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Um dos mentores do Plano Real, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco tem comemorado os 30 anos do projeto que derrotou a hiperinflação. Com a autoridade de quem é considerado o guardião da âncora cambial – que, junto com os juros altos, formou a base para a estabilização –, ele elogia o trabalho do Banco Central sob o comando de Roberto Campos Neto e diz que a condução da política fiscal pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, inspira "muito cuidado".
Hoje sócio e senior advisor da Rio Bravo Investimentos, Franco conversou com a Gazeta do Povo na última quarta-feira (15), após falar sobre o cenário econômico brasileiro a convidados do Instituto Formação de Líderes e do Instituto Livre Mercado, em Brasília. Confira a entrevista:
Gazeta do Povo – Como o sr., que entende bem de inflação, avalia a mudança de guidance [sinalização sobre decisões futuras] e a condução da política monetária pelo Banco Central?
Gustavo Franco – Eu acho que estão fazendo tudo direitinho. Espero que continuem fazendo tudo certo daqui para frente.
Como vê a divisão de votos entre os membros do comitê sobre o tamanho da redução da taxa Selic?
Essa divisão é uma novidade para nós é que ainda precisa ser melhor entendida, já que o comitê tem uma cultura de colegialidade que é muito própria. [O Copom] sempre tomou decisões por consenso, com divergências são muito mais de dosagem do que de natureza. Este 5 a 4 [placar de votos], inclusive, é uma divergência sobre 0,25% ou 0,5%, mas na direção de reduzir. Não é que metade queira subir e metade queira descer. Isso não é tão preocupante e é comum em outros bancos centrais mais antigos. Tem decisões colegiados desse tipo, com votação apertada. Às vezes o presidente perde, nada disso é incomum. A gente é que tem que se acostumar. Isso é uma novidade do Banco Central independente. A lei complementar que avançou a independência do Banco Central tem apenas dois anos, não estamos acostumados. Mas não é anormal essa divisão.
O sr. não se preocupa com as possíveis interferências políticas e a pressão que o próprio presidente Lula e o PT já fizeram sobre a queda de juros?
Eu me preocupo, sim. Mas é o seguinte: todo mundo pode falar à vontade. O presidente da República, a presidente do partido, claro, todo mundo tem direito de opinar. Outra coisa diferente é o comitê não tomar decisão técnica que tem que tomar. Eu não tenho nenhuma dúvida que o comitê tem tomado decisões técnicas, que tem agido do jeito certo.
Como o sr. vê a possível indicação do diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, para a presidência do banco, considerando que ele já deu declarações heterodoxas sobre os juros?
O debate sobre a identidade do futuro presidente está apenas começando e eu não queria falar sobre nenhum nome. É cedo. Na verdade, não é muito cedo, mas ainda vão aparecer nomes. Espero que o presidente da República e o do Banco Central conversem entre si cheguem a uma solução boa. Eu só posso torcer para que isso aconteça.
O que o sr. teria a dizer para o presidente do BC, Roberto Campos Neto?
Bom, a principal recomendação, e não é ainda mais que isso, é que ele cumpra seu mandato até o fim. É importante que ele termine bem, como tem sido o serviço dele. É importante chegar até o fim o mandato que ele foi conferido e entregar a inflação na meta. É simples como isso.
O sr. é um liberal convicto. O que tem a dizer sobre investidas intervencionistas do governo Lula, como no caso recente da Petrobras e da mineradora Vale? Acha que temos retrocedido?
Olha, eu não queria falar sobre isso, não. Isso é muito fora do meu espectro.
Qual a sua avaliação da política fiscal e da condução do ministro da Fazenda, Fernando Haddad?
A condução da política fiscal inspira cuidados. Muito cuidado.
Quais? Que conselho o sr. daria ao ministro Haddad?
Sou um colunista regular de um jornal e dou minhas impressões sobre economia. Mas não são conselhos. São recomendações que eu dou para ele e para nós todos sobre a economia. São opiniões.
Tem expectativa de reformas econômicas ainda neste governo?
Não.
Considerando a política econômica, se a eleição fosse hoje, o sr. continuaria isento entre Lula e Bolsonaro?
Olha, eu votei nulo. É só isso que posso dizer.