o que aconteceu numa ação movida pelo laboratório Lundbeck, que fabrica o remédio de marca Lexapro (ansiolítico).
Perto do fim
Este ano, pelo menos uma dezena de patentes vai expirar. Remédios usados para o tratamento de câncer, malária, enxaqueca, úlcera, entre outros, poderão ser os próximos a terem seus genéricos ou similares atrasados, caso a Justiça acolha a tese do sigilo dos testes mesmo após o fim das patentes.
Para o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antonio Brito, essa é uma discussão técnica e jurídica. "Não existe o bem e o mal nessa história. Os dois lados estão defendendo interesses comerciais", afirmou Brito. Ele diz que um remédio novo custa US$ 850 milhões para a indústria, pois a cada oito tentativas somente uma dá certo. Além disso, a indústria investe 15% do seu faturamento em pesquisa.