Nível superior
Executivos "desdenham" oportunidades
Com a mudança no quadro econômico, os gerentes e altos executivos também passaram a ser mais exigentes em relação à oferta de empregos. Especialistas em recursos humanos dizem que esse comportamento se acentuou nos últimos meses. "Tenho casos de profissionais que ficaram seis meses, um ano fora do mercado e que não aceitam sequer fazer a entrevista para cargos cujo salário é pouco menor do que recebiam no emprego anterior", diz Michele de Carvalho Gelinski, da Chess Human Resources.
Apesar da oferta de vagas ser grande e faltar mão de obra especializada em determinados segmentos como analistas de TI, engenheiros de várias áreas, especialistas em direito ambiental e comércio internacional, dentre outros as consultorias alertam que há muita competição pelas vagas e que esse tipo de comportamento embute o risco de se perder boas oportunidades.
"Muitas vezes, uma vaga, além de recolocação no mercado, é chance de crescimento profissional e desenvolvimento em outra companhia, mesmo que o salário inicial não seja o ideal", diz. "É preciso ter humildade, disciplina e persistência para construir uma carreira sólida", afirma Carla Virmond Melo, proprietária da Acta Consultoria em Carreira e RH. Segundo ela, o mercado também está mudando o tipo de exigência de profissionais depois da crise. Se antes havia uma preferência pelos mais jovens, agora há mais espaço para profissionais entre 40 e 50 anos.
Procuram-se atendentes de balcão, garçons, vendedores, pedreiros, conferentes, caixas e ajudantes. Não é apenas a mão de obra de nível superior e com experiência que está em falta. O aquecimento da economia trouxe um fenômeno novo para o mercado de trabalho brasileiro: setores que precisam de pessoal sem formação específica também estão com dificuldade para preencher seus quadros. Supermercados, construção civil, frigoríficos, lanchonetes, comércio em geral e alguns setores de serviços acumulam vagas abertas. Para driblar a situação, algumas empresas estão tendo de "importar" mão de obra de outras regiões.Com o crescimento da economia e o aumento da oferta de vagas, o trabalhador passou a selecionar as oportunidades. Na Agência do Trabalhador de Curitiba que oferta atualmente cerca de 5 mil vagas há uma lista de cargos que estão sempre disponíveis, mas que raramente são procurados. Entre os campeões de rejeição estão mecânico de veículos, cozinheiro, padeiro, açougueiro, empregada doméstica, trabalhadores de construção civil (pedreiros, serventes e carpinteiros) e de supermercados (caixas e empacotadores).
"Achar mão de obra virou um problema", diz o superintendente da Associação Paranaense de Supermercados (Apras), Valmor Rovaris, que afirma que a situação é especialmente crítica em Curitiba e Londrina. Principalmente porque o setor que emprega 70 mil pessoas no estado vem investindo na abertura de novas lojas. Cada hipermercado novo emprega, em média, entre 300 e 500 pessoas. Rovaris estima que os supermercados têm hoje cerca de 4 mil vagas abertas em todo o Paraná. Segundo ele, a principal resistência do trabalhador é em relação ao horário, já que os supermercados abrem nos fins de semana e feriados.
"Com a falta de mão de obra, muitas empresas vêm reduzindo o nível de exigência" diz. Redes que antes queriam candidatos com ensino médio completo, por exemplo, já aceitam pessoas com metade do ensino fundamental. Também não há mais preferência por faixa etária anteriormente, a preferência era para quem tinha de 18 a 25 anos.
De acordo com Vamberto Santana, consultor econômico da Federação do Comércio (Fecomércio) no Paraná, a pressão sobre a mão de obra começou em agosto do ano passado, amparada pela recuperação da economia após a crise. Praticamente todos os setores aqueceram ao mesmo tempo, provocando uma explosão da demanda e dando a chance para que o trabalhador, em alguns casos, possa optar por atividades preferenciais. "Conheço redes de fast food e de lojas de móveis, por exemplo, que estão adiando a inauguração de novas lojas por falta de pessoal", diz.
No interior, as indústrias de móveis e confecções e as cooperativas disputam a mão de obra também com a construção civil. Somente os abatedouros de frango têm cerca de mil vagas abertas que não são preenchidas, segundo o presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Paraná (Sindiavipar), Domingos Martins.
Incentivos e escolaridade
Para especialistas, uma combinação de fatores que vai além do crescimento da economia levou à atual situação de descompasso entre oferta e procura. Afinal, ainda há muita gente desempregada a taxa de desocupação está em 7,6% no país. Na avaliação do professor Freud Oliveira, diretor do Centro Universitário de Maringá (Cesumar) Empresarial, além da falta de qualificação, uma parte dessa população simplesmente rejeita as vagas em razão dos baixos salários oferecidos ou por já ter uma forma de rendimento por meio de programas de apoio social, como o seguro-desemprego e o Bolsa Família. "O cenário que vemos hoje é que o governo acaba competindo com as empresas. O pacote social concorre com o que é oferecido pelas vagas de empregos." Muitas vezes também há uma resistência em passar da informalidade para o mercado formal. É comum que pessoas que vivem de "bicos" somem o rendimento desses trabalhos esporádicos com a remuneração de programas de apoio social.
Por trás desse movimento há também uma mudança estrutural importante provocada pelo aumento da escolaridade do brasileiro. Estima-se que 41% dos que procuram as agências do trabalhador tenham o ensino médio completo. "Esse público simplesmente não se sujeita mais a trabalhar em determinadas atividades", afirma. A consultora de carreira Michele de Carvalho Gelinski, da Chess Human Resources, diz que a preferência das pessoas que concluíram o ensino médio é pelos cargos administrativos e cujo horário permita conciliar o trabalho com a faculdade ou outro curso. Esse fenômeno repete o que países desenvolvidos já viveram no passado e tende a se aprofundar nos próximos anos. Na Europa e nos Estados Unidos, a solução encontrada para ocupar cargos "menos nobres" foi abrir as portas para a imigração de mão de obra.
Para Oliveira, da Cesumar Empresarial, o Brasil precisará interromper esse círculo vicioso para não correr o risco de ficar sem mão de obra em atividades consideradas de menor especialização. As empresas terão de se adaptar aos novos tempos, com melhoria nas condições de trabalho e nos benefícios agregados à remuneração como participação nos lucros, planos médicos, odontológicos e outros auxílios.
"Ninguém se preparou para esse novo momento. Mas as empresas terão que trabalhar com um cenário de médio, longo prazo, inclusive no que se refere ao aumento da faixa etária média da população. Em duas, três décadas, por exemplo, teremos a estabilização da população", diz. Aqui, segundo especialistas, essa situação deve provocar, em uma primeira fase, uma migração mais forte de quem atua na informalidade para o mercado de trabalho formal.
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